“Não aceito corridas distantes: você aceita corrida que está a 5 km, anda 3 km e cancelam. O ganho é R$ 0”, diz motorista de app

Motorista de app relata: “Trabalhando das 5:00 até às 11:00, consigo faturar R$ 250 em dias bons”. 

Homem sorridente vestindo camiseta vermelha e boné azul com uma estrela vermelha no centro.
Foto: Ivando Bornhausen para 55content

Motorista de aplicativo há mais de seis anos em Joinville (SC), Ivando Bornhausen compartilha sua trajetória marcada pela mudança no cenário do transporte por apps.

Aposentado, ele começou a dirigir por gosto e para manter-se ativo, mas hoje avalia que a atividade deixou de ser viável. 

Na entrevista, Ivando relata a queda nos ganhos, a desvalorização dos motoristas pelas plataformas e a falta de união da categoria. Ele também comenta a influência de aplicativos como o GigU na escolha das corridas, revela sua frustração com a Uber e afirma estar prestes a abandonar de vez o volante.

Em que ano você começou a ser motorista de aplicativo e o que te levou a começar a trabalhar com a Uber, com a 99, com os apps? E de qual cidade você fala?

Ivando: Eu falo da cidade de Joinville, e estou trabalhando com a Uber e a 99 há seis anos e meio. No começo, foi muito promissor e muito gostoso trabalhar com isso, sabe? Até há uns dois anos atrás, ainda valia a pena. Outra coisa é que eu tenho uma aposentadoria — não é grande, mas ajuda, né?

O que acontece é o seguinte: com essa aposentadoria, se eu ficasse em casa, seria muito desgastante. A gente precisa ter alguma atividade. Como eu gosto de dirigir, acabei optando por trabalhar com aplicativo. Eu já tinha carro, então não precisava alugar, pedir emprestado, nem nada. Com isso, posso trabalhar na hora que quiser, sem problema nenhum.

Além disso, interajo muito com as pessoas, porque gosto tanto de dirigir quanto de conversar. Se eu tivesse ficado parado em casa, aposentado, possivelmente nem estaria falando com você agora. Então, é muito bom sair e interagir com os outros. A grande maioria dos passageiros são boas pessoas. Eles usam o aplicativo porque o sistema de mobilidade das cidades está zerado, né? Ninguém mais quer saber de ônibus.

Mas agora estou abandonando porque não compensa mais. A gente desgasta o carro e não tem retorno. Então, aos poucos, devo parar totalmente.

Falando um pouco sobre a sua rotina de trabalho: qual a diferença da sua rotina quando o senhor começou, quando ainda valia a pena, e como ela é agora? Quantas horas o senhor trabalha por dia? O senhor tem alguma meta, tipo: “tenho que fazer cem reais hoje”? Como é isso?

Ivando: No começo, a minha meta era financeira. Depois, passou a ser por horário. Joinville, aqui em Santa Catarina, é uma cidade muito quente, abafada, difícil de trabalhar, com trânsito horrível de manhã e no fim da tarde.

Então, o que eu fazia? Como sou uma pessoa que gosta de levantar cedo, eu acordava às quatro da manhã, me preparava, tomava café e saía de casa às cinco. Daí, ficava rodando até umas dez e meia, onze horas.

Depois parava, porque nesse horário começam a aparecer muitas corridas ruins, em meio ao trânsito, com valor de cinco e cinquenta, seis reais. São, geralmente, mães indo ou voltando da escola com os filhos. Essas corridas demoram demais.

Então, quando estava mais ou menos perto da minha casa, eu voltava, almoçava, descansava e, às vezes, voltava à tarde. Outras vezes, não. O trânsito da tarde é muito estressante — as pessoas saem do trabalho e o risco de batida, arranhão, essas coisas, é muito maior.

Hoje, tenho trabalhado só de manhã. Se acordo cedo e dá vontade, eu saio. Se não, fico em casa mesmo.

E trabalhando só de manhã, qual valor o senhor costuma fazer?

Ivando: Como eu trabalho só com cartão, e não aceito PIX nem dinheiro em espécie, o que acontece é o seguinte: do dia 5 ao dia 18, mais ou menos, eu consigo fazer um bom dinheiro só com cartão. E o que seria esse bom dinheiro? Dentro do meu horário, das cinco às onze da manhã, costumo fazer em torno de 250 reais.

Passando dessa data, como hoje, que é dia 26, quase ninguém mais pega Uber no cartão. Os cartões estão todos estourados. Então, eu nem saio. Tenho umas atividades aqui em casa — estou desenvolvendo alguns artesanatos — e prefiro ficar por aqui.

Só saio para coisas pontuais. Por exemplo, hoje mesmo fui buscar uns meninos na empresa onde trabalho de vez em quando. Amanhã vou de novo. E o pessoal já me chamou para trabalhar no sábado, levando a equipe de madrugada para a empresa e buscando à tarde.

Essa é minha rotina atualmente.

Você falou que consegue tirar 250 reais. E quanto disso é líquido, de verdade?

Ivando: Líquido, dá em torno de 65% desse valor.

E antes, quanto o senhor conseguia fazer? Consegue lembrar?

Ivando: Olha, eu usava combustível, tirava todas as despesas — IPVA, seguro, pneu, óleo e tudo mais — e conseguia tirar em torno de 200 reais líquidos. Só que, naquela época, o valor era melhor porque eu trabalhava menos tempo e, ainda assim, ganhava mais. Ou seja, gastava menos combustível e tirava mais dinheiro.

Mas o valor exato o senhor não lembra?

Ivando: Não, não lembro, não. Mas eram viagens boas, de um município para outro. Na época, compensava bastante. Hoje em dia, não vale mais a pena sair para outras cidades — estão pagando muito pouco.

Eu tenho um aplicativo que você, que trabalha com isso, deve conhecer: é o Gigu.

Conheço, do Stop Club, né?

Ivando: Isso, exatamente. Eu trabalho com eles, e eles me dão todas as coordenadas das corridas. Então, hoje, aqui na nossa cidade, eu só aceito corridas próximas — quando digo próximas, quero dizer até um quilômetro e meio de distância para buscar o passageiro — e o valor tem que ser acima de R$1,80 por quilômetro.

A GigU me mostra, no momento certo, as corridas que se encaixam nesse perfil. Então, é isso que eu faço.

A Uber já me rebaixou. Acho que estou com só 11% de taxa de aceitação. E de cancelamento, estou com 1%. No momento em que aceito, eu vou até o fim. Não deixo a pessoa esperando.

E assim é com a Uber, com a 99… tudo a mesma coisa. Hoje não dá mais para aceitar corrida distante. Às vezes, colocam uma viagem para você andar 5km só para buscar o passageiro. Aí, quando você já andou 3km, a pessoa cancela. E você fica lá, no meio da rua, sem corrida e sem compensação. A Uber não te dá nada. Fica largado no meio do mato, entendeu?

Joinville é uma cidade bastante industrial, e a Uber fez muita sujeira com a gente, principalmente com os motoristas mais antigos. Eles aceitaram uma quantidade enorme de motoristas novos. Por exemplo, no meu bairro, que é a Zona Sul, as indústrias ficam na maioria na Zona Norte. O que aconteceu? O pessoal daqui, que trabalha nessas empresas, entrou como motorista da Uber.

Então, de manhã, eles saem de carro para trabalhar e já fazem corrida com funcionários das empresas da região. Com isso, os motoristas perderam tudo. Não tem mais corrida para a gente de manhã.

E seu Ivando, minha próxima pergunta é: o senhor acha que, de um tempo para cá, ficou mais difícil ser motorista de aplicativo? Muitos reclamam que as tarifas não mudaram, mas os custos aumentaram — ou seja, sobra menos no bolso. Qual sua opinião sobre isso? O senhor concorda?

Ivando: Concordo totalmente. A gente está muito apertado com o rendimento. Não tem mais aquele momento em que você diz: “isso aqui foi lucro”. Outra coisa são as artimanhas da Uber e da 99 em relação ao próprio aplicativo. Eles montam uns esquemas que, quem não está muito atento, entra de gaiato.

No fundo, se for falar a verdade mesmo, eles roubam a gente. E a gente vai se desiludindo por causa disso. Eu, sinceramente, estou pensando seriamente em coletar todos os dados e, quando eu decidir parar de vez, entrar com um processo contra eles.

Nossa, é difícil. E, seu Ivando, minha próxima pergunta é em relação à gasolina: o senhor costuma abastecer o tanque todo? Roda com o tanque cheio?

Ivando: Não. Meu carro é convertido para GNV. Então, normalmente, eu rodo com meio tanque de gasolina, só para o caso de estar em algum lugar onde não tenha GNV. Mas o meu uso principal é o GNV mesmo.

E o senhor roda no UberX, UberBlack, UberComfort?

Ivando: Não, só no UberX. Tenho um Etios Sedan, que antes fazia parte daquela categoria que chamava… como é que era o nome mesmo?

Era o Select?

Ivando: Isso! Select. Eles iludiram a gente com essa categoria e depois simplesmente tiraram. Hoje, só tem o UberX. Não tem mais nada.

A minha ideia era pegar o consórcio que eu tenho, juntar com o valor do meu carro e pegar um elétrico. Mas já desisti disso. Não quero mais. Gastei o meu carro todo e não arrecadei nada. Essas empresas americanas vêm para o Brasil só para ferrar a gente, não tem jeito.

E minha próxima pergunta, seu Ivando, é: na sua opinião, qual a maior dificuldade do motorista de aplicativo hoje?

Ivando: Olha, a maior dificuldade é justamente essa: ficar esperando por uma corrida que compense. No meu caso, como já tenho um certo ritmo, fico ali esperando e só aparece porcaria. Isso vai te deixando frustrado. Frustrado, frustrado, frustrado.

Até que você desiste de sair durante o dia, porque simplesmente não compensa. E eles sabem que fazem isso. Sabem que a gente tem o carro parado e provocam, puxam para baixo, e vão puxando. Às vezes, a gente cai nessa, achando que fazendo uma corrida de R$1,50 o quilômetro vai mudar de lugar, e aí muda para outro ponto onde continua a mesma coisa — eles puxam para baixo de novo.

Já recebi oferta de corrida pagando R$0,87 por quilômetro. Para mim, isso é roubo. Roubo mesmo. Eles forçam.

E outra coisa: tem muita gente com carro alugado que acha que fazendo todas as corridas vai ganhar dinheiro. Mas, no fim das contas, mal consegue pagar o aluguel do veículo. No meu caso, como meu carro está quitado, eu ainda consigo não me estressar tanto com isso.

Na sua opinião, hoje em dia não vale mais a pena ser motorista de aplicativo?

Ivando: Não, não vale, não. De jeito nenhum. Não tem mais como.

Eu sou uma pessoa de esquerda, sabe? Sou socialista mesmo. Tenho participado junto com o pessoal do trabalhismo para pressionar o nosso ministro do Trabalho, o Luiz Marinho. Ele ficou de vez nesse assunto das operadoras de aplicativo, prometeu tomar providências, mas não fez nada. Então a gente está tentando olhar para cima, buscar soluções.

Só que, hoje em dia, não existe união entre os motoristas, sabe? Ou é ganância ou desunião mesmo. Ou, então, é desespero — aquela coisa de sair para fazer corridinha de cinco reais aqui, dez ali, só para conseguir pagar o aluguel, fechar as contas do mês. Está muito difícil.

Se a gente estivesse unido, por exemplo, dentro de uma cidade e decidisse: “ninguém liga o aplicativo das sete às oito da manhã”, aí você faria as empresas pensarem. Só que você não consegue mobilizar esse povo. O motorista é um bichinho muito ignorante nesse sentido, não tem cabimento. Falta consciência de classe mesmo.

Seu Ivando, acho que estou chegando ao fim das minhas perguntas. O senhor gostaria de acrescentar alguma coisa à nossa conversa?

Ivando: A única coisa da qual me arrependo é de não ter, desde o começo, anotado tudo. Eu poderia até escrever um livro com os fatos inusitados que vivi nas corridas. Situações das mais variadas.

Muitas foram alegres, outras nem tanto. Mas fico feliz de nunca ter passado por uma tentativa de assalto. Já levei pessoas de facção e tudo mais, mas sempre bati papo com eles numa boa. Nunca tive problema.

Agora, histórias engraçadas… nossa, foram muitas! Se eu tivesse registrado tudo, teria um pequeno compêndio já. Mas é isso. A tendência é parar de trabalhar com aplicativo. Não dá mais.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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