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Gringo: “Queremos isentar os motofretistas do IPVA e ICMS”

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem vestido de motofretista exaltado em um debate.
Edgar Francisco da Silva, GringoFoto: Edgar Francisco da Silva para 55content

Pré-candidato a vereador na cidade de São Paulo pelo PSB quer criar áreas específicas para motos em prédios comerciais, para que os motofretistas possam estacionar com segurança e agilidade.

Edgar Francisco da Silva, mais conhecido como Gringo, é presidente da AMABR, a Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil. Com 23 anos de experiência na profissão, Gringo tem sido uma voz ativa na luta por melhores condições de trabalho e regulamentação para os motofretistas. Além de sua atuação na AMABR, Gringo é pré-candidato a vereador na cidade de São Paulo, determinado a levar as demandas dos motofretistas para a esfera política.

Nesta entrevista exclusiva para o 55content, ele compartilha sua trajetória pessoal, desde a infância acompanhando entregas na garupa das motos até a fundação da AMABR. Gringo também discute suas principais propostas para a valorização e capacitação dos motofretistas, a importância da política na defesa dos direitos da categoria e suas aspirações políticas, que visam transformar a realidade dos entregadores no Brasil.

Conte um pouco da sua trajetória como motoboy.

Minha história começou quando eu ainda era menor de idade. Um vizinho meu, que morava em frente à minha casa, montou uma empresa de motoboy. Eu ficava fascinado pelas motos e sempre que podia, acompanhava as entregas com ele, na garupa. Isso foi por volta de 1996. Com o tempo, ele começou a me chamar com mais frequência e até me pagava uma parte pelos serviços que eu ajudava a realizar. 

Quando atingi a maioridade, passei por uma grande perda: meu pai foi assassinado. Antes disso, ele havia deixado uma poupança para mim. Com esse dinheiro, consegui tirar a habilitação, e assim comecei a trabalhar de moto nas ruas. Logo me apaixonei pela sensação de liberdade que a moto proporcionava, permitindo que eu explorasse novos lugares, desde bairros de alto padrão até áreas mais humildes. Foi assim que minha jornada como motofretista começou.

Por que decidiu entrar para a política?

Eu sempre tive uma grande indignação com a forma como a nossa profissão é tratada. Há muita discriminação, falta de políticas públicas, e quase nenhum benefício para nós. Em outras profissões de transporte, como os taxistas, por exemplo, existem diversos benefícios: eles podem comprar carros a preços mais baixos, têm isenção de IPVA e podem utilizar corredores de ônibus. Em São Paulo, durante a pandemia, os caminhoneiros receberam auxílio para combustível. Ou seja, há políticas públicas voltadas para eles, mas para nós, motofretistas, nunca houve nada. Pelo contrário, ainda somos perseguidos. Quando os índices de acidentes ou assaltos aumentam, a polícia nos culpa e pune mais a nós do que os verdadeiros responsáveis. Isso é uma grande injustiça.

Foi por isso que criamos a AMABR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil). Há seis anos, estamos lutando por melhorias para a nossa categoria. Fundamos a associação no Dia do Trabalhador, em 1º de maio de 2018, e desde então, temos conseguido pequenas conquistas que, somadas, nos dão credibilidade. Já alcançamos vitórias em nível federal, estadual e municipal. Fomos responsáveis por incluir os aplicativos de entrega na CPI de São Paulo, temos um projeto de lei na Câmara dos Vereadores (PL 130/2019), e ajudamos a alterar a Resolução Federal 943 de 2022. Além disso, conseguimos que o Estado de São Paulo financie motos para nós com juros quase zero, parcelando em 36 vezes, resultando em um valor próximo ao preço à vista. Essas são conquistas do nosso trabalho.

Também estabelecemos parcerias com o Sebrae, o Senat e o Detran para desenvolver o programa “Motofretista Seguro”. Temos nos destacado, mas percebemos que tudo envolve política. Em algum momento, surge uma política com interesses diferentes dos nossos, e temos que pedir apoio a vereadores, deputados estaduais, federais ou senadores que não necessariamente defendem a nossa causa. 

Por isso, chegou um ponto em que percebemos que precisávamos dar passos maiores. A categoria sempre comentou que eu deveria entrar na política, que precisava de alguém como eu lá dentro para promover mudanças reais. Fiquei refletindo sobre isso e decidi fazer uma enquete para entender o que a categoria realmente queria. Esperava cerca de 200 a 300 respostas, mas recebi 1.120 respostas, quase todas unânimes: a categoria quer um representante que entenda nossos problemas, alguém que venha de dentro dela. Além de votar, eles estão dispostos a se mobilizar em apoio.

Quais são suas principais propostas, caso eleito vereador?

Caso seja eleito, minhas principais propostas se concentram na capacitação, profissionalização e valorização da nossa categoria. Hoje, em São Paulo, registramos um óbito por acidente de moto a cada dia, o que é alarmante. A maior parte das vítimas são motociclistas, e com o aumento constante do número de trabalhadores nesse setor, a situação só piora. Acredito que a melhor maneira de reduzir esses acidentes é por meio da capacitação e profissionalização dos motofretistas.

Há um exemplo claro de que esse método funciona. Um aplicativo de entregas, a Loggi, operava exclusivamente com profissionais regularizados e oferecia um pagamento justo. Como resultado, em uma cidade onde há um óbito por acidente de moto por dia, esse aplicativo conseguiu operar por 1.826 dias sem registrar um único óbito. Isso demonstra a eficácia de trabalhar com profissionais capacitados e valorizados.

No entanto, atualmente, a capacitação conforme a lei municipal 14.491/07 é cara, burocrática e demorada. Minha proposta é criar um projeto em parceria com a prefeitura que torne essa capacitação acessível, rápida, gratuita e, se possível, até remunerada. É necessário criar incentivos para que os entregadores se regularizem e se capacitem. A prefeitura, o Estado e o governo federal se beneficiam com a redução dos acidentes, pois cada real investido em prevenção economiza cinco reais em custos futuros com emergências, leitos hospitalares e fisioterapia.

Além disso, um padrão de trabalho regularizado ajuda a reduzir assaltos cometidos por falsos entregadores, garantindo que todos estejam devidamente identificados e registrados. Outro ponto importante é a valorização da profissão, incentivando a sociedade a reconhecer e preferir profissionais capacitados, e oferecendo incentivos para empresas que trabalhem com esses profissionais.

Proponho também parcerias com o Estado e o governo federal para reduzir os custos para os motofretistas, como a isenção de IPVA e ICMS, similar ao que já existe para os taxistas. Além disso, defendo a criação de áreas específicas para motos em prédios comerciais, para que os motofretistas possam estacionar com segurança e agilidade, evitando que precisem parar longe e correr riscos desnecessários. Isso ajudaria a evitar acidentes, pois o tempo perdido ao estacionar longe é muitas vezes compensado na pressa ao dirigir.

Nos shoppings, sugiro a criação de estacionamentos próximos às praças de alimentação para facilitar a retirada de pedidos, permitindo que os entregadores possam realizar suas tarefas com maior agilidade, garantindo que o cliente receba a refeição na temperatura ideal. 

Essas são algumas das principais propostas que acredito serem viáveis e eficazes. Com diálogo e parcerias, é possível implementar essas mudanças e melhorar significativamente a condição dos motofretistas em São Paulo.

Por qual partido você irá concorrer e como definiria seu posicionamento político?

Meu partido é o PSB, Partido Socialista Brasileiro, o mesmo da deputada federal Tabata Amaral, que agora será candidata à prefeita de São Paulo, e do ministro Márcio França. Quando penso em posicionamento político, minha visão é a seguinte: não me prendo a rótulos de direita ou esquerda. Acredito que o papel do político é ser um representante do povo, alguém que entende as necessidades da população e trabalha para atendê-las da forma mais eficiente possível.

Para mim, o foco deve ser na resolução dos problemas, independentemente de ideologias. O político precisa interpretar as demandas da sociedade, dialogar com todas as partes envolvidas e buscar soluções que sejam de interesse comum. Respeito, diálogo e ação são fundamentais para atender às necessidades da população, de uma categoria ou de um grupo específico.

Evito me envolver nas polarizações entre direita e esquerda, pois acredito que isso acaba dividindo a população e desviando o foco do que realmente importa: a cobrança e a fiscalização dos políticos eleitos. Se as pessoas canalizassem a energia que gastam em discussões ideológicas para exigir mais dos seus representantes, a política seria muito mais eficiente e não haveria tantas reclamações. No final das contas, o importante é garantir que os políticos, independentemente de seu alinhamento ideológico, cumpram suas responsabilidades e sirvam ao povo que os elegeu.

Como pretende usar um possível cargo de vereador para ajudar na construção de uma possível regulamentação federal?

O grupo de trabalho tripartite criado pelo governo federal já conta com a nossa participação. Caso eu não estivesse envolvido, como vereador, eu certamente solicitária minha inclusão nesse grupo. Recentemente, foi apresentado um projeto de lei (PL) que abrange os motoristas de aplicativos e também foi oferecido para nós, entregadores. No entanto, optamos por não aceitar, pois acreditamos que ele não atende às necessidades da nossa profissão. Esse PL oferece menos do que já temos atualmente, e não queremos retroceder.

Nossa visão é clara: se não for para conquistar algo melhor, preferimos continuar lutando para melhorar a situação atual. Aproveitar uma oportunidade como essa, especialmente uma promessa de campanha do presidente, para acabar com algo que não traz avanços significativos, não faz sentido. Queremos usar esse momento para construir algo realmente benéfico para a nossa categoria.

Como vereador, eu atuaria da mesma forma, porque o que importa nesse contexto não é o cargo político, mas a experiência e a sensibilidade que trazemos. Temos a empatia de quem conhece a realidade das ruas, e eu, como motofretista há 23 anos, entendo profundamente as demandas da nossa categoria e estou comprometido em lutar por melhorias. 

Em relação ao PL12, que foi aceito pelos motoristas, nós, entregadores, não ficamos satisfeitos e por isso rejeitamos a proposta. Agora, estamos aguardando o próximo passo, quando o governo nos chamará novamente para negociar. Como já estou envolvido nesse processo, meu foco é trabalhar para garantir que as melhorias conquistadas sejam realmente benéficas para a nossa categoria. Se eu não estivesse nesse grupo, o cargo de vereador certamente me ajudaria a ingressar, mas, estando já dentro, meu compromisso é seguir lutando por essas melhorias.

Como você se diferencia dos demais entregadores candidatos a vereador?

Meu diferencial está na seriedade com que encaro o trabalho que faço, nas conquistas que já alcançamos, e na experiência acumulada ao longo desses anos. Posso listar algumas dessas realizações para você. A AMABR, a associação que represento, é a mais antiga na defesa dos direitos dos entregadores no Brasil. Estamos nessa luta há seis anos, e nesse tempo, obtivemos os maiores resultados, o que nos tornou uma referência para outras associações pelo país.

Em São Paulo, nós da AMABR contribuímos ativamente para a criação, o desenvolvimento e a divulgação do projeto “Faixa Azul”. Trata-se de uma sinalização no asfalto que define uma faixa exclusiva para motocicletas, localizada entre as faixas de circulação dos carros. Esse projeto tem mostrado resultados positivos, ajudando a reduzir os acidentes na cidade.

Além disso, em Pernambuco, um rapaz se inspirou na nossa luta quando estávamos com cerca de dois ou três anos de atuação. Ele nos procurou em busca de orientação, e eu o ensinei como formar uma associação. Hoje, ele transformou essa associação em um sindicato que está se destacando bastante. Também em Brasília, uma associação foi criada com base no conhecimento que compartilhamos. Existem vários outros exemplos que eu poderia citar, mas o ponto é que nos tornamos uma referência.

Nosso destaque em relação a outras associações vem do trabalho consistente que entregamos, do tempo que estamos nessa batalha e da experiência que acumulamos. Acredito que esse é o grande diferencial que nos coloca à frente.

Foto de Giulia Lang
Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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