Em quase nove anos de volante, Nicholas José Borges virou referência entre os motoristas de aplicativo de Campinas. Mas, ao contrário dos vídeos que viralizam mostrando ganhos altos, ele faz questão de expor a realidade com números e estratégia. “Não adianta nada fazer R$ 20 mil por mês se os custos são altíssimos e você está destruindo seu carro”, dispara. Com uma rotina que chega a 12 horas diárias, ele revela como chegou ao ponto de receber mais da Uber do que os passageiros pagaram — acumulando saldo negativo de R$ 308,97 na plataforma. E avisa: “Aceito uma corrida a cada 100 chamadas. À noite, só pego acima de R$ 3,50 por km.” Para ele, quem entra despreparado nesse mercado, sem reserva e sem pensar a longo prazo, está fadado a prejuízo.
Como você se tornou motorista de aplicativo e há quanto tempo atua na área?
Nicholas: Há cerca de 10 anos, eu trabalhava no escritório de contabilidade de um amigo meu. Naquela época, também estava cursando Administração. Durante uma aula, enquanto fazia um trabalho no computador, vi uma propaganda da Uber na lateral da página — daquelas que apareciam em abas à esquerda. A Uber já estava presente em São Paulo e começava a entrar aqui na região.
Aquela propaganda chamou minha atenção. Apesar de estar empregado, eu me sentia como um peixe fora d’água no escritório — era o meu primeiro emprego de verdade até então. Sempre gostei muito de dirigir. Quando completei 18 anos, até pensei em ser taxista, mas, na época, era muito caro. Era preciso comprar um ponto, que geralmente era passado de família para família. Eles nem colocavam preço, justamente para não vender.
Na segunda vez que vi a propaganda da Uber, resolvi pesquisar mais a fundo e percebi que era algo sério. Antigamente a gente tinha receio de cair em vírus e golpes, mas dessa vez parecia diferente. Comentei com um amigo meu, que era frentista em um posto de gasolina, e ele me disse:
— “Cara, tem um rapaz que vem sempre aqui, fica parado direto, e ele é Uber.”
— “Sério?”, perguntei.
— “Sério. Passa aqui um dia para conversar com ele.”
Em um desses dias, fui abastecer e meu amigo me chamou:
— “Olha, ele está ali parado.”
Fui até lá conversar com o motorista, que me contou:
— “Estou fazendo Uber, tá muito bom.”
Ele até me mostrou os ganhos: mais de R$ 300 por dia — o que era um valor considerável há 10 anos.
Aquilo me animou. Fiz meu cadastro na plataforma e pensei: “Vou testar”. Tinha um carro na época, comprei os itens necessários e fui para a rua. No meu primeiro dia trabalhando, já foi amor à primeira vista. Eu era mais novo, gostava de dirigir e de estar num ambiente mais descontraído. Desde então, estou na ativa há 8 anos e 11 meses.
Como e quando você começou a gravar vídeos sobre a atividade?
Nicholas: Vi agora no seu Instagram, que você grava vídeos sobre essa profissão. Gostaria de saber como isso começou.
Comecei a gravar vídeos há aproximadamente 1 ano e 2 ou 3 meses. Aprendi como postar no Instagram e resolvi fazer um teste, sem muitas pretensões. Vi que outras pessoas estavam postando, então decidi publicar um vídeo. Para minha surpresa, passou de mil visualizações. Pensei:
— “Caramba, isso aqui dá retorno.”
Postei por dois ou três dias seguidos, e os vídeos continuaram tendo bom engajamento. Começaram a me seguir, mesmo sem eu ter grandes objetivos com isso. Foi aí que percebi: “Acho que vou levar isso a sério, porque aqui em Campinas não tem ninguém fazendo esse tipo de conteúdo.”
No início, comecei postando vídeos sobre as corridas e os ganhos. Mas logo percebi que esse tipo de conteúdo, apesar de gerar visualizações, estava prejudicando meu próprio trabalho. Isso porque muita gente de outras cidades via os vídeos e pensava que a realidade mostrada era constante. A gente quer mostrar o lado bom, mas a pessoa pode entender que todas as 12 horas na rua são maravilhosas.
Começou a acontecer de motoristas de outras cidades quererem vir para Campinas acreditando que teriam os mesmos resultados, sem considerar que já estou há 9 anos nesse trabalho e na mesma região. Isso acabou superlotando a cidade, principalmente à noite, que é quando eu trabalho. Teve até motorista vindo de Cabreúva. Eu não imaginava, mas o alcance dos vídeos era enorme.
Hoje mesmo, há pouco tempo, peguei uma corrida e o passageiro me disse:
— “Sou seu seguidor, você vai buscar minha namorada, tudo bem?”
Eu disse que sim. Ou seja, a coisa tomou uma dimensão bem grande.
Percebi também que, ao mostrar ganhos altos, como R$ 500 num dia, muita gente se ilude. A pessoa vê o valor e pensa que é fácil, larga o trabalho e quer virar Uber. Mas não vê o lado ruim. E se a gente posta o lado ruim, o vídeo não viraliza nem gera engajamento.
Por isso, decidi mudar a abordagem. Passei a fazer vídeos que viralizam com mais facilidade, como memes e situações engraçadas relacionadas ao dia a dia de motorista de aplicativo. Sou até bastante criativo. Fui adquirindo um público fiel assim.
No começo, publicava bastante: três vídeos por dia. Um ou outro viralizava. E, como Campinas é uma cidade grande — com cerca de 1.160.000 habitantes — e não havia nenhum outro motorista de aplicativo criando conteúdo no Instagram, consegui crescer. Hoje, com esse 1 ano e 2 meses de criação de conteúdo, já tenho 27 mil seguidores.
Sou bastante conhecido aqui. Quando passo na rua, o pessoal buzina, me chama de “Tilapio”, porque fico zoando todo mundo com esse apelido. Então, mesmo numa cidade grande, consegui esse reconhecimento — o algoritmo ajuda bastante.
Como é a sua rotina como motorista de aplicativo?
Nicholas: No início, eu não tinha um horário definido. A Uber ainda era nova, e naquela época só existia ela como aplicativo, então funcionava bem em qualquer horário do dia. A gente trabalhava 24 horas se fosse preciso: se o movimento caía, eu ia para casa; se melhorava, saía de novo. Passei os três primeiros anos nessa rotina sem muita estrutura.
Com o tempo, principalmente a partir do terceiro ano, o movimento da manhã começou a diminuir, entrou muito motorista novo na plataforma e o cenário foi mudando. Aos poucos, fui optando por trabalhar mais no período da tarde. Mesmo assim, continuava trabalhando todos os dias, e quando o dia estava fraco, simplesmente voltava para casa.
Foi por volta do terceiro ou quarto ano que senti vontade de intensificar ainda mais o trabalho. Comecei a atuar no período noturno: saía por volta das 15h ou 16h e, em alguns dias, só chegava em casa às 9h da manhã do dia seguinte.
Antes da pandemia, eu já tinha um ritmo forte. Depois que ela passou, intensifiquei ainda mais. Passei a sair por volta das 15h ou 16h e voltava para casa entre 6h e 8h da manhã. Não seguia um horário fixo, mas girava sempre nessa faixa. Trabalhava no mínimo 14, 15, 16 horas por dia — todos os dias, sem folgas.
Se eu tinha algum compromisso, como um aniversário, eu ia, mas não bebia. Nunca fui muito de beber. Chegava no evento ao meio-dia, ficava até umas 15h e depois já saía para trabalhar até a manhã seguinte. Vivi assim por cerca de quatro anos, num ritmo extremamente intenso: 13, 14, 15, 16, até 17 horas por dia. Já cheguei a trabalhar 23 horas seguidas.
Esse estilo de vida acabou afetando minha saúde. Comecei a refletir, porque minha alimentação era ruim — só comia besteira na rua: coxinha, refrigerante, fumava muito. Tudo isso foi pesando. Nunca trabalhei com metas financeiras. Minha meta sempre foi cumprir horário, como se fosse um emprego CLT. Para mim, dirigir pela Uber é como bater ponto.
Hoje em dia, meu horário de trabalho vai das 4h30 da tarde até 5h ou 5h30 da manhã, no mínimo. Pode estar bom ou ruim o movimento — esse é o horário que eu cumpro. Aqui na minha região, a madrugada não é tão boa, mas como conquistei alguns clientes fixos, consigo manter uma certa estabilidade. Trabalho com dois hotéis, então sempre tenho corridas durante a madrugada. Ainda assim, o aplicativo continua sendo minha principal fonte de renda.
Depois dos problemas de saúde e também porque comecei a namorar, percebi que precisava diminuir um pouco o ritmo e tirar folgas. Hoje, minhas folgas são às quintas-feiras e aos domingos. No entanto, minha rotina e a da minha namorada são bem diferentes: ela trabalha de manhã, e eu durmo nesse horário. Então, às quintas, busco ela às 18h, ficamos juntos até meia-noite ou 1h da manhã — aí, depois que ela dorme, eu volto para a rua e trabalho até umas 7h da manhã. O mesmo vale para o domingo.
Ou seja, tecnicamente, minhas folgas são quinta e domingo, mas mesmo assim eu saio para trabalhar de madrugada, após ela dormir. Faço isso tanto para não ficar parado quanto para complementar a renda. Hoje, meu foco principal continua sendo o trabalho. No mínimo, passo 12 horas por dia na rua.
Qual é a sua média de faturamento como motorista de aplicativo?
Nicholas: Olha, em um mês ruim, o faturamento fica entre R$ 8.000 e R$ 9.000. Já em um mês bom — especialmente dezembro, que é um caso à parte — esse valor pode chegar a R$ 13.000 ou R$ 14.000. Mas, se fosse para definir uma média realista, eu diria que gira em torno de R$ 9.000 a R$ 10.000 por mês.
Só que eu sou um cara que não foca tanto no valor bruto do faturamento. O meu foco principal é o valor por quilômetro rodado. Eu acredito que isso tem muito mais relevância do que simplesmente buscar altos faturamentos. Não adianta nada fazer R$ 15.000 ou R$ 20.000 por mês se, ao mesmo tempo, os custos são altíssimos e você está destruindo seu carro.
Por exemplo: estou com um Honda City 2019 há 3 anos e 2 meses. Quando comprei, ele estava com cerca de 70 mil km e hoje está com 250 mil. Ou seja, rodei aproximadamente 180 mil km nesse período — cerca de 60 mil km por ano. É uma quilometragem baixa para quem vive do volante. Isso mostra que, mesmo sem buscar os maiores faturamentos, consigo manter um bom rendimento rodando pouco, o que é mais sustentável.
Com o tempo, entendi que o segredo é priorizar o líquido, ou seja, o que sobra no final do mês, e preservar o carro. Muita gente se ilude com os altos ganhos, mas não coloca na conta o desgaste do veículo, o financiamento, a desvalorização e os juros.
Quando você financia um carro, o valor final pago é absurdamente maior. Por exemplo, meu Honda City custava R$ 97.000 na época. Se eu tivesse financiado, sairia por cerca de R$ 170.000. E aí, mesmo sendo um carro que desvaloriza pouco, esse montante é difícil de recuperar, porque ninguém guarda esse “prejuízo” mensal na ponta do lápis.
Por isso, sempre prezei por comprar carro à vista e manter uma visão de longo prazo. Tenho muito cuidado com o que invisto. Hoje em dia, o que garante minha rentabilidade é a relação entre ganho e quilometragem. E mais: eu fico bastante tempo parado, escolhendo boas corridas, com valor agregado. São quase 9 anos de experiência e entendi que o que realmente importa é a estratégia e não o volume bruto.
Além disso, esse já é o terceiro Honda Civic/City que tenho. É uma escolha bem consciente: são carros que não quebram facilmente e têm baixa desvalorização. Quando comprei esse atual, ele estava na Tabela Fipe por R$ 96.000. Recentemente, fechei o seguro e ele estava em R$ 85.500 — ou seja, perdeu apenas R$ 11.000 em três anos. Isso é muito pouco.
Graças a Deus, o carro está quitado há bastante tempo, o que também faz muita diferença. Como comentei, já tive meses em que faturei R$ 18.000, mas, novamente: não é o faturamento que faz meu sucesso, e sim o quanto sobra e a capacidade de poupar.
Por exemplo, se em um ano eu faturei R$ 120.000 e tive R$ 60.000 de lucro líquido, parece ótimo. Mas, se eu bater o carro e tiver que pagar R$ 6.000 de franquia, já foi uma bela fatia desse lucro. E é por isso que eu digo: o motorista precisa ter uma reserva. Quem trabalha com menos de R$ 15.000 guardados para emergências está correndo risco. Qualquer imprevisto pode colocar tudo a perder.
Portanto, ser Uber não é só dirigir. É uma profissão em que você precisa usar mais a cabeça do que as mãos. Planejamento, estratégia e visão de longo prazo são o que realmente fazem diferença.
Você trabalha com categorias como Uber Black, Comfort ou apenas UberX?
Nicholas: Hoje em dia, eu trabalho com o Uber Comfort e o UberX. O carro que eu uso — um Honda City — se encaixa nessas duas categorias aqui na região de Campinas (interior de São Paulo). O Uber Black só chegou por aqui há cerca de 1 ano.
Quando a categoria foi lançada por aqui, até pensei em migrar. Como meu carro tem valor suficiente para ser aceito no Black, cheguei a estudar a possibilidade. Mas, como sou uma pessoa mais cautelosa, resolvi testar antes. Cadastrei o carro do meu pai, que também é elegível, e comecei a fazer alguns testes na rua para entender a demanda.
E a verdade é que o Uber Black não compensa na minha região. Até hoje continuo fazendo testes e monitorando, mas o volume de chamadas não é suficiente. O que realmente funciona por aqui, de forma estável, são as categorias Comfort e UberX.
Essa decisão mostra novamente meu perfil: gosto de tomar decisões com base em análise e realismo, não empolgação. Então, por enquanto, não vejo vantagem em mudar para o Black.
Você é um motorista seletivo nas corridas que aceita?
Nicholas: Com certeza. Meu foco principal quando saio para trabalhar é garantir que, no fim do dia, meu ganho médio seja de R$ 2 por km rodado. E, sinceramente, nem considero isso um valor bom — considero o mínimo necessário, em 2025, para que se possa alcançar algum lucro de verdade.
Ou seja, não importa tanto qual corrida eu vá pegar, mas sim o resultado final. Por exemplo: se no fim do dia eu fiz R$ 200, eu preciso ter rodado no máximo 100 km. Esse é meu parâmetro principal.
Hoje em dia, com a funcionalidade do “Radar” da Uber, é possível recusar corridas sem que isso afete sua taxa de aceitação. Mesmo assim, ao longo desses quase 9 anos, minha taxa de aceitação sempre foi baixíssima — entre 1% e 3%. Em alguns meses, chego a aceitar apenas uma corrida a cada 100 chamadas. Em outros, no máximo três. Ou seja: sou extremamente seletivo.
Das 12 horas que passo na rua por dia, é comum haver dias fracos em que fico parado por até 8 horas. E rodo, de fato, por apenas 3 ou 4 horas. Tudo isso porque só aceito corridas que valem a pena.
Agora, mesmo que R$ 2/km seja meu mínimo, isso muda um pouco durante a madrugada. Aqui em Campinas, se estou na região central, não adianta pegar uma corrida de R$ 2/km, porque corro o risco de não conseguir corrida para voltar. Por isso, à noite, só aceito corridas acima de R$ 3,50 a R$ 4/km, pois esse valor já cobre a ida e o retorno, o que me permite manter a média de R$ 2/km ao longo do turno.
Você tem noção da taxa que a Uber retém por corrida?
Nicholas: Sim, essa informação aparece nos relatórios da plataforma. E aqui em Campinas temos uma particularidade interessante com o chamado “dinâmico picolé”, que é como apelidamos o valor adicional pago pela Uber em momentos de alta demanda.
Esse dinâmico adiciona um valor fixo na corrida — pode ser de R$ 2 até R$ 30, dependendo da demanda. Eu me posiciono estrategicamente para trabalhar exatamente nesses momentos de dinâmico, porque é onde consigo extrair mais valor por corrida.
O curioso é que os passageiros aqui costumam esperar o dinâmico baixar para pedir a corrida, mas o valor do incentivo continua visível para mim. Ou seja, às vezes eu recebo uma corrida com bônus de R$ 20, mesmo que o passageiro esteja pagando apenas R$ 10. Isso gera uma discrepância em que o valor que recebo é maior do que o que a Uber recebe da corrida.
Por causa disso, nos últimos três meses, a Uber teve taxa negativa comigo — ou seja, ela não ganhou nenhum real nas minhas corridas nesse período. Claro, isso é algo pontual, fruto dessa mecânica nova de precificação. Em anos anteriores, a média da taxa de retenção da Uber comigo sempre ficou em torno de 20%, o que já é considerado baixo comparado à média geral.
Se você quiser, posso até verificar no meu outro celular os dados mais recentes nos relatórios fiscais, só preciso localizar onde estão essas informações.
Muitos motoristas dizem que as taxas da Uber continuam as mesmas, mas que os custos aumentaram — o que acaba resultando em menos dinheiro no bolso. Você concorda com essa visão? Como enxerga essa situação?
Nicholas: Sim, com certeza dá para fazer um comparativo. Hoje em dia, os custos aumentaram bastante, enquanto os ganhos não acompanharam esse crescimento. Eu concordo com muitos motoristas que dizem que as taxas da Uber podem até ser as mesmas, mas o que mudou foram os custos operacionais, e isso implica diretamente em menos dinheiro no bolso.
Por exemplo, como já mencionei, meu custo médio hoje representa cerca de 50% do faturamento, mesmo sendo um motorista extremamente seletivo. Agora, imagine um motorista novato, que aceita qualquer corrida, sem planejamento. O lucro líquido dele, o dinheiro limpo mesmo, não passa de 20%, e isso muita gente não percebe. Vão vivendo assim, sem se dar conta da baixa rentabilidade.
Quando comecei, era muito mais fácil ganhar dinheiro. A tarifa dinâmica funcionava 24 horas por dia — não era limitada a horários de alta demanda. Inclusive, o Uber chegou a ser mais caro que táxi aqui na região. Como ainda não havia muitos motoristas, e existia uma demanda significativa — especialmente por causa do aeroporto de Viracopos — era comum ter corridas de Campinas até São Paulo, ou dos hotéis até o aeroporto, por exemplo.
Naquela época, dava para fazer o que hoje eu levo 12 horas para conseguir, em apenas 3 horas. Era muito mais fácil. Então, o problema atual não é só a taxa da Uber em si, mas a falta de reajuste nas tarifas por quilômetro rodado. Hoje, os valores estão muito defasados.
Além disso, o custo de vida subiu absurdamente. Um carro equivalente ao que tenho hoje (Honda City) custava R$ 51.000 quando comecei. Hoje, está em torno de R$ 97.000 — praticamente dobrou. O combustível também mais que dobrou. A manutenção então, nem se fala: eu pagava menos de R$ 100 em 4 litros de óleo quando comecei; agora estou pagando R$ 299. Está quase quatro vezes mais caro.
Então sim, está muito mais difícil lucrar hoje em dia.
Você comentou que a sua taxa está negativa — consegue me dizer de quanto é essa diferença? Seria algo como -7%?
Nicholas: Sim, e posso te mostrar. No período de 31 de março a 28 de abril, a Uber ficou com um saldo negativo de R$ 308,97 comigo. Isso significa que, nesse intervalo, a plataforma pagou mais para mim do que recebeu dos passageiros nas corridas que fiz. O saldo aparece como um valor negativo no meu relatório, e até tirei print disso — dá para ver claramente.
Claro que não sei exatamente a porcentagem, porque precisaria calcular com base no faturamento total. Mas, como você disse, é como se a Uber tivesse me “pagado” para eu trabalhar, além dos ganhos normais das corridas. Só que, como ressalva importante: isso é um caso à parte, tá? Acredito que menos de 1% dos motoristas tenham esse tipo de saldo.
E vale destacar também: não uso nenhum tipo de bug ou recurso ilegal, como aplicativos de “pescaria” para caçar dinâmico, por exemplo. Todo o meu resultado é dentro da legalidade. A diferença está no posicionamento estratégico, saber onde estar e quando aceitar.
Quais são os melhores e piores tipos de corrida para você?
Nicholas: Falando exclusivamente do ponto de vista financeiro, as melhores corridas para mim são as de até 10 km. Isso porque, geralmente, são as que oferecem o melhor valor por quilômetro rodado.
Aqui na minha região — Campinas — temos muitas pistas boas, o que reduz o tempo gasto nas corridas. Às vezes, aparece corrida de 50 km por R$ 100, o que parece ótimo (R$ 2/km), mas não compensa. O problema é o retorno. Como trabalho na categoria Comfort, e as cidades ao redor nem sempre têm demanda para essa categoria, corro o risco de ficar preso sem corrida para voltar — ou pior, ter que voltar com uma corrida no UberX, que paga cerca de R$ 1/km em longas distâncias.
Por isso, minha preferência é por corridas curtas, que me mantêm dentro da área onde atuo, sem risco de deslocamento excessivo. Muitas vezes, consigo encaixar uma sequência de boas corridas no mesmo setor, e ainda aproveitar corridas consecutivas com bom valor.
Já não gosto de corridas intermunicipais, justamente pela incerteza do retorno e pelo potencial de prejudicar minha média de valor por quilômetro. Então, para mim, é mais vantajoso trabalhar com constância e previsibilidade, mantendo um bom custo-benefício e controle sobre o percurso.
Qual é, na sua opinião, a maior dificuldade de ser motorista de aplicativo hoje? E você recomendaria esse trabalho para quem está precisando de uma renda extra?
Nicholas: Olha, para mim, a maior dificuldade hoje é ter a mente aberta e saber trabalhar com uma mentalidade mais realista — até pessimista. Dirigir, ligar o aplicativo e sair para a rua é a parte fácil. O difícil é entender onde e quando vale a pena aceitar uma corrida, saber identificar os melhores horários e regiões, filtrar bem, planejar. Isso é o que separa quem sobrevive na profissão de quem se perde.
Na minha opinião, não é uma atividade complicada em si. Mas muita gente não tem paciência, ou então tem uma família em casa esperando, sente-se pressionada e acaba deixando de lado o raciocínio lógico, as contas, e age no impulso, no desespero ou na pressa de voltar para casa.
Por isso, considero que a maior dificuldade real é saber trabalhar de maneira lucrativa, com base em matemática e estratégia. E sendo bem sincero, em 2025, eu não aconselho ninguém a entrar para o Uber.
Você pode se perguntar:
— “Mas se você não aconselha, por que ainda está nesse trabalho?”
A resposta é que eu já tenho experiência, tenho uma base de clientes, sei os horários e locais de maior demanda, conheço os riscos, os erros a evitar. Estou em um ambiente controlado que eu mesmo construí com o tempo. Já sei como operar dentro dele.
Mas alguém que começa hoje, principalmente com carro alugado ou financiado, está entrando num cenário precário. Um aluguel de carro está em torno de R$ 3.500 por mês, com limite médio de 6.000 km. Ou seja, você já sai de casa com uma dívida de R$ 3.500 todo mês, e ainda vai ter que lidar com alimentação, gasolina, manutenção, trabalhar fim de semana, à noite, em longas jornadas.
Tem gente faturando R$ 10.000 por mês, recém-chegado. Mas, no fim das contas, sobra R$ 2.000 ou R$ 3.000 líquidos. A pessoa pensa:
— “É melhor do que um CLT que paga dois mil e nem me dá um carro.”
Pode até parecer vantajoso num primeiro momento. Mas os riscos são altos. Um acidente pode acabar com seis meses de ganhos. Já vi acontecer com um amigo. Ele trabalhava com carro alugado, sabia se virar bem, mas bateu o carro. A franquia do dele foi R$ 5.000 e a do carro atingido, R$ 8.300. O dono ainda entrou com ação na justiça pedindo mais de R$ 40.000.
Ele teve que gastar com advogado, pagar os danos e só pôde alugar outro carro depois de quitar tudo. Se o carro fosse próprio, ficaria pelo menos um mês parado aguardando conserto. Se fosse via cooperativa, poderia levar até cinco meses.
Então, quem lucra R$ 2.000 ou R$ 3.000 por mês pode perder tudo em um único imprevisto. Por isso, não recomendo entrar nessa profissão sem preparo financeiro, sem reserva de emergência, sem mentalidade estratégica.
Algo que você gostaria de acrescentar?
Nicholas: Sim. Só para deixar claro: não estou dizendo que ninguém deve ser motorista de aplicativo. Mas se alguém quiser começar hoje, precisa estar disposto a trabalhar muito — pelo menos 12 horas por dia, seis dias por semana — e precisa seguir tudo isso que eu falei até aqui. Tem que calcular bem os gastos, entender o mercado e o funcionamento da plataforma.
Infelizmente, hoje em dia, muita gente entra nessa profissão se inspirando em influenciadores que vendem uma imagem falsa, mostrando só o lado bom. É importante se espelhar em quem fala a verdade, em quem mostra os custos reais e o esforço envolvido.
Minha principal dica é: pense de forma negativa para conseguir ter resultados positivos. Trabalhe com consciência, calcule tudo. Não entre no modo “depois eu vejo”. Faça escolhas inteligentes, porque dá para ter sucesso sim — eu sou prova disso. Mas o sucesso nessa profissão não vem de dirigir bem, e sim de pensar bem.