José Roberto de Souza começou sua trajetória como motorista de aplicativo em 2017, após se aposentar de uma carreira de quase 30 anos como vendedor de caminhões na rede Ford, onde chegou a ganhar R$ 30 mil em alguns meses graças ao alto desempenho. A decisão de ingressar no ramo de transporte por aplicativos veio da necessidade de complementar sua renda e manter a qualidade de vida após a aposentadoria.
Nesta conversa, ele compartilha os desafios e aprendizados dessa transição, desde a adaptação inicial até a consolidação como motorista. José também aborda suas estratégias de trabalho, a experiência com diferentes plataformas e como sua história reflete as oportunidades e obstáculos do setor.
José, gostaria de começar do início. Como você se tornou motorista de aplicativo e desde quando atua nessa profissão?
José: Eu me tornei motorista de aplicativo em 2017.
Por que você decidiu ingressar nesse ramo?
José: Bom, eu precisei me tornar motorista de aplicativo após me aposentar. Antes disso, eu trabalhava como vendedor de caminhões. Passei praticamente 30 anos vendendo caminhões para a rede Ford e, durante esse tempo, consegui construir um bom patrimônio. Tive uma renda variável e, sendo um bom vendedor, cheguei a ganhar valores muito altos, como R$ 30 mil em alguns meses – embora isso não fosse recorrente. Esse trabalho me permitiu criar meus dois filhos, que fizeram faculdade, e manter uma boa qualidade de vida.
Me aposentei oficialmente em 2010, mas continuei trabalhando até 2014, quando a montadora Ford encerrou suas operações no Brasil. Na época, eu estava prestes a completar 60 anos. Apesar de ter disposição para continuar, não achei viável recomeçar em outra marca e resolvi parar.
No entanto, após me aposentar, minha renda despencou. Perdi a qualidade de vida que tinha e passei a arcar sozinho com gastos como plano de saúde, que é muito caro para pessoas acima de 60 anos. Minha aposentadoria era suficiente para cobrir os custos básicos, mas não suportava despesas adicionais, como troca de carro ou planos médicos mais completos. Por isso, decidi buscar uma fonte de renda extra como motorista de aplicativo.
Além disso, eu sempre gostei de dirigir e interagir com pessoas, o que tornou essa atividade muito agradável para mim. Hoje, não consigo me ver fazendo outra coisa.
E como foram suas primeiras experiências nas plataformas? Você começou pela Uber? Estava nervoso? Lembra de detalhes das primeiras viagens?
José: Na verdade, comecei por uma plataforma que nem existe mais no Brasil, a Cabify. Um amigo me indicou, e no início eu confesso que tinha receio de trabalhar como motorista de aplicativo. Naquela época, havia muitas histórias de conflitos com taxistas, assaltos e outras situações perigosas.
Esse meu amigo, porém, me tranquilizou. Ele disse que a Cabify era uma empresa séria, focada em um público mais seletivo. Fiz meu cadastro e passei por um processo mais criterioso. Enviava os documentos, eles analisavam, e ainda era necessário levar o carro para vistoria e participar de uma reunião de dois dias. Lá, aprendíamos como se comportar, desde o atendimento até o vestuário, que incluía calça social e sapato.
Lembro que, na vistoria, o estepe do meu carro tinha sido roubado poucos dias antes. Eles me pediram para substituir o item antes de refazer a inspeção. Trabalhei cerca de três ou quatro meses pela Cabify, e as viagens eram realmente muito boas, com passageiros de classe A e valores atrativos. Porém, na minha cidade, Santos, a plataforma era muito limitada, não atendia bairros periféricos ou cidades próximas, como São Vicente e Praia Grande. Isso me levou a me cadastrar na Uber.
Como foi sua primeira viagem pela Uber?
José: Lembro bem! Fiz o cadastro e, logo depois, liguei o aplicativo pela primeira vez. Estava com minha esposa no carro, deixei ela no shopping Gonzaga e ativei o app. Em menos de dois minutos, recebi minha primeira chamada. O passageiro estava indo para uma área de risco, o bairro Jockey Club, em São Vicente. Eu nem sabia que era uma área perigosa.
Passei a tarde inteira trabalhando por ali, sem ter noção dos riscos. Depois, ao interagir com outros motoristas no escritório da Uber em Santos, fiquei sabendo que deveria evitar essas regiões, como Vila Margarida e os morros. Até mostrei para eles o histórico de corridas do dia anterior, e todos ficaram surpresos por eu ter trabalhado tanto tempo nessas áreas.
Você chegou a passar por situações perigosas?
José: Sim, fui assaltado duas vezes. Uma vez foi por um usuário de drogas e outra à mão armada. Curiosamente, uma dessas ocorrências foi na orla da praia, um lugar considerado seguro. Mas, graças a Deus, nunca sofri nada muito grave.
Você sente que, por exemplo, a corrida da Cabify pagava melhor do que uma corrida da Uber para o mesmo lugar?
José: Sim, sim, sem dúvida. A Cabify tinha tarifas melhores e, no geral, os ganhos eram mais atrativos, especialmente porque o público era mais seleto. Até hoje, vejo que há muita discrepância entre as plataformas em relação a valores e serviços.
Eu faço uma conta mais prática, porque, como já mencionei, não sou muito ligado em tecnologias avançadas. Tem motoristas que acompanho, como o Claudião – ele é um influenciador, um youtuber, que usa tablets, aplicativos de contabilidade e tudo mais. Esses caras são bem sofisticados, mas eu prefiro uma abordagem mais simples.
Que tipo de conta você costuma fazer para avaliar sua rentabilidade?
José: Eu costumo dizer que faço uma “conta de padeiro”. Trabalho com carro próprio e sigo um planejamento bem claro: troco de carro a cada dois anos. Não consigo comprar carro zero, então financio em 24 meses e uso os ganhos como motorista para pagar a prestação, o plano de saúde para mim e minha esposa, e as manutenções do carro.
Quando comecei, a relação custo-benefício era bem melhor. Por exemplo, se eu colocava R$ 100 de combustível, conseguia fazer cerca de R$ 400 em corridas. Isso dava uma proporção de 4 para 1. Claro, isso não inclui dias excepcionais, como 31 de dezembro, quando os valores sobem bastante.
Com o passar do tempo, os custos subiram – especialmente o combustível – e as plataformas demoraram muito para ajustar as tarifas. Durante a pandemia, por exemplo, chegou a um ponto em que a relação era quase 2 para 1. Basicamente, saíamos para trabalhar e mal sobrava dinheiro depois de pagar o combustível.
Atualmente, como está essa relação?
José: Hoje, está um pouco melhor, mas ainda longe do ideal. Consigo fazer cerca de 2,5 a 3 vezes o valor investido no combustível. Ainda assim, é preciso saber otimizar. Para quem tem carro mais velho, os custos aumentam por conta das manutenções corretivas. Como meus carros são novos, só faço manutenções preventivas e revisões periódicas, o que ajuda a manter os custos mais baixos.
Outro ponto é que em cidades como Santos, onde eu trabalho, algumas corridas chegam a ser mais baratas que o transporte público. Para dois passageiros, por exemplo, uma corrida de Uber de Santos para São Vicente pode sair mais em conta do que ir de ônibus. Isso acaba impactando o nosso lucro, porque a tarifa não acompanha os custos.
Você mencionou que a experiência ajuda a administrar melhor os custos e horários. Pode explicar mais sobre isso?
José: Claro. Quando comecei, era como dar “tiros no escuro”. Saía para trabalhar sem muito critério, ficava muitas horas na rua, gastava combustível e desgaste do carro à toa. Com o tempo, aprendi a trabalhar nos horários de pico, que são os momentos de maior demanda.
Por exemplo, durante a semana, os melhores horários são pela manhã, das 7h às 9h30, quando as pessoas estão indo para o trabalho e escolas. Depois disso, o movimento cai bastante, então volto para casa, faço outras atividades, almoço e descanso. Retomo o trabalho por volta das 16h, pegando o movimento de volta para casa, que vai até umas 20h ou 21h.
Nos fins de semana, os horários são diferentes. À noite e de madrugada, por conta das baladas e eventos, a demanda aumenta. É um bom momento para trabalhar, mas requer mais atenção por conta do perfil dos passageiros e dos locais.
E você tem algum dia específico que tira para descanso?
José: Sim, toda terça-feira eu não trabalho. Sou ministro da Igreja Messiânica e dedico esse dia ao serviço religioso. Esse é meu momento de equilíbrio, para cuidar da minha espiritualidade e descansar do trabalho no aplicativo.
E sobre a comparação com os valores de antigamente, você sente que a experiência compensa os menores ganhos?
José: Em partes, sim. Com a experiência, você aprende a otimizar seu tempo e reduzir os custos, então consegue administrar melhor a situação, mesmo com os ganhos mais baixos. Mas é fato que, em 2017, as corridas eram mais rentáveis. Por exemplo, uma viagem para o mesmo local naquela época pagava bem mais do que hoje.
Hoje, para ganhar bem, você precisa ser estratégico: trabalhar nos horários certos, evitar ficar rodando à toa e saber quais corridas valem a pena. Além disso, é essencial manter o carro em bom estado e cuidar da sua saúde, porque a rotina pode ser desgastante.
Então, você tem alguma meta de ganhos trabalhando como motorista de aplicativo? Seja diária ou semanal?
José: Sim, eu tenho uma meta diária, o que eu chamo de meu “número mágico”. Esse número é R$ 200 livres no dia. Saio de casa com esse objetivo bem definido, e com a experiência que adquiri, hoje consigo alcançá-lo com uma certa facilidade.
Como a experiência te ajudou a atingir essa meta?
José: No começo, era muito mais difícil. Eu cometia muitos erros. Por exemplo, às vezes aceitava corridas que pareciam boas pelo valor mostrado, mas que acabavam não valendo a pena. Tem corridas que, apesar do valor parecer alto, você gasta muito tempo para completá-las ou acaba indo para locais onde não há chamadas de volta. Isso é o que eu chamo de “pagar para trabalhar”.
Com o tempo, fui aprendendo os atalhos. Hoje, conheço melhor as áreas, os horários e o tipo de corrida que vale a pena. Então, com planejamento e estratégia, consigo atingir minha meta com mais eficiência. Claro, geralmente acabo ganhando mais do que os R$ 200 diários, mas não gosto de voltar para casa sem pelo menos ter atingido esse valor, já descontado o combustível.
E que conselho você daria para quem está começando agora?
José: O primeiro conselho é: goste do que você faz. Muitas pessoas veem o trabalho de motorista de aplicativo como subemprego, mas eu não vejo assim. Tenho muito orgulho do que faço. No início, confesso que me incomodava com a visão das pessoas, especialmente porque sou formado em Economia e já tive uma carreira consolidada como vendedor.
Moro em um condomínio de classe média alta em Santos, e no começo ficava receoso, porque sou o único motorista de aplicativo no local. Mas quando me identifiquei nas redes sociais do condomínio, percebi o respeito das pessoas. Hoje, muitos moradores me contratam diretamente, e construí uma boa reputação.
Para quem está começando, meu conselho é tratar o passageiro com respeito e dedicação, mesmo que o trabalho seja temporário ou complementar. Isso inclui manter o carro em boas condições, ligar o ar-condicionado quando necessário, e nunca discriminar passageiros, como cadeirantes ou pessoas com necessidades especiais. Sempre ajudo com carinho, e isso faz a diferença.
Outro ponto importante é escolher bem com quem você se associa. Participar de grupos de WhatsApp de motoristas pode ser útil, mas é preciso filtrar as informações e evitar ambientes negativos. E se você tiver uma crença, recomendo sempre fazer uma oração antes de sair de casa, pedindo proteção para você e seus passageiros.
Você mencionou a Cabify e a Uber. Naquela época, você sentia que a Cabify pagava mais que a Uber?
José: Sim, com certeza. A Cabify tinha uma proposta diferente. Em 2017, quando comecei, as taxas eram fixas, geralmente 25%. Isso era transparente. Na Uber, as taxas podem variar muito, e em alguns casos chegam a ser abusivas, chegando a 50% do valor da corrida.
A Cabify também trabalhava apenas com pagamento por cartão, o que eliminava o risco de assaltos ligados a dinheiro. Além disso, os passageiros sabiam que estavam pagando por um serviço diferenciado, com carros novos, confortáveis, e motoristas bem treinados. Era uma relação mais equilibrada: menos motoristas, mas com boas corridas e passageiros de qualidade.
E você tinha metas naquela época, como hoje?
José: Não exatamente, mas lembro que conseguia fazer R$ 500 em um único dia na Cabify, em meses normais, sem promoções ou feriados. E isso era R$ 500 limpos, descontando combustível e outros custos. Mas foi pontual. Normalmente, eu fazia entre R$ 250 e R$ 300 por dia na Cabify. Mas o detalhe é que eu não precisava trabalhar 12 ou 13 horas para isso. Geralmente, trabalhava de 7 a 8 horas por dia e conseguia atingir esses valores.Para comparar, hoje, para atingir esse valor na Uber, o mercado precisa estar dinâmico, como em dias de grande demanda, e é preciso trabalhar o dia inteiro.
A Cabify tinha menos motoristas, mas oferecia boas corridas e um público que estava disposto a pagar mais por um serviço superior. Na Uber, especialmente no modelo X, você acaba ganhando no volume, porque as tarifas são mais baixas. Já no Comfort, que é a categoria em que trabalho hoje, consigo melhores resultados, especialmente no verão, quando há mais turistas em Santos.
Parece que dezembro foi um mês bom para você. Pode falar mais sobre isso?
José: Com certeza. Dezembro, especialmente aqui na Baixada Santista, foi um mês excelente. O movimento foi intenso, com muitas pessoas indo à praia, e as corridas estavam com valores altos. Em dias como 31 de dezembro, as tarifas sobem muito por conta da demanda. Uma corrida que normalmente custa R$ 20 pode chegar a R$ 100.
Foi um mês que mostrou como é importante saber aproveitar as oportunidades. Mesmo em um mercado mais difícil, ainda é possível ter dias e meses muito lucrativos.
E, no início, quando você começou a trabalhar como motorista, sentiu medo ou insegurança?
José: Sim, senti bastante medo no começo. Havia muitas histórias de assaltos, sequestros relâmpagos e outros perigos. Além disso, ainda existia um pouco da tensão com taxistas. Quando comecei, essa rivalidade já estava diminuindo, mas cheguei a presenciar hostilidades, como motoristas de táxi chutando carros ou xingando motoristas de aplicativo, especialmente na rodoviária.
Aqui na Baixada, inclusive, houve casos de grupos de taxistas se organizando para intimidar motoristas de aplicativo, danificar carros e até agredir. Hoje, isso quase não existe, mas naquela época era assustador.
Como foi lidar com essas situações ao longo do tempo?
José: Com o tempo e a experiência, fui aprendendo a filtrar situações. Por exemplo, aqui ainda é comum uma mulher chamar o carro para o marido ou filho sem avisar ao motorista. Quando isso acontece e a pessoa não manda uma mensagem explicando, eu cancelo a corrida. Sempre digo: se vai chamar para outra pessoa, avise o motorista. É uma questão de segurança para ambas as partes.
Outra coisa é saber identificar locais ou situações de risco. Apesar de não ter preconceito com comunidades, já que morei muitos anos na periferia de São Paulo, você desenvolve um “feeling” como motorista experiente. Hoje, consigo perceber quando algo está errado ou potencialmente perigoso.
No início, eu também ficava muito desconfortável com passageiros sentados atrás de mim, especialmente homens. Agora, quando isso acontece, costumo pedir: “Amigo, pode sentar aqui na frente, por favor? Eu me sinto mais seguro assim.” Gosto de ver o passageiro, acompanhar suas reações. Com mulheres, às vezes elas preferem ficar no banco de trás por segurança, e eu respeito totalmente isso.
No começo, é normal ter muito medo, porque você ainda está aprendendo a lidar com as situações. Mas com o tempo, você vai ganhando confiança e aprendendo a se proteger. Mesmo assim, sempre é importante estar atento e tomar decisões com segurança.