Apesar de estar entre as maiores economias da América Latina e abrigar sua segunda maior metrópole, o México enfrenta grandes desafios relacionados à mobilidade urbana, desigualdade e segurança pública.
A ENDIREH (Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares), é considerada a principal pesquisa para medir a violência no México. Um estudo de 2021 estima que, na Cidade do México, 76,2% das mulheres de 15 anos ou mais experimentaram algum tipo de violência — psicológica, física, sexual, econômica ou patrimonial — ao longo da vida, e 46,1% sofreram algum desses tipos de violência durante o ano da pesquisa.
Insegurança feminina e origem do negócio
Nesse contexto, um serviço de transporte exclusivo e operado por mulheres vem ganhando força. A Purple Drive nasceu da urgência e de um profundo desejo de proteção de sua fundadora, Fabiola Espinoza.
“Sou formada em turismo, trabalhei muito tempo com isso. Mas você sabe como é, às vezes você tem planos e a vida te obriga a mudar”, relembra. Depois de abandonar o ramo, Fabiola atuou também no Grupo Financeiro Banorte, uma das maiores instituições bancárias do México, onde trabalhou como executiva de crédito automotivo. Ofício que afirma ter sido um divisor de águas em sua vida.
“Mas aí veio a pandemia. E você já pode imaginar, isso atingiu todo mundo e foi um impacto considerável em muitos sentidos. Então eu fiquei sem trabalho”, conta. Passando por um processo de divórcio e com filhos para cuidar, Fabiola se viu sem saída.
Reinvenção forçada e início improvisado
Após tentar diversas atividades informais para garantir o sustento da família, mas nada oferecer estabilidade, foi então que ela decidiu usar o único bem que tinha, seu carro, para se dedicar ao transporte particular, com uma condição clara desde o início: “Eu disse aos meus filhos que iria começar a fazer viagens, mas que, por questões de segurança, seriam somente para mulheres.”
Fabiola afirma que a Purple Drive surgiu de uma necessidade concreta, tanto financeira quanto de segurança. “Acho que todo empreendimento nasce de uma necessidade. E a nossa necessidade principal era seguir adiante”, explica.
Ela relata que chegou a trabalhar em outra plataforma de transporte, mas a experiência a deixou apreensiva: “A verdade é que não foi uma experiência muito boa, então eu decidi criar a Purple Drive em 2022”, diz.
“Eu me lembro perfeitamente de que o empreendimento nasceu enquanto meus filhos e eu estávamos sentados numa calçada, onde eu pensava o que iríamos fazer para sobreviver”, conta.
O nome foi escolhido por sua filha e o primeiro cartão de divulgação foi improvisado. A primeira corrida aconteceu naquele mesmo dia de madrugada, uma experiência desafiadora, mas que considera o primeiro passo para uma nova fase.
Hoje, com três anos de operação, a empresa está formalizada, paga impostos, tem registro de marca e se consolidou como serviço recorrente na Cidade do México e em alguns municípios do Estado do México.
Atendimento centralizado e logística via WhatsApp
Enquanto a nova versão do aplicativo está em desenvolvimento, o serviço opera por meio de um centro de atendimento via WhatsApp, onde as usuárias se cadastram, informam a logística de viagem, recebem cotação e são conectadas a uma motorista disponível.
A plataforma conta com 30 motoristas ativas, distribuídas na região da Cidade do México, realizando de 80 a 100 corridas por mês, número que aumenta em temporadas de eventos e grandes shows. Antes de ficar em stand by, o aplicativo havia alcançado mais de cinco mil downloads.
Tarifas e investimento em segurança
A Purple Drive trabalha com uma tarifa mínima entre 100 e 120 pesos mexicanos (cerca de R$35), valor superior ao das plataformas tradicionais, mas que reflete o caráter exclusivo do serviço.
“Nós somos muito boas e muito bonitas, mas baratas, não”, brinca. Para a fundadora, o mais importante não é a tarifa, e sim, a segurança. Ela explica que o valor está diretamente relacionado à certeza de um serviço confiável, com motoristas experientes, veículos em excelente estado e acompanhamento personalizado.
A empresa também oferece incentivos às motoristas, que incluem massagens, brindes personalizados, squeezes, robes com o logo da marca e premiações para quem realiza maior número de viagens. Para isso, conta com parcerias com psicólogas, massagistas e até advogadas, que ficam à disposição das condutoras em caso de necessidade.
Já as passageiras podem participar de sorteios, concursos e campanhas especiais, ganhando desde arranjos de flores até serviços de bem-estar.
Acompanhamento personalizado como diferencial
Para Fabiola, a Purple Drive foi criada para suprir uma lacuna que permanece aberta nas grandes plataformas de transporte. “Eu queria uma empresa que te acompanhasse, que fosse como a sua família. A Purple Drive é a minha família”, afirma. O diferencial está no nível de assistência: além do trajeto, as motoristas permanecem com as usuárias quando necessário, acompanhando-as até dentro de hospitais, rodoviárias ou outros locais, prática incomum entre serviços tradicionais.
O tempo de espera também é incorporado como parte do atendimento, especialmente em situações que envolvem mulheres viajando sozinhas, idosas ou adolescentes. A proposta é estabelecer uma relação de confiança que vá além do deslocamento imediato.
Ganhos semanais acima da média nacional
“Uma motorista da Purple Drive pode ganhar cerca de 3.000 e 3.500 pesos mexicanos (cerca de R$1.000) por semana e isso em viagens programadas, não ficam o tempo todo ao volante”, explica. Esse valor é consideravelmente alto, tendo em vista o salário mínimo de 9.582 pesos mexicanos mensais previsto para 2026.
Grande parte das motoristas conciliam a atividade com outros trabalhos formais ou com seus próprios empreendimentos, utilizando períodos livres para atender pela plataforma. Essa dinâmica, afirma a gestora, permite que as condutoras obtenham uma renda complementar significativa sem a exigência de jornadas extensas comuns a outras plataformas de transporte.
Toda a remuneração é feita exclusivamente por transferência bancária: as motoristas recebem dessa forma e as passageiras também realizam o pagamento dos trajetos via transferência. Fabiola explica ainda que as condutoras pagam uma porcentagem pelo uso da plataforma, mas preferiu não detalhar os valores ou condições deste modelo.
O futuro: expansão e fortalecimento
A fundadora afirma que a Purple Drive atravessa um momento de expansão e se prepara para uma nova etapa com a retomada do aplicativo, ainda sem data definida. Segundo ela, a volta da plataforma ao ar deve impulsionar o alcance do serviço e ampliar a base de passageiras.
“Estamos justamente nessa fase em que queremos crescer”, diz. “Somos uma empresa 100% mexicana que não tem nenhum subsídio, nenhum tipo de ajuda”, afirma. A empresa é inteiramente sustentada pelo trabalho das mulheres que a compõem.
Para Fabiola, esse caráter coletivo é central. A expectativa é consolidar o serviço como uma referência de segurança e mobilidade feminina no país à medida que a plataforma evolui e alcança novas usuárias.
