A Trela, um e-commerce de alimentos com foco em produtos saudáveis, nasceu durante a pandemia de covid-19, mas a vontade de gerar impacto real com a tecnologia do CEO e fundador Guilherme Nazareth começou ainda em 2014, quando foi estudar nos Estados Unidos. Ele conta que se inspirou pelo potencial transformador de várias startups: “Eu vi que muitas delas [startups] eram empresas que estavam criando tecnologias que ajudariam o mundo a produzir ou se comunicar ou fazer qualquer coisa com muito mais eficiência”.
O ambiente inovador não influenciou apenas os rumos da carreira dele. “Eu achei que isso era uma grande fonte de geração de valor e decidi que eu ia fazer isso na minha vida”, recorda. Nazareth, então, deixou o curso de Economia para estudar Computação Estatística e começou a trabalhar em startups, como cientista de dados, e no setor de fintechs, área que usa tecnologia para oferecer serviços financeiros de forma mais eficiente.
Do sonho de gerar impacto à criação de um modelo
Na pandemia, ele enxergou um momento em que as pessoas, inevitavelmente, teriam que lidar mais com tecnologia em todo o mundo: “Algo assim, um catalisador de adoção tecnológica, poderia não acontecer de novo em muito tempo”. Com o “boom” do delivery, o executivo começou a pensar em ideias para esse mercado voltadas ao Brasil.
De volta ao país, Nazareth e seus sócios viram no setor de alimentação uma oportunidade. “Porque é um mercado que é muito grande, muito competitivo, mas, ao mesmo tempo, muito analógico”, reflete. O e–commerce nasceu já focado em oferecer variedade e qualidade na entrega de alimentos.
Assim, a Trela aposta na curadoria de itens selecionados, especialmente no segmento de saudáveis. Para tal, os produtos precisam ser entregues ainda frescos. O CEO conta que, por conta disso, a operação da empresa funciona com parceiros logísticos, entregadores de moto e veículos refrigerados, escolhidos conforme o tipo de produto, seco ou refrigerado, e a rota.
O diferencial não está na pressa
Enquanto boa parte do mercado aposta na velocidade como principal argumento, conforme destaca Nazareth, a Trela segue outra lógica. “A gente entende que rapidez é importante, mas o que realmente conquista o cliente é acesso a um sortimento bom e diferenciado, com bons preços e produtos que ele não encontra facilmente”, diz.
Segundo o executivo, a trajetória da Trela guarda semelhanças com a forma como a Amazon e o Mercado Livre se desenvolveram no passado. Ele explica que, no caso da Amazon, o objetivo não era simplesmente replicar no site o sortimento limitado de uma livraria física, mas sim criar um acervo tão amplo e abrangente que nenhuma loja tradicional conseguiria competir.
Da mesma forma, ele analisa que o Mercado Livre construiu um portfólio vasto de mercadorias que não caberia em um único ponto de venda, superando concorrentes físicos como Americanas, Magazine Luiza e Casas Bahia. “Esse sortimento diferenciado é o que fez o consumidor migrar do mercado tradicional de mercadorias, e a gente acredita que o mesmo vai fazer as pessoas migrarem para o e-commerces no ramo da alimentação”, afirma.
O nicho foi mais do que uma escolha: a escuta ativa do cliente
“A gente faz tudo com o olhar da saúde.” Guilherme Nazareth destaca que o foco nesse nicho não veio por acaso. A empresa, segundo conta, ouviu atentamente seus principais clientes, os que mais consumia mensalmente: “Por que eles estavam comprando com essa empresa que ainda era tão jovem, tão imperfeita, que tinha um sortimento tão pequeno?”. Tais clientes responderam a uma pesquisa, dizendo que a Trela “tem a melhor curadoria de produtos de pequenos e médios produtores que não conseguiam encontrar em outros lugares”.
Com isso, Nazareth observa que a resposta guardava uma camada mais profunda que eles precisavam compreender: “Por que isso é importante?”. Ao perceber que esses itens costumam ter menos aditivos e conservantes do que os das grandes marcas, a empresa reformulou sua missão e marca. “A gente entendeu, então, que as pessoas queriam acesso a produtos de qualidade para terem uma vida saudável. E decidimos mudar tudo na Trela para servir a esse propósito”, narra o executivo.
Depois das mudanças aplicadas, Nazareth aponta: “Acho que isso é refletido ao pisar no nosso centro de distribuição: é o oposto de um supermercado, que tem um monte de produto seco no meio e, só nas bordas, a geladeira e os freezers”. Ele nota que essa organização espacial significa que os produtos refrigerados e congelados são uma minoria nos supermercados.
“Hoje, 70% do nosso centro de distribuição é refrigerado em câmaras frias de quatro temperaturas diferentes”, explica o CEO. E reforça: “A gente leva muito a sério isso de entregar frescor, ingredientes de qualidade e uma alimentação mais limpa para as pessoas”.
Eficiência logística por trás da operação
O modelo de operação de Trela equilibra dois pontos principais, segundo esclarece Nazareth: um ticket médio alto, que diz respeito ao valor médio gasto em cada compra, e um estoque enxuto. “Enquanto uma rede de mercado tradicional se abastece de 30 a 60 dias, a Trela abastece em até 15 dias.” Ele complementa: “Nos produtos mais frescos, a gente trabalha com zero estoque o produto chega para a gente depois de ter sido vendido”.
O executivo aponta que essa relação entre o perfil dos pedidos e o estoque permite que reduzam os custos com o eixo de entrega. “A gente tem um custo logístico muito mais baixo frente às nossas vendas”, diz.
Clientes no centro das decisões
Ainda em busca de evoluir constantemente, Nazareth afirma que a Trela tem outras formas de garantir proximidade com seus clientes. A empresa monitora avaliações, mede NPS, um índice que mede a lealdade do cliente por meio da disposição em recomendar a marca, via WhatsApp e realiza entrevistas qualitativas semanais.
Ele compartilha que esses feedbacks já levaram a mudanças importantes, como decisões de produto e operação. “A gente colocou novas categorias: higiene, beleza e limpeza, porque os nossos clientes estão pedindo para poder comprar esses produtos também.”
Entre a concorrência e um processo: competindo por qualidade
Para Nazareth, o verdadeiro desafio não é disputar com outras startups, mas com o varejo físico, que, segundo aponta, ainda representa 98% do mercado alimentar no Brasil. A empresa defende um ambiente competitivo justo e está em processo com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão que regula as práticas concorrenciais no Brasil, contra conduta de concorrentes.
Em julho deste ano, a Trela denunciou a Shopper, um mercado digital por assinatura para entrega de produtos do dia a dia, ao Ministério Público de São Paulo, alegando práticas anticoncorrenciais. “A gente tem uma relação muito transparente com todos os nossos produtores parceiros, já de muitos anos. E, do nada, muitos começaram a recusar pedidos da Trela”, narra. O executivo conta que a relação com os clientes ajudou a empresa a entender o que estava acontecendo: “Em ligações, eles falaram, tipo: ‘Nós estamos assinando um contrato de exclusividade e tal, que nos proíbe de vender na Trela e também em outros canais'”.
Ele defende que uma boa política de concorrência envolve “tentar vencer a sua competição de forma justa, ou seja, oferecendo a melhor experiência para o cliente final”. E declara: “A gente gostaria de ter competidores que fizessem a mesma coisa em vez de tentar bloquear a gente de operar”. Nazareth analisa ainda que essa postura de exclusividade pode ser prejudicial não apenas para algumas empresas, mas para todo o setor. “Esse é um mercado nascente, um mercado na sua infância. Se a gente mata a concorrência agora, ele nunca vai se desenvolver.”
Olhar para o futuro
O CEO destaca que a concorrência justa é algo que impulsiona a empresa a entregar um produto e um serviço melhor. “Isso é o que nos leva a sempre levar a barra, a sempre fazer uma coisa nova e melhor para nosso consumidor”, esclarece. Ele exemplifica: “Nos levou a colocar uma entrega em dois dias, a colocar novas categorias… isso é o que está nos levando a fazer ‘n’ coisas dentro da nossa aplicação, no nosso sortimento, no nosso formato de entregas”.
Atualmente, a empresa opera no centro expandido de São Paulo, mas já tem “plantas para algumas regiões nas proximidades, provavelmente a partir do ano que vem”. Nazareth determina: “A gente tem já uma grande prioridade de crescer em São Paulo”.
Sustentabilidade como consequência
Embora a saúde seja o foco principal, o modelo da Trela traz ganhos ao meio ambiente, segundo aponta o executivo. Ele conta que isso também é consequência do feedback de clientes: “Por exemplo, a gente reduziu muito o plástico que a gente envia. Conseguimos fazer isso indo na ponta na produção do nosso fornecedor de sacolas, entendendo como era viável”.
Além disso, Nazareth observa que estoque enxuto elimina desperdícios, enquanto a proximidade dos centros de distribuição encurta rotas e reduz emissões: “A gente consegue que um entregador da Trela, de moto, entregue de três a quatro pedidos, e o entregador de uma van, dezenas de pedidos. Então, a gente consegue ter os carros na rua de forma muito menos ociosa, gastando muito menos combustível por valor gerado, valor entregue”. Nesse sentido, o executivo considera que “o modelo da Trela já é, por natureza, muito mais sustentável”.