Nesta entrevista, Claudinei Santos, motorista de aplicativo com oito anos de experiência, conta como entrou na profissão após uma demissão e como construiu sua rotina no setor. Ele fala sobre os desafios diários enfrentados, como manter uma renda média entre R$4.800 e R$5.000 por mês, controlando custos com estratégias como a instalação do kit GNV no veículo.
Claudinei também comenta a diferença entre trabalhar em grandes centros, como São Paulo, e em cidades como Curitiba, destacando qualidade de vida e segurança como fatores decisivos para sua escolha. Além disso, ele reflete sobre como o mercado mudou ao longo dos anos — apontando que, hoje, é necessário trabalhar mais horas para obter o mesmo rendimento de antes — e dá conselhos para quem deseja começar, enfatizando a importância de planejamento financeiro e cuidado na escolha do veículo.
A gente sabe que o Brasil é muito grande, cada cidade tem as suas particularidades e, dentro das cidades ainda, motoristas trabalham de maneiras diferentes. Tem uns que fazem complementos de renda, tem outros que dependem 100% do trabalho para se sustentar. Então, a minha primeira pergunta é: como você se tornou motorista e desde quando você realiza esse serviço?
Claudinei: Então, eu estou nos aplicativos de maneira geral desde março de 2017, já se foram oito anos, né? Eu não peguei o começo de tudo, mas praticamente estou aí a dois anos do início, já que a Uber tem dez anos no Brasil.
Eu comecei assim: eu tinha acabado de sair do meu trabalho, estava morando fora do Brasil, trabalhando por uma empresa brasileira. Aí, deu um problema nas obras que a gente estava executando, me mandaram de volta para o Brasil e, depois, me mandaram embora.
Naquela situação, deitado no sofá, vendo as coisas, participando de grupos de WhatsApp, os amigos já estavam trabalhando… Eu pensei: “Vou testar esse negócio aí, vamos ver no que dá.” E estou aí até hoje, trabalhando nos aplicativos.
Entendi. Eu gostaria de saber agora um pouquinho de como funciona a sua rotina. Você foca em algum dia específico? De que horas a que horas você trabalha? Você prioriza horários de pico? E você trabalha em São Paulo?
Claudinei: Não, hoje não. Já morei e trabalhei em São Paulo, mas atualmente moro em Curitiba, na região metropolitana, então trabalho por aqui.
Normalmente, minha rotina segue um horário comercial. Eu trabalho por volta das 8:00 da manhã até umas 17:00, 17:30 da tarde. Trabalho de segunda a sábado, às vezes só de segunda a sexta e folgo aos domingos. Dependendo, folgo um sábado sim, um sábado não, mas, na média, trabalho de segunda a sábado.
Entendi. E você trabalha seguindo alguma meta diária? Algo como faturar R$300, R$350, R$200? Como funciona isso para você?
Claudinei: Normalmente, eu saio para a rua, faço minha carga horária e, geralmente, atinjo uma meta mínima diária que eu estabeleci, entre R$300 e R$350. Mas, na prática, eu sigo mais uma carga horária do que fico correndo atrás de uma meta específica.
Entendi. Agora, falando um pouco sobre gastos e custos: você abastece com gasolina todo dia? Quanto você gasta por dia? Você abastece depois da jornada? Como funciona isso?
Claudinei: Então, hoje eu uso um combustível alternativo, que é o GNV, gás natural veicular. Eu trabalho muito pouco com combustível líquido. Tenho esse kit instalado no meu carro há pouco mais de três anos.
Foi a maneira que eu encontrei, Júlia, de economizar e reduzir um pouco os custos — principalmente com o nosso maior vilão, que é o combustível. Porque depender dos aplicativos reajustarem a tarifa, a gente sabe que é complicado, né? Se for depender só da vontade deles, fica difícil.
É um mercado bem competitivo também. Então, optei por colocar o kit GNV para reduzir meus custos. Hoje, meu gasto diário com GNV fica, em média, entre R$60 e R$70.
Legal. Então, se você fatura R$300, R$350, sobra uns R$280?
Claudinei: Eu costumo dizer que, hoje, R$200 líquidos por dia me atendem.
E no final do mês, isso dá em torno quantos reais por mês?
Claudinei: É, dá aproximadamente R$1.200 líquidos por semana, o que fecha uns R$4.800 no mês.
Perfeito, legal. O veículo é quitado? Você paga alguma parcela?
Claudinei: O veículo é quitado, não pago parcelas. Hoje, tenho custo apenas com manutenções periódicas e seguro.
Perfeito, Claudinei. Agora, comparando um pouco: você falou que começou em 2017, então já são oito anos. Você sente que antes era mais fácil ser motorista de aplicativo? Como é que era?
Claudinei: Com certeza. Até 2018, eu costumo dizer que a Uber era viável. Você conseguia fazer uma grana suficiente para pensar em fazer uma faculdade, comprar um apartamento, trocar de carro a cada dois ou três anos.
Hoje, isso é praticamente impossível. Depois que a Uber abriu capital na bolsa de Nova York, ficou muito ruim, muito complicado. Ela passou a aumentar a taxa dela, até mesmo para dividir lá com os acionistas e investidores. E aí começou a enxugar os ganhos do motorista.
É claro que também teve a questão do mercado competitivo: a chegada da inDrive, com valores mais acessíveis e uma taxa menor para o motorista; a 99, que é uma concorrente forte, com investimento chinês.
Então, foi só enxugando e o motorista foi aceitando trabalhar mais para ganhar a mesma coisa. Antes, você fazia R$300 em 6, 7 horas. Hoje, você faz R$300 em 12 horas, entendeu?
Você aumentou a carga horária, mas o faturamento não aumentou. E aí a galera foi aceitando… e está na situação que a gente vive hoje.
Hoje está bem complicado. Eu te digo que, se eu tivesse que financiar ou alugar um carro para trabalhar como motorista de aplicativo, com os preços que estão sendo praticados, principalmente nas categorias mais econômicas, era bem capaz de eu desistir.
Perfeito. Você sente que, hoje em dia, ainda vale a pena ser motorista de aplicativo? Você recomenda essa profissão para quem está precisando de dinheiro? Ou acha que já não é mais lucrativa e viável?
Claudinei: Eu costumo dizer que, se a pessoa não tem nenhuma outra alternativa, é melhor alugar um carro, tirando todos os custos e sobrando R$80, R$100, do que não ganhar nada naquele dia.
Hoje, vejo um cenário mais propício para renda extra do que para renda fixa.
E um renda extra para quem tem carro próprio, trabalhando numa carga horária que não seja tão exaustiva.
Agora, para quem trabalha bastante no emprego fixo, no CLT, e ainda quer pegar uma carga exaustiva no aplicativo, aí eu não recomendo. Mas, se a pessoa conseguir equilibrar, é viável para renda extra, sim.
Renda fixa também acredito que ainda fecha a conta, porque eu costumo dizer para o pessoal que os aplicativos pagam o suficiente para o motorista subsistir. Ninguém vai pagar para trabalhar aqui. Alguma coisa sempre sobra, mas, como os custos estão muito altos, as despesas em casa aumentaram, inflação dos alimentos… viver só de aplicativo é possível, mas dentro de uma carga horária bastante exaustiva.
E para você? Você comentou que já trabalhou em São Paulo e foi para Curitiba. Você acha que é melhor ser motorista onde: em São Paulo ou em Curitiba? Porque em São Paulo a gente sabe que geralmente o app paga melhor, só que tem mais trânsito e os custos são maiores, né? Então, para você, qual vale mais a pena?
Claudinei: Bom, eu sou daqueles que gostam de dizer que, para você viver, precisa ter tempo, né? E hoje, em Curitiba, eu consigo ter esse tempo, consigo ter qualidade de vida, manter uma rotina de atividade física. Ganho menos do que ganharia em São Paulo, porém trabalho menos também, né?
É menos desgastante, tem menos trânsito, menos violência… Enfim, hoje eu não trocaria. Só para efeito de comparação: ganho R$300 em Curitiba e não trocaria para ganhar R$400, R$450 em São Paulo.
Pela qualidade de vida também. Em São Paulo, você realmente ganha mais, mas o custo e o risco são bem maiores, seja risco de roubo, sequestro, sinistro, furto do veículo…
O risco de alguém bater em você ou você bater em alguém também é maior do que aqui em Curitiba.Então, acho que o motorista precisa analisar todos os riscos que ele corre a partir do momento que ele sai de casa.
Sim, sim. É uma cidade mais segura, né? Vamos dizer assim.
Claudinei: É mais segura, mais acessível, menos trânsito. As ruas são mais largas. Por exemplo, agora estou parado aqui, falando com você, em um lugar com várias vagas para escolher onde estacionar, e sem ninguém chegar e bater no carro, entendeu?
Me sinto seguro em estar aqui, falando com você. Talvez em São Paulo eu não estaria com essa tranquilidade, com os vidros abertos, enfim… A segurança aqui é bem melhor também.
Qual você acha que é hoje, se pudesse falar só uma, a maior dificuldade do motorista de aplicativo?
Claudinei: Hoje, a maior dificuldade do motorista é pagar as contas. Tá difícil.
Os ganhos… Inclusive, acabei de soltar um Reels no meu Instagram sobre isso. Principalmente na categoria UberX, a Uber está ofertando o mesmo preço que ela oferta para mototáxis. É R$1,00, R$1,06 o quilômetro, no máximo R$1,10. Então é difícil.
Hoje, só para você ter uma ideia, tenho um custo com GNV entre R$0,28 e R$0,30, é o que eu considero. Mas imagina a galera que tem o custo com combustível líquido, com aluguel de carro, carro financiado… Se pegar uma corrida de R$1,10 o quilômetro, a conta não fecha. É bem complicado.
Entendi. Para você ganhar um pouco mais, o que tem que fazer? Ir para a categoria Premium?
Claudinei: Isso. Mas para você ir para a categoria Premium, como Comfort ou Black, precisa investir num veículo mais caro. Ou seja, acaba entrando numa dívida maior. Então o motorista está meio que encurralado, sem saída. Hoje, a maior dificuldade é pagar as contas.
Por isso que a gente vê muitos colegas, motoristas — homens, mulheres — trabalhando exaustivamente, chegando a 90, 100 horas por semana. Está bastante complicado.
É, realmente. O que muitos motoristas falam é exatamente isso: os ganhos são praticamente os mesmos do que era naquela época, só que tudo aumentou. Então a conta acaba não fechando.
Claudinei: Sim, sim. Ganha-se praticamente a mesma coisa que antes. Mas trabalhando mais também. Antes sobrava, hoje não sobra. Muitas vezes o motorista precisa buscar até algum tipo de ajuda externa para arrumar dinheiro para consertar o carro, pagar o aluguel, abastecer.Eu tenho histórias de motoristas que me contam que, durante a viagem, já pediram para o passageiro pagar antecipado para poder abastecer.
Aí, às vezes, as pessoas falam: “Ah, mas é porque o motorista é desorganizado.” Mas não é. O custo do motorista não é só no trabalho. Ele sabe o que precisa dentro da casa dele: mercado, contas…
Todo dia tem motorista que precisa passar no mercado, comprar alguma coisa, sustentar filhos. É bastante complicado. Tenho percebido muitos motoristas desistindo. Inclusive, um colega meu que loca carro para motorista de aplicativo me relatou que tem muita gente devolvendo o carro. Está ficando inviável.
E Claudinei, você como motorista experiente, qual dica daria para quem está começando nessa atividade?
Claudinei: Bom, para quem quer começar, não tem outra alternativa e quer tentar… Primeira coisa: tem que gostar de dirigir e gostar do que faz. Trabalhar com pessoas é complicado. Você precisa entender que, todo dia, vai ter que administrar algum tipo de problema dentro do seu carro. Então, gostar de dirigir e ter tranquilidade para lidar com pessoas é essencial.
Além disso, saber investir. Se nunca trabalhou, sou mais a favor de começar locando um carro para fazer um teste de um ou dois meses. Primeiro, sentir se gosta da rotina, se gosta do que acontece no dia a dia. Aí, depois, ver quanto vai sobrar, tirando todas as despesas.
Gostou? Aí sim, financia um carro. Mas financia o mais barato possível. Nunca indico ninguém já entrar numa dívida alta, comprando um carro top para trabalhar com aplicativo. Porque eles vão te explorar, e aí, com a dívida
feita, não tem muito o que fazer. Você vai acabar tendo que trabalhar 18, 20 horas por dia para dar conta.
Então, começa locando. Depois, financia o mais barato que puder. E, melhor ainda: se conseguir um quitado, show de bola! Tente pegar uma parcela bem acessível, que não exija que você fique tantas horas na rua.
Em relação aos horários, eu sempre indico trabalhar do meio-dia à meia-noite, para quem puder, claro.Porque você vai pegar demanda no horário do almoço, saída de colégio, depois pega o pico das 17h às 19h, e mais à noite, lá pelas 22h, fechamento de shopping, universidades… Aqui em Curitiba tem a PUC, a UFPR…Você pega essas três demandas e com certeza consegue bater suas metas. Agora, se puder fazer dois horários, o ideal é das 5h às 10h da manhã e depois das 17h às 22h.
Perfeito. Claudinei, acho que era isso. A gente conversou bastante. Tem algum assunto que você sentiu falta, que eu não perguntei, mas acha importante falar?
Claudinei: Acredito que consegui colocar os pontos mais importantes; Principalmente a questão dos ganhos, né? Claro que tem a questão da segurança, que é algo importantíssimo para o motorista ficar atento também.
A gente está sempre vulnerável a acontecer algo ruim. Mas os ganhos, no fim das contas, é o que faz o motorista entender todo o processo: se é rentável ou não para ele.