Decepcionado com a desvalorização e os baixos ganhos nos aplicativos, motorista quer deixar o volante e voltar ao mercado formal; Em entrevista, ele detalha por que passou a rejeitar corridas mal pagas, viu sua taxa de aceitação despencar e concluiu que rodar por app, hoje, é pagar para trabalhar.
“Hoje, trabalhar com aplicativo é pagar para trabalhar”, lamenta Lourival Cândido, motorista de app em Cuiabá (MT), que após mais de dois anos no volante decidiu deixar a plataforma para retornar ao mercado formal com carteira assinada. Ex-gerente administrativo, Lourival viu nos aplicativos uma chance de ficar mais próximo da família, mas acabou enfrentando longas jornadas, baixa remuneração, desvalorização profissional e os impactos diretos da precarização do setor. Nesta entrevista, ele relata com franqueza os bastidores da rotina nas ruas, os desafios da manutenção do carro, as estratégias para fechar as contas no fim do mês e as razões que o levaram a encerrar esse capítulo da vida.
Como se tornou motorista de app? Como é que começou a sua história nesse ramo?
Eu comecei em janeiro de 2022. Eu tinha acabado de me desligar de uma empresa. A vida inteira trabalhei na área administrativa. Sempre fui gerente administrativo de obras. Só que ficava muito tempo longe de casa e pouco tempo com a família.
Fiz isso até criar meus filhos, tenho um casal, e formá-los. Aí eu falei: “Não quero mais ficar viajando, quero realmente estar mais presente com a família.” E assim surgiu a oportunidade de trabalhar com aplicativo.
Eu fiz o cadastro no mesmo dia na 99 e na Uber. Na 99 já saí rodando. Levou uns 10 dias, mais ou menos, para meu cadastro na Uber ser aprovado. Trabalhei, pode-se contar, umas 20 viagens na 99, mas não gostei. Achei muito inseguro. Então, hoje faço só Uber.
E qual cidade que você trabalha?
Cuiabá, capital de Mato Grosso.
Você roda nas cidades ao redor ou só na capital mesmo?
Aqui na verdade só tem Cuiabá e Várzea Grande próximos. O que separa as duas cidades é simplesmente uma ponte, né? Então, acaba indo para os dois lados. Hoje se fala Aeroporto Internacional de Cuiabá, mas a capital mesmo não tem aeroporto, o aeroporto é em Várzea Grande.
E como é a sua rotina? Você vai pra rua todo dia? Sai que horas, volta que horas? Mais ou menos quantas horas por dia?
Então, eu ia todos os dias, né? Só que já tem uns 90 dias que estou trabalhando só meio período, só de manhã. Fico online às 5h, 5h10 mais ou menos pela manhã. Antes, eu trabalhava 10 horas por dia ao volante. Agora, com meio período, vou nesse horário até às 11h30, meio-dia no máximo, porque às 13h eu começo outro meio período em uma empresa CLT.
Eu ia perguntar exatamente isso: o aplicativo então não é sua renda principal?
De 90 dias para cá, não. Inclusive, hoje comecei em período integral na empresa. A ideia é parar com o aplicativo. Não está valendo mais a pena.
Mas você nem pensa, por exemplo, em final de semana, feriado, fazer uma renda extra? Ou vai abandonar completamente?
Esse mês de junho ainda vou trabalhar: sair do serviço e rodar até umas 21h ou 22h. Em julho, depende do resultado, a ideia é parar 100% com o aplicativo, porque não está valendo a pena. O motorista não é reconhecido. Não tem nenhum reconhecimento por parte de nenhum aplicativo. Hoje posso falar só da Uber. Não existe reconhecimento. O motorista é, digamos assim, um zero à esquerda perante o aplicativo. Infelizmente.
A gente tem um carro de valor alto, paga um IPVA absurdo, licenciamento nem se fala, seguro, manutenção, é muita coisa. E nossa cidade, infelizmente, não tem uma administração boa. As ruas são ruins, com muitos buracos e quando não é buraco, é aquela operação tapa-buraco que vira uma poeira na cidade.
Isso que eu trabalho com um Toyota, que é um carro que aguenta mais. Se você pegar outro carro, um Fiat ou um Volkswagen, aqui em Cuiabá, você vê os carros de aplicativo todos estourados. Os caras não dão conta da manutenção. Um pouco é falta de organização, né? Mas hoje não vale a pena. Trabalhar com aplicativo, ultimamente, é pagar para trabalhar.
E aí, você trabalha com método de metas diárias? Tipo, só volta para casa depois que fizer determinado valor?
Desde que comecei, sempre trabalhei com a meta de R$ 400 diários, entendeu? Atingiu a meta, eu paro. Tem dias que a gente está realmente cansado, ainda mais chegando o fim de semana. Levantar de madrugada todos os dias é cansativo. Bater volante o dia inteiro nesse nosso trânsito insuportável…
Só para você ter uma ideia: hoje saí às 18h40 do serviço, fui chegar agora há pouco (20h10). Não é longe, são 13 km. Mas o trânsito demora muito.
E qual foi o maior valor que você já fez em um dia?
Na época das vacas gordas, digamos assim, com promoção e tudo, eu cheguei a tirar R$ 600. Foi o maior valor.
Mas era final de semana, feriado, alguma coisa?
Não. Geralmente isso é no final daquelas oportunidades, né? De segunda a quinta, digamos assim. Mas foi numa quarta ou numa quinta-feira.
E qual que é a sua média mensal hoje, assim? Quanto é que você consegue, sem contar os gastos, né, que você consegue tirar para você?
Olha, hoje, trabalhando meio período, minha meta é a metade, né? Como eu trabalho meio período, estipulei meta de R$ 200. E é isso que faço por dia. O aplicativo te trava ali, tudo, ele já sabe qual é a sua meta e vai te jogando.
Eu não sei no estado de São Paulo, mas aqui meu carro é cadastrado como Comfort e só para você ter uma ideia, hoje as corridas Comfort são mais baratas do que as do X.
Tem várias promoções também que eles fazem. Só para você ter uma ideia, aqui tem um negócio de corrida de R$ 6,10, eu odeio esse tipo de corrida. São corridas que, às vezes, você anda até 6 km por R$ 6,10. Não tem lógica.
Uma corrida que, vamos supor, no X ali para andar 3 km, por R$ 6,10, no Comfort ela cai para mim por R$ 5,80. Eu não pego. Por isso que minha taxa de aceitação caiu um pouco ultimamente. Eles te jogam viagens ruins durante o tempo que você está em viagem. Você olha e não aceita. Aí é para poder realmente baixar a taxa de aceitação do motorista.
E quanto você costuma gastar com combustível?
Hoje, para trabalhar meio período, gasto cerca de R$ 70 de etanol. Quando trabalhava o dia todo, abastecia todo dia também. Um tanque dava para fazer R$ 400, gastando R$ 130 a R$ 150 de etanol.
Quantos quilômetros você roda por dia?
Antes, eu batia a meta de R$ 400 com 150 km rodados. Hoje, para fazer os mesmos R$ 400, tenho que rodar de 280 a 300 km. Se rodar só de manhã, para fazer os R$ 200, rodo em média 120 km por dia.
Muita quilometragem para pouco dinheiro.
Você sabe qual é a taxa que a Uber fica das corridas?
A Uber manda um relatório semanal dizendo que ficou com 12%, mas isso é mentira. Se fizer a conta real, é muito superior. A realidade é em torno de 17%.
Você se considera um motorista seletivo? Sua taxa de aceitação é alta?
Minha taxa de aceitação é baixa por causa dessas corridas de R$ 6,10. Acabam com o carro e ainda te dão dor de cabeça. São essas corridas que mais avaliam mal o motorista. Hoje minha nota é 4,98. Jesus Cristo não agradou a todos, não sou eu que vou agradar.
Eu sou chato com meu carro, cuido porque sei o quanto custa. Não ando com vidro aberto, não ando sem ar-condicionado. Prefiro cancelar a corrida do que abrir o vidro. Não aguento o barulho de moto, caminhão, fumaça, poeira. Nossa cidade está em obras desde 2012 que não acabam nunca.
Você prefere corrida longa ou curta?
Prefiro corrida longa. Dou menos voltas, menos dor de cabeça e estraga menos o carro. Mas analiso sempre quilometragem e tempo. Tem que bater meta, então às vezes não dá para escolher. Mas corrida longa é melhor.
E qual foi a corrida que mais te marcou? Positiva ou negativamente?
A que mais me marcou, negativamente, foi uma corrida curta com um senhor. O GPS apontou um local errado, e eu estava uns 20 metros longe da casa dele. Ele ficou gritando: “É aqui, é aqui!” Falei: “Mas não é aqui, senhor, estou parado, a localização está em outro lugar.”
Tentei conversar, mas ele me tratou muito mal. Pedi para ele descer do meu carro.
Ele respondeu: “Que seu carro, rapaz? Você não tem nem condição de ter um carro desses.” Minha resposta foi: “Se a sua estrela não brilha, não tente apagar a minha.”
Se puxar conversa, converso tranquilo. Se não, só bom dia, boa tarde, boa noite e obrigado.
Agora que você começou CLT e está pensando em abandonar o app: você acha que vale a pena ser motorista de aplicativo?
Se a pessoa estiver precisando, sem outra alternativa e souber economizar, pode até ser melhor do que ficar parada, como diz o ditado: “Antes pingar do que secar”.
Mas abandonar um trabalho CLT para isso, eu não aconselho, pela falta de segurança e reconhecimento. Se o motorista fosse valorizado, até daria para considerar. Só que você está com um capital alto nas mãos, correndo risco e sem retorno justo.
Se for pra fazer um bico, que teste primeiro. Mas o carro vai desgastar do mesmo jeito.
Hoje, não vale a pena. E ainda tem gente que aluga carro pra trabalhar no aplicativo. Acho loucura quem aluga sem fazer conta. Se com meu carro próprio já não está valendo, imagina alugando. Vai trabalhar para pagar o carro do dono.
E como você se organiza financeiramente? Tem uma conta para manutenção, aposentadoria, essas coisas?
Com o nosso atual presidente, a gente está tendo que trabalhar mais e ganhar menos. Antes eu conseguia viver tranquilo com R$ 6.000 a R$ 7.000 líquidos. Hoje, para isso, preciso trabalhar de 14 a 15 horas por dia.
No começo eu separava 10% do faturamento diário para manutenção. Se eu fazia R$ 400, guardava R$ 40 numa conta só para isso. Mas com a queda no faturamento e aumento da quilometragem, ficou impossível manter essa reserva. Meu carro é financiado, pago R$ 1.600 por mês. Ainda faltam 12 parcelas. Isso pesa muito no orçamento.
E para finalizar: que conselho você daria para alguém que está começando agora?
Se a pessoa quer trabalhar com aplicativo, primeiro precisa montar um projeto de vida. Ver o que realmente quer, colocar na ponta do lápis tudo o que vai gastar.
No começo, a pessoa não tem noção da manutenção. Mas em 6 meses já começa a sentir no bolso. Analisa, trabalha um pouco, faz as contas e vê se fecha.
Se não tiver outra opção, tudo bem. Mas não recomendo trabalhar só com aplicativo. Pelo menos aqui em Cuiabá, não vale a pena.
Uma resposta
Aqui em São Paulo e Municípios a Uber e 99 tão pagando 1.20 a 1,50 o KM, sabe porque estes aplicativos explora os Motoristas, e por causa destes políticos corruptos, desemprego no País é outras coisas a mais, os Aplicativos preferem dar dinheiro prá estes partidos políticos para satisfazer as suas leis,e que se danem os Motoristas e Pobres.