“Hoje eu tenho taxa de aceitação de 0% a 5%” — essa é só uma das frases diretas de Leonardo Barreto, motorista de aplicativo da região metropolitana de Porto Alegre. Com cinco anos de experiência e um histórico de tentativas de empreender fora dos apps, Leonardo fala abertamente sobre os altos e baixos da profissão: o desgaste físico, os custos altíssimos, o lucro apertado, a seletividade nas corridas e o esforço necessário para manter um bom faturamento. Mais do que dirigir, ele busca transformar sua vivência em conteúdo e aconselhamento realista para outros motoristas, inclusive alertando: “Tem gente que fatura R$ 10 mil e acha que ganhou R$ 9 mil”.
Minha primeira pergunta é: há quanto tempo você trabalha como motorista de aplicativo e o que te levou a escolher esse tipo de atividade?
Leonardo: Eu sempre tive o propósito de trabalhar como motorista de aplicativo, mas com a ideia de que isso fosse algo temporário — uma renda extra, algo para me sustentar enquanto eu buscava algo maior. Já faz cinco anos que estou nessa atividade. Quando comecei com os aplicativos, eu também iniciei um projeto de delivery de hambúrguer, com o objetivo de, futuramente, transformar isso em uma hamburgueria.
Só que, infelizmente, a estratégia foi errada, tive ideias equivocadas e o negócio acabou não dando certo. Foram três anos tentando com o delivery, até que a gente precisou encerrar o projeto no ano passado.
Hoje, continuo vivendo apenas do trabalho com os aplicativos, mas, como comentei, estou estudando outros projetos para poder sair dessa rotina. Não é que os aplicativos nunca serviram para mim — pelo contrário, foi com eles que consegui sustentar minha casa nesses últimos cinco anos.
Então o seu plano hoje é sair dos aplicativos? Você está trabalhando para isso?
Leonardo: Não diria exatamente “sair dos aplicativos”, mas a ideia é evoluir. Hoje, por exemplo, tenho um canal no YouTube — o canal “Leo Uber” — que criei há seis meses, voltado para o universo dos motoristas de aplicativo. Minha meta é, no futuro, trabalhar com a internet.
E o conteúdo que eu produzo não é apenas sobre os aplicativos em si. A visão que eu passo é que o motorista de aplicativo não pode depender só da Uber. Ele precisa ter outras fontes de renda, especialmente por conta da flexibilidade de horário que essa profissão permite. Então, basicamente, estou usando o aplicativo como ferramenta para me manter enquanto busco construir essa nova fonte de renda.
E agora eu gostaria de saber como é sua rotina hoje em dia trabalhando com os aplicativos. Quais são seus horários? Você tem algum dia de folga? Existe um período do dia que você prefere trabalhar?
Leonardo: Normalmente, eu folgo às terças-feiras, quase sempre, e tento folgar aos domingos também. Mas esses dias variam bastante, depende da minha rotina semanal.
Durante a semana, costumo sair cedo, aproveitando o horário de pico da manhã, e trabalho até o fim da tarde, por volta das 18h ou 19h.
Já nos finais de semana, tenho preferido trabalhar à noite e de madrugada, pois é quando há mais movimento. Isso acontece principalmente por conta da baixa demanda atual e dos valores pagos, que estão muito menores do que eram antigamente. Estou me adaptando aos horários que oferecem melhor retorno, buscando formas de ganhar mais trabalhando menos. Acho que, somando a semana toda, trabalho quase 60 horas.
É bastante. E a próxima pergunta: você tem uma média de faturamento por dia? Você trabalha com metas diárias, tipo “só volto pra casa depois de faturar R$ 300, R$ 350, R$ 400”? Você tem esse tipo de regrinha?
Leonardo: Não, na verdade eu me baseio mais no faturamento semanal. Tento fazer algo entre R$ 2.000 e R$ 2.500, dependendo de como está a semana. Minha estratégia principal é aproveitar ao máximo os melhores dias para faturar mais.
Nos dias em que o movimento está fraco, eu evito me desgastar muito. Porque nesses dias, se a demanda está baixa, você corre demais e acaba não faturando, simplesmente porque não tem corrida. Ou então precisa andar muito para conseguir atingir um valor razoável.
Entendi. E você se considera um motorista seletivo nas corridas que aceita? Tem muitos motoristas que só aceitam corridas acima de R$ 2,00 por km, ou pelo menos R$ 1,80, R$ 1,90. Você segue esse critério?
Leonardo: Sim, eu sou bem seletivo nesse aspecto. Minha taxa de aceitação costuma ficar entre 0% e 5%, no máximo. Para você ter uma ideia, de cada 100 corridas que aparecem, eu aceito umas 10, no máximo.
Mas a minha forma de selecionar não segue exatamente o padrão da maioria. Muita gente diz: “só aceito corrida acima de R$ 2 por km”. Mas na minha região, aqui no Rio Grande do Sul, isso nem sempre é viável. E quando é, geralmente é em áreas onde eu prefiro não trabalhar — como Porto Alegre, nas comunidades, morros, lugares com ruas muito esburacadas, onde a estrutura não favorece.
Prefiro trabalhar na estrada. Lá eu consigo reduzir o consumo e a manutenção do carro, otimizar meu tempo e, no fim, aumentar o meu lucro.
Então, meu critério não é exatamente o valor por quilômetro, mas sim o equilíbrio entre tempo, desgaste do carro e o quanto consigo faturar por hora. A ideia é rodar mais com menos desgaste.
Entendi. Então, você prioriza o ganho por hora, mais do que o ganho por quilômetro, é isso?
Leonardo: Isso. Mas é um pouco mais complexo do que só “ganho por hora”. Quando a gente fala isso, muita gente interpreta errado, como se fosse algo solto.
O que eu realmente busco é ganhar o máximo possível por hora e gastar o mínimo possível por quilômetro. Não adianta eu ganhar R$ 2 por quilômetro se estou gastando muito porque estou trabalhando em locais com muito trânsito, buracos, bairros mal estruturados. Nessas condições, seu carro se desgasta muito mais.
Prefiro fazer, por exemplo, 50 km na estrada do que 20 km dentro da cidade em uma hora. Na estrada, o carro rende mais, o consumo por km é menor e o desgaste é bem mais baixo. O meu rendimento aumenta entre 30% e 40% quando estou rodando na estrada.
Você é motorista em qual cidade mesmo? Porto Alegre, como comentou?
Leonardo: Isso, eu trabalho na região metropolitana de Porto Alegre.
Então você prefere ficar rodando de município para município, entre cidades, é isso?
Leonardo: Isso, exatamente. Prefiro fazer esse trajeto entre cidades do que ficar só rodando dentro de uma.
Eu sou de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. Quase todos os dias, faço o trajeto Gravataí–Porto Alegre. E Porto Alegre é enorme, com várias cidades ao redor que permitem esse tipo de movimentação.
Nem todas as cidades têm bom fluxo no aplicativo, mas, por exemplo, costumo fazer corridas como Porto Alegre–Novo Hamburgo, que chegam a 50 km. E mesmo assim, você continua no ambiente urbano, sem sair da área de cobertura da Uber.
Entendi. E você faz só UberX, né? Nada de Comfort ou Black?
Leonardo: Isso, só trabalho com o UberX. Aqui, o Comfort e o Black estão mais concentrados em Porto Alegre mesmo, que é onde o valor das corridas é mais alto.
Sim, normalmente as capitais pagam melhor.
Leonardo: É, a capital realmente paga melhor, mas também tem seus contras — como o trânsito, que é bem complicado.
Eu costumo dizer para a galera o seguinte: entro bastante em Porto Alegre, mas também saio rápido. Às vezes, vou para lá com uma corrida de valor por km mais baixo, mas consigo sair de lá com uma corrida mais longa, com valor melhor.
Essa estratégia de entrar e sair da capital, fazendo esse “jogo”, me permite alcançar um faturamento bem melhor. Comparado com outros motoristas que não fazem isso, acredito que consigo faturar até 30% a mais.
Você tem uma média mensal de faturamento? Consegue estimar quanto faz por mês?
Leonardo: Sim. Eu acompanho mais semanalmente, porque tem semanas em que trabalho bastante e outras em que pego mais leve. Normalmente, a primeira e a terceira semana do mês são as que mais trabalho, pois coincidem com os pagamentos quinzenais e os primeiros dias úteis.
Com isso, meu faturamento mensal gira entre R$ 8.000 e R$ 10.000, buscando sempre bater entre R$ 2.000 e R$ 2.500 por semana.
E agora, falando um pouco sobre os custos… Sabemos que uma parte grande do faturamento vai embora com despesas, principalmente combustível. Você sabe dizer quanto do que você fatura é gasto com isso?
Leonardo: Sim. No ano passado, meu faturamento foi de R$ 90.000. Na época, eu ainda tinha a hamburgueria, então meus custos eram bem altos também.
Só com combustível, gastei algo em torno de 22% a 24% do faturamento — cerca de R$ 20 mil e alguma coisa. Já os custos com manutenção ficaram em 21% do faturamento bruto.
Ou seja, só com carro — entre gasolina, manutenção, IPVA, seguro, multas, tudo que envolve o veículo — foram quase 45% do meu faturamento total.
Sempre falo isso para os motoristas: esse dinheiro não é teu. Pelo menos 20% do que você fatura é do carro. Não dá pra se iludir com o faturamento bruto.
E você dirige qual carro mesmo?
Leonardo: Atualmente, rodo com um Up TSI 2016. É um carro pequeno, compacto, bem econômico.
E você só trabalha pela Uber ou trabalha com outros aplicativos, tipo 99 ?
Leonardo: Eu trabalho com Uber e 99.
Entendi. Agora, sobre as corridas: eu sei que corrida boa é a que paga bem, mas para você, qual é o melhor tipo de corrida? Prefere as longas, curtas? E tem algum tipo de corrida que você não aceita de jeito nenhum?
Leonardo: A melhor corrida para mim é aquela que paga bem na estrada. Por exemplo, uma corrida de 50 km pagando quase R$2 por km — que existe, mas é rara, especialmente nos horários de pico.
Essas são boas porque não têm trânsito, são tranquilas. Agora, as piores são as corridas intermediárias, aquelas de 10 a 15 km que atravessam centros inteiros e pagam pouco, especialmente fora do horário de pico.
Essas eu evito. Já corridas curtinhas, quando estão com dinâmica, eu até gosto — tipo aquelas de 3, 4 reais por km. E quando a demanda está fraca, foco só nas longas.
Entendi. E sobre abastecer: você tem uma rotina específica? Tem motorista que abastece logo cedo, outros só no fim do dia. Como funciona para você?
Leonardo: Eu abasteço a cada três dias. Encho o tanque e rodo com ele até precisar de novo.
E como você gosta de rodar bastante na estrada, imagino que sua quilometragem diária seja alta. Você sabe mais ou menos quanto roda por dia?
Leonardo: Nos dias bons, rodo quase 400 km — não chega a 400, mas uns 350 km. Nos dias mais fracos, fico por volta de 250 km.
Você comentou que está há cerca de cinco anos como motorista de aplicativo. Era mais fácil antes? Muitos motoristas dizem que as taxas da Uber não aumentaram, enquanto os custos subiram bastante. Você concorda com isso?
Leonardo: O que eu vejo é o seguinte: o valor por corrida não aumentou. O que aumentou foi a quantidade de corridas.
Então, hoje dá para faturar mais? Sim, mas porque tem mais corrida para fazer. O problema é que os custos também subiram muito. O carro quase dobrou de valor, o combustível aumentou demais…
A Uber funciona por fases. Tem meses muito bons e outros bem ruins. Quando está bom, entra muito motorista. Quando está ruim, muita gente sai. Isso acontece todo ano.
O grande ponto é: sim, hoje você pode fazer R$ 500 por dia. Mas está fazendo isso porque está trabalhando o dobro, se desgastando mais e rodando muito mais. Então o faturamento é maior, mas o esforço e o custo também são.
E sobre os custos com o veículo — seu carro é alugado ou próprio?
Leonardo: Meu carro é próprio, quitado. E acho que é isso que me salva hoje. Porque para quem trabalha com carro alugado, é muito difícil fechar a conta. O aluguel está em torno de R$ 700 por semana — é uma loucura! Muito caro.
Você comentou que cerca de 25% do faturamento vai para combustível e mais uns 20% para os custos com o carro. É isso mesmo?
Leonardo: Isso, exatamente.
Então, considerando que você fatura entre R$ 8.000 e R$ 10.000 por mês, o seu lucro real chega a ser entre R$ 4.000 e R$ 5.000, certo?
Leonardo: Sim, é mais ou menos isso que sobra para mim. Mas aí entra uma questão importante: como a gente calcula esse valor líquido?
A gente não tem férias, 13º, FGTS… Então, se a gente for fazer uma reserva correta para essas coisas — plano de saúde, emergência, etc. — o valor que realmente sobra cai bastante.
No meu canal, até fiz um vídeo simulando isso: se eu tivesse que tirar o equivalente ao 13º, férias e fundo de garantia, meu salário líquido cairia para algo em torno de R$ 3.000 a R$ 3.600, mesmo trabalhando quase 60 horas por semana. É algo bem assustador.
E sobre a taxa da Uber — você sabe qual porcentagem do valor das corridas a plataforma costuma ficar?
Leonardo: Ano passado, a minha taxa ficou em 9%. Isso porque eu priorizo corridas longas, que têm um valor maior por corrida. Nessas, a Uber dá mais desconto para o passageiro e lucra menos em cima do motorista.
A Uber ganha mais nas corridas curtas e médias, onde ela cobra bastante do passageiro e paga pouco para o motorista. Por isso, minha taxa ficou baixa.
Mas a realidade da maioria dos motoristas que eu conheço é outra — muitos têm taxa de 30%.
E no último mês, você tem ideia de como foi sua taxa?
Leonardo: Acredito que foi maior, sim. Ainda não calculei com os dados certos, mas estimo que tenha ficado em torno de 25%.
Em março teve Carnaval, alguns bugs no sistema, a Uber acabou pagando bem melhor. Mas agora, em abril, parece que ela “se cobrou” da gente. O mês foi bem fraco.
Para finalizar: você recomendaria esse trabalho para alguém que esteja precisando de uma renda extra ou querendo ganhar dinheiro rápido?
Leonardo: Recomendaria porque o trabalho tem seus benefícios. Você tem flexibilidade, consegue adaptar seus horários, o que pode ser ótimo se você está buscando um plano maior para o futuro. O faturamento é alto, então no curto prazo pode ser uma ótima opção.
Se a pessoa não tem uma escolaridade ou outra opção de emprego que pague bem, o aplicativo pode ser mais vantajoso.
Mas o grande problema é a gestão financeira. Tem motorista que fatura R$ 10.000 e acha que ganhou R$ 9.000, quando na verdade ganhou muito menos. Não coloca na ponta do lápis os custos, não faz reserva de emergência.
Eu mesmo só aprendi isso com o tempo. Os três primeiros anos foram uma bagunça e foi isso que me levou a “quebrar”. Isso é a realidade de muitos motoristas.
Por isso que tem muita gente que diz que não dá pra viver de aplicativo — mas, no fundo, o que falta é controle financeiro.
Vendo o canal de vocês agora, eu vi um vídeo do Marcelo Fora da Curva, onde ele fala sobre economizar R$ 10 por dia. Fiz uma proposta de guardar R$ 20 por dia até o Natal, para ter férias, descanso, uma reserva.
Acho que essa é uma das mensagens mais importantes que eu posso passar para outros motoristas: faça sua reserva! Tenha um plano de segurança para o futuro.
Fico muito feliz quando vejo a galera me acompanhando e fazendo isso junto. Poder compartilhar essa experiência é algo que realmente me realiza. Falar sobre aplicativo e ver que isso ajuda outros motoristas é muito legal.