Desde 2017, Luiz Corrêa tem acompanhado de perto as dificuldades enfrentadas pelos motoristas de aplicativo. Após perder o emprego na área de tecnologia, viu nos apps de transporte uma forma de sustento, mas logo percebeu os desafios da categoria: bloqueios arbitrários, queda nos ganhos e a ausência de uma entidade que realmente representasse os trabalhadores. Foi essa realidade que o levou a mobilizar pequenos grupos e, mais tarde, fundar o Sindmobi, sindicato que hoje busca dar voz e garantir melhores condições para motoristas e entregadores de todo o Brasil.
À frente da instituição desde sua criação em 2019, Luiz destaca que a maior dificuldade do movimento sindical é conscientizar os motoristas sobre a importância da união para reivindicar direitos. Ele aponta que as plataformas reforçam a ideia de independência, enquanto a realidade dos trabalhadores é de crescente precarização, com jornadas cada vez mais longas e ganhos reduzidos. Nesta entrevista, Luiz fala sobre os desafios do setor, as conquistas do sindicato e os esforços para avançar na regulamentação da categoria, tema que vem sendo debatido no Congresso Nacional e pode trazer mudanças estruturais para os profissionais de transporte por aplicativo.
Luiz, para começarmos, gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória. Como você se tornou motorista de aplicativo e o que te motivou a se envolver com atividades sindicais até chegar à presidência do Sindimobi?
Luiz: Comecei como motorista de aplicativo em 2017, depois de sair do meu emprego na área de tecnologia. Fiquei desempregado e, como tinha um carro, vi nos aplicativos uma oportunidade de gerar renda. Logo comecei a trabalhar nos aeroportos e percebi que havia muitos motoristas insatisfeitos, principalmente por conta dos bloqueios arbitrários e da redução dos ganhos.
Na época, não existia nenhuma instituição que realmente representasse a categoria. Foi então que reuni pequenos grupos de motoristas no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, e começamos a discutir formas de nos organizarmos. No início, nem sabíamos como criar um sindicato, mas fomos atrás de informações, arrecadamos dinheiro entre nós e buscamos a orientação de um consultor. Assim, conseguimos estruturar e lançar a instituição.
A criação do sindicato veio da necessidade real dos motoristas, que estavam completamente desamparados. Com o Sindimobi, finalmente conseguimos dar voz à categoria.
E quando o sindicato foi oficialmente fundado?
Luiz: O Sindimobi foi criado em 2019.
Você continua trabalhando como motorista de aplicativo?
Luiz: Sim, sigo trabalhando diariamente como motorista. O sindicato é uma instituição sem fins lucrativos, então todos os que atuam nele, desde as lideranças nos bairros até os representantes municipais, fazem um trabalho voluntário. Temos alguns associados que recebem benefícios, como assessoria jurídica, mas a instituição em si não gera lucros.
Na sua opinião, quais são os maiores desafios de atuar dentro de um sindicato?
Luiz: O primeiro grande desafio é criar consciência de classe entre os motoristas. As empresas de aplicativo investem fortemente em marketing para reforçar a ideia de que os motoristas são empresários independentes, donos do próprio negócio. Isso passa uma falsa sensação de autonomia e desestimula a busca por representação sindical.
Elas fazem isso justamente para enfraquecer qualquer tentativa de união da categoria. As plataformas incentivam divisões entre os motoristas, criando grupos fragmentados, o que só beneficia as próprias empresas.
Além disso, essas empresas apoiam influenciadores que promovem uma visão positiva dos aplicativos, como se os ganhos fossem satisfatórios. Na realidade, os motoristas e entregadores estão apenas sobrevivendo. O rendimento vem diminuindo cada vez mais. Quando comecei, conseguia sustentar minha renda trabalhando entre 8 e 10 horas por dia. Hoje, preciso trabalhar de 12 a 16 horas, e muitos motoristas chegam a virar a noite na rua para conseguir uma boa margem de lucro.
Os custos para os motoristas aumentaram muito – combustível, manutenção do carro, seguro – enquanto os valores das corridas diminuíram. O passageiro paga caro, mas as empresas chegam a reter entre 50% e 60% do valor da corrida. Isso tem tornado a atividade inviável.
Infelizmente, estou até considerando mudar de ramo, porque a situação só piora. Por isso, temos buscado apoio de outras lideranças pelo Brasil e nos fortalecendo dentro da Federação de Transporte, tentando sensibilizar o governo para olhar para esses trabalhadores, que estão sendo explorados pelas plataformas como Uber, 99 e iFood.
Você acredita que há resistência por parte dos motoristas em relação ao sindicato?
Luiz: Sim, e isso acontece por dois motivos principais. O primeiro é o esforço das próprias empresas para enfraquecer qualquer tipo de organização coletiva. O segundo é a interferência política.
O sindicato acaba sendo alvo de desinformação. Grupos políticos e as próprias plataformas divulgam a ideia de que o sindicato só quer arrecadar dinheiro e que não está realmente lutando pelos motoristas. Mas essa narrativa só beneficia as empresas e os políticos que querem usar a categoria como massa de manobra.
A única forma de garantir direitos e melhores condições de trabalho é através de uma instituição que represente os motoristas – seja um sindicato ou uma associação. Precisamos lutar por remuneração justa por quilômetro rodado e outras melhorias, mas isso só será possível se a categoria estiver unida.
Infelizmente, hoje há uma grande divisão entre os motoristas, e os únicos que saem ganhando com isso são as empresas e alguns grupos políticos que usam os trabalhadores apenas para promover suas próprias agendas.
Nosso desafio diário é mostrar aos motoristas que a organização coletiva é o caminho para conquistar melhorias reais. A luta continua!
Luiz, gostaria que você falasse um pouco sobre as principais conquistas do sindicato ao longo do tempo.
Luiz: Desde a criação do Sindimobi, em 2019, tivemos diversas conquistas importantes. Inclusive, no nosso Instagram e Facebook, publicamos uma lista com todas as ações e avanços que conseguimos ao longo dos anos. É importante lembrar que nossa instituição é formada apenas por voluntários – motoristas e entregadores de aplicativos que realmente vivem essa realidade e se dedicam à luta por melhorias.
Organizamos manifestações nacionais tanto para motoristas quanto para entregadores, sendo um dos principais responsáveis pela mobilização dessas categorias. A partir dessas manifestações, conseguimos algumas conquistas, como reajustes nas tarifas dos aplicativos. Apesar de serem aumentos pequenos, e não o ideal que a categoria espera, foram resultados diretos da nossa pressão.
Sempre defendemos a implementação de um valor mínimo por quilômetro rodado, pois acreditamos que essa é a principal maneira de garantir ganhos dignos aos trabalhadores. E essa continua sendo uma das nossas lutas mais importantes.
Outro avanço significativo foi a inclusão do endereço de destino do passageiro nas corridas. Antes, os motoristas só viam o local de embarque, sem saber para onde a viagem iria. Isso dificultava muito o trabalho e gerava insegurança. Colocamos essa questão como uma das nossas principais reivindicações e conseguimos que a empresa fizesse essa alteração.
Além disso, conseguimos barrar diversos projetos de lei que prejudicariam os motoristas de aplicativo no estado do Rio de Janeiro. Algumas prefeituras tentaram aprovar regulamentações que tinham como único objetivo aumentar a arrecadação, sem oferecer nenhum benefício real para os motoristas e entregadores. Judicializamos essas propostas e conseguimos derrubá-las na Justiça.
Uma das nossas maiores conquistas foi participar do Grupo de Trabalho (GT) organizado pelo Ministério do Trabalho para discutir a regulamentação do setor. Passamos um ano debatendo esse projeto de lei e apresentamos nossa proposta, que incluía a garantia de um ganho mínimo por quilômetro rodado. No entanto, como se trata de uma mesa tripartite – envolvendo governo, empresas e trabalhadores –, foi necessário negociar alguns pontos.
O projeto de regulamentação foi apresentado ao Congresso Nacional, mas inicialmente não contemplava todas as nossas reivindicações. Continuamos pressionando e conseguimos modificar cerca de 80% do texto original, garantindo que pontos importantes para os trabalhadores fossem incluídos. Seguimos dialogando com o relator da proposta e acreditamos que novas mudanças ainda podem ser feitas. Esperamos que essa discussão entre em pauta no Congresso a partir de março.
Nossa visão é de que a única forma real de melhorar a vida dos motoristas e entregadores é por meio de uma regulamentação federal. Apenas uma legislação desse nível pode garantir direitos básicos e proteger os trabalhadores.
Hoje, vemos muitos motoristas e entregadores sofrendo acidentes e até perdendo suas vidas sem qualquer tipo de amparo por parte das empresas. Não há seguro, auxílio ou qualquer outra forma de suporte. A regulamentação permitirá que esses trabalhadores tenham algum respaldo em casos de acidente ou problemas de saúde, além de garantir uma remuneração justa.
As empresas lucram utilizando uma frota que não pertence a elas, mas sim aos motoristas. Não somos contra o lucro das plataformas, mas acreditamos que a relação deve ser justa. O problema hoje é que apenas as empresas ganham, enquanto os trabalhadores estão cada vez mais explorados. Nossa luta é para mudar essa realidade.
Luiz, já que mencionamos a regulamentação, vocês têm alguma previsão para a retomada das audiências públicas e dos debates? Já estão em contato com o governo e com as plataformas para avançar nesse processo?
Luiz: Sim, temos conversado com o governo e com o relator do projeto. Acreditamos que as discussões sobre a regulamentação devem ser retomadas a partir de março. Nossa principal pressão tem sido para que o governo priorize essa pauta, pois essa foi uma promessa do presidente Lula.
O presidente afirmou que traria um ganho real para os trabalhadores e que regulamentaria essa modalidade de trabalho. Então, não estamos pressionando contra o governo, mas cobrando que o projeto de lei complementar (PLP 12) seja tratado como prioridade, o que ainda não temos visto.
Além disso, estamos pressionando as centrais sindicais – Força Sindical, CUT e UGT – para que sejam mais incisivas e cobrem do governo e do Ministério do Trabalho que a PLP 12 seja incluída como uma pauta prioritária. Sem uma regulamentação, as empresas continuarão explorando os trabalhadores e exercendo forte lobby no Congresso e no Judiciário, como fazem desde que chegaram ao Brasil. Enquanto isso, quem sofre as consequências são os motoristas e entregadores.
A regulamentação é fundamental para impedir que essa exploração se espalhe para outras categorias. Hoje, os motoristas e entregadores de aplicativos já vivem essa realidade, mas, sem regras claras, outras áreas também podem acabar sendo afetadas da mesma forma.
Inclusive, vemos problemas graves acontecendo em setores como o Moto Uber. No Rio de Janeiro, por exemplo, a liberação desse serviço resultou em um aumento alarmante no número de mortes, tanto de motoqueiros quanto de passageiros. Há casos de motociclistas cadastrados sem habilitação ou com menos de 21 anos, o que representa um enorme risco.
Participei de algumas operações conjuntas com a polícia no Rio de Janeiro e encontramos motoqueiros cadastrados com contas falsas e sem carteira de habilitação. Isso coloca os passageiros em perigo. Infelizmente, até uma pessoa da minha família perdeu a vida em um acidente envolvendo esse tipo de transporte.
Defendemos que o serviço possa existir, mas com regulamentação, cursos de capacitação e fiscalização rigorosa no cadastro dos motoristas. Atualmente, as empresas priorizam apenas o lucro, aceitam qualquer pessoa na plataforma e não verificam a veracidade dos documentos. Como resultado, o número de acidentes disparou e os hospitais estão sobrecarregados. Essa é uma realidade triste que precisa ser enfrentada.
Você acredita que essa regulamentação pode ser aprovada até o final do ano?
Luiz: Estamos trabalhando para que a regulamentação seja aprovada ainda no primeiro semestre deste ano. Temos mantido um diálogo constante com membros do governo para garantir que a PLP 12 avance no Congresso com as alterações que solicitamos, principalmente no que diz respeito ao ganho mínimo por quilômetro rodado e à renovação da frota dos motoristas.
O presidente Lula prometeu que a troca da frota seria uma prioridade, e já há conversas com o sindicato dos metalúrgicos e alguns ministérios sobre essa questão. Na prática, isso já poderia ter sido colocado em pauta, independentemente do projeto de lei. Hoje, os motoristas trabalham com veículos desgastados, sem qualquer suporte para manutenção ou renovação. Estamos pressionando o governo para que essa medida seja implementada, pois ela traria um grande alívio para a categoria.
E, na sua opinião, o que os motoristas podem fazer para melhorar a situação atual?
Luiz: A única forma real de mudança é garantir um ganho mínimo por quilômetro rodado e melhorar a segurança dos motoristas e entregadores. E isso só será possível por meio da regulamentação.
Já organizamos diversas manifestações nacionais e pressionamos as empresas diretamente, conseguindo alguns avanços, mas o aumento real dos ganhos – que é o que coloca dinheiro no bolso do trabalhador – ainda não aconteceu.
A regulamentação criaria um mínimo de proteção para a categoria, permitindo negociações estruturadas e garantindo que os motoristas tenham direitos básicos. Por isso, o mais importante agora é continuar pressionando o Congresso e o governo para que priorizem a PLP 12. Somente com essa regulamentação veremos mudanças concretas e duradouras para todos os trabalhadores de aplicativos.
Luiz, poderia explicar um pouco sobre a estrutura do sindicato? Como um motorista pode se sindicalizar e quais são os passos para isso?
Luiz: Para se sindicalizar, o motorista pode acessar nosso site, que é sindmob.org.br. Lá, ele encontra todas as informações necessárias, além do nosso canal de atendimento via WhatsApp.
Hoje, oferecemos diversos benefícios aos sindicalizados, muitos deles sem nenhum custo. Um dos serviços mais utilizados é a assessoria jurídica. Para se ter uma ideia, já conseguimos reverter o bloqueio indevido de mais de mil motoristas e entregadores que foram removidos das plataformas sem justificativa.
Para isso, entramos com ações judiciais e fazemos intervenções diretas junto às empresas. Atualmente, temos mais de 5 mil processos em andamento, todos sem custo para os motoristas e entregadores.
Além disso, contamos com parcerias que possibilitam diversos outros serviços gratuitos. Nosso trabalho é totalmente voluntário, e estamos sempre disponíveis para ajudar aqueles que precisam do sindicato.
Um dos maiores problemas enfrentados pelos motoristas hoje é a redução dos ganhos e os bloqueios injustificados. Muitos motoristas são removidos da plataforma sem sequer terem direito a defesa. Nossa atuação busca justamente reverter essas situações e garantir que eles possam voltar a trabalhar. Em muitos casos, a única forma de resolver é entrando com ação judicial.
Perfeito. Luiz, nossa conversa está chegando ao fim. Você gostaria de deixar uma mensagem final para os motoristas de aplicativo?
Luiz: Sim. Quero reforçar a importância da consciência de classe e da luta sindical. Os sindicatos têm uma história fundamental na conquista de direitos, e os motoristas e entregadores precisam se organizar para buscar melhorias reais.
Hoje, nossa principal batalha é pela regulamentação da categoria, que garantirá um ganho mínimo justo, direitos básicos e mais segurança. Atualmente, as famílias dos motoristas ficam desamparadas, enquanto as empresas são as únicas que lucram.
Por isso, precisamos acreditar na força das instituições e nos unir para pressionar o governo e o Congresso. Somente com essa regulamentação veremos mudanças concretas nos ganhos e nas condições de trabalho.
A palavra-chave para esse momento é união. Se nos organizarmos, conseguiremos avançar e conquistar melhores condições para todos.