“Se depender só dos aplicativos, o trabalho é insustentável”, afirma entregador

ponto de exclamacao .png
Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem de óculos espelhado ao ar livre em área arborizada ao lado de um carro.
Raul Araujo, entregador por aplicativo, em cenário natural ao lado de um carro.

Raul Araujo compartilha sua trajetória, os desafios do dia a dia e a importância de planejar um futuro além dos aplicativos.

Raul Araujo, também conhecido como Raul Motocast, encontrou nas entregas uma nova perspectiva de vida após um revés inesperado. Sócio de uma empresa de consignação de roupas, ele viu o negócio fechar devido ao impacto econômico da pandemia e ao lockdown: “Foi aí que eu vi as entregas como uma válvula de escape e, por fim, acabei gostando muito”, afirma.

A flexibilidade do trabalho foi o que o motivou a seguir na área, dando-lhe espaço para organizar a própria rotina e explorar outras oportunidades: “A flexibilidade de horário é um dos principais fatores que me motivam a continuar nas entregas. Consigo organizar meus horários e usar o tempo livre para empreender em negócios paralelos ao delivery.”

Clique aqui para receber todas as notícias do mercado dos aplicativos de transporte e entregas no seu Whatsapp.

Raul trabalha, em média, seis horas diárias, focando nos períodos de maior movimento para maximizar seus ganhos: “Aproveito ao máximo os horários de ‘pico de pedidos’, o que me permite dedicar mais tempo a outras fontes de renda que fui construindo nessa jornada.”

Os desafios, porém, não são poucos. Raul destaca o trânsito, as condições climáticas adversas e o comportamento de alguns clientes como obstáculos diários: “O trânsito e o clima, especialmente o sol muito forte ou a chuva, aumentam o risco. Além disso, alguns clientes não demonstram empatia, o que torna o trabalho ainda mais complicado.”

Atualmente, ele atua em três plataformas de entrega: iFood, Uber e Biker Delivery, um aplicativo local que, segundo ele, facilita o alcance de suas metas. Sobre o suporte oferecido por essas plataformas, Raul considera o relacionamento razoável, mas critica o tempo de resposta e a falta de empatia em algumas interações: “O suporte muitas vezes demora para responder de forma humanizada. Além disso, mesmo seguindo os protocolos, o entregador pode ser punido por erros que não cometeu, o que é frustrante.”

Entre as melhorias que gostaria de ver, Raul sugere “taxas mais justas e mais respeito pelos trabalhadores”. Ele ressalta a discrepância entre o que é divulgado e a realidade do trabalho: “Vejo as plataformas investindo muito em marketing para mostrar o ‘lado bom’ de ser entregador, mas quem está na rua todos os dias sabe que a realidade é diferente.”

Raul observa que a relação entre entregadores costuma ser positiva, com troca de informações e apoio mútuo: “Vejo os entregadores como uma comunidade muito forte. Contudo, sinto falta de uma organização melhor quando o assunto é lutar por melhorias. Há uma certa individualidade na classe nesse aspecto.”

Para o futuro das entregas, Raul se mostra cético. Ele acredita que a falta de reajustes significativos nos ganhos, alinhados à inflação e ao aumento dos custos operacionais, tornará o trabalho insustentável: “A média de ganhos que eu fazia anos atrás é a mesma que faço hoje, enquanto os custos só aumentam. Isso a longo prazo fica insustentável.”

Embora Raul valorize o que conquistou, ele já planeja um futuro fora do setor de entregas. Sua expectativa é retomar seu negócio e usar as entregas apenas como complemento temporário: “Entrei nas entregas com a mentalidade de me estabilizar financeiramente e juntar dinheiro para reabrir minha empresa. Quando esse dia chegar, os aplicativos de entrega serão apenas um ‘tapa buraco’ até que tudo se estabilize de fato.”

Para quem pensa em ingressar no mercado de entregas, Raul sugere uma visão estratégica: “Entre com um plano para aproveitar a flexibilidade e tente construir algo paralelo. Se você ficar dependendo apenas dos aplicativos, vai precisar trabalhar cada vez mais para manter o mesmo padrão de vida. Aplicativos de entrega são um ótimo ponto de partida, mas a longo prazo, isso é insustentável.”

Foto de Anna Julia Paixão
Anna Julia Paixão

Anna Julia Paixão é estagiária em jornalismo do 55content e graduanda na Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Pesquisar