Fabricio Bispo Sutton, mais conhecido como Bispo, é um influenciador no universo dos motoristas de aplicativos. Além de atuar diariamente nas ruas, transportando passageiros e enfrentando os desafios dessa profissão, ele se destaca na internet. Com uma presença significativa nas redes sociais, Bispo compartilha sua rotina, dicas valiosas para colegas de profissão e reflexões sobre o mercado de transporte por aplicativos, conquistando uma audiência fiel e engajada.
Nesta entrevista, Bispo abre o jogo sobre sua trajetória, os motivos que o levaram a se tornar motorista de app e como iniciou sua jornada como influenciador. Ele também aborda as principais dificuldades enfrentadas pela categoria, os aprendizados acumulados ao longo do tempo e as estratégias que utiliza para equilibrar trabalho, vida pessoal e produção de conteúdo digital. Confira:
Para começar, gostaria de saber como você se tornou motorista de aplicativo e, depois, como acabou se tornando um influenciador da categoria. Como você começou a postar os vídeos?
Bispo: Sou analista de sistemas e trabalhava como CLT até 2015. Naquele ano, fiquei desempregado e, como muitos, precisei encontrar uma solução. A maioria das pessoas que está nos aplicativos hoje, acredito, não planejava ser motorista. Assim como eu, estavam em busca de alternativas. Comecei a pesquisar sobre trabalhos online e encontrei a Uber, que havia chegado ao Brasil por volta de 2013. Na época, eu morava em São Paulo e tinha um carro parado na garagem. Decidi tentar.
Fiz uma entrevista com a Uber, que na época prezava muito pela qualidade do atendimento, pois ainda buscava ganhar mercado. Passei por um treinamento, avaliação psicológica e outras etapas. O atendimento era premium: abrir portas, oferecer balas, água. Fui aprovado. Levei cerca de três semanas para começar, pois nunca tinha trabalhado como motorista, e foi assim que entrei nesse universo.
Acabei me acomodando, pois o gosto pela autonomia, mesmo sendo controlado pelo aplicativo, é algo atrativo. Você tem liberdade de tempo e espaço. Além disso, naquela época, havia muitos incentivos e eu ganhava bem mais do que no meu antigo emprego CLT. Peguei tanto a fase boa quanto a ruim, e já estou há quase 10 anos nessa jornada, desde setembro de 2015.
Há cerca de um ano e meio, comecei minha trajetória como influenciador. Após quase nove anos como motorista, percebi que a situação estava cada vez mais difícil: rendimentos menores e uma falta de perspectiva de crescimento. Como motorista, você fica estacionado. Apesar de ser possível ter uma boa renda, até melhor do que muitos empregos no mercado, o problema é que não há crescimento.
Refleti muito sobre isso e decidi que precisava fazer algo diferente. Ao mesmo tempo, percebi que estava ficando defasado na minha profissão original e que, para voltar ao mercado de tecnologia, precisaria me atualizar e estudar novamente. Sempre assisti muitos canais de influenciadores de motoristas e comecei a pensar que, com a experiência que acumulei e o meu domínio de tecnologia, poderia criar algo no YouTube. Inicialmente, era mais uma válvula de escape, mas também pensei: “Quem sabe ganho um extra?”.
Pesquisei influenciadores maiores para entender quanto poderiam estar ganhando e percebi que, embora o YouTube em si não gerasse grandes rendas, as parcerias poderiam ser muito lucrativas. Meus primeiros vídeos eram dirigindo, algo comum na época, mas eu sentia que faltava algo. Foi então que criei um tutorial sobre as ferramentas de cálculo de ganhos desenvolvidas pela StopClub. Esse vídeo foi um marco: ganhou muitas visualizações, compartilhamentos e inscritos. Hoje, está com mais de 300 mil visualizações.
Com o crescimento do canal, decidi focar em tutoriais e dicas práticas, como ensinar a usar os aplicativos da Uber e 99 ou ferramentas como taxímetro virtual. Comecei também a produzir conteúdos sobre gestão financeira e estratégias para escolher corridas, principalmente para ajudar motoristas novatos. Isso deu muito certo. Meu público cresceu, e até hoje recebo mensagens de iniciantes buscando orientação.
Hoje em dia, o mercado mudou muito. Antes, havia incentivos e as corridas eram mais simples de se calcular. Agora, sem planejamento financeiro, um motorista pode acumular prejuízos rapidamente. É pior do que dar carona, porque você literalmente paga para trabalhar. Se você não souber selecionar corridas e ter um planejamento financeiro, não dura nem um ano.
Apesar disso, continuo no ramo, pois preciso me manter atualizado para alimentar o canal. Além disso, também trabalho com venda de seguros voltados para motoristas, em parceria com um amigo. Não dependo mais da renda das corridas, mas continuo no setor para atender ao meu público e manter a conexão com a categoria.
Você mencionou o treinamento do início, que incluía abrir portas e oferecer balas. Como você enxerga o mercado atualmente, com a falta de profissionalização e a saturação de motoristas?
Bispo: A demanda por corridas é muito alta, pois o serviço se popularizou. Porém, essa popularização trouxe desafios. Muitos motoristas entram no mercado sem entender os custos reais e acabam acumulando prejuízo sem perceber. A Uber, por exemplo, não se preocupa com a longevidade dos motoristas, pois há sempre novos entrando.
Falta profissionalismo, e isso é algo que poderia ser incentivado. Hoje, vemos motoristas com carros mal cuidados, atendendo de forma desleixada. Isso impacta o mercado. Um atendimento básico, como estar bem vestido e manter o carro em boas condições, já faria muita diferença. Além disso, os motoristas poderiam criar uma carteira de clientes oferecendo um atendimento diferenciado. Pequenos gestos, como oferecer uma água ou manter o carro limpo, podem fidelizar passageiros e gerar trabalhos futuros.
E quais foram os maiores desafios que você enfrentou como influenciador?
Bispo: Para mim, o maior desafio é a criação de conteúdo. Sobre haters, felizmente quase não tenho, pois meu foco é ensinar e ajudar. Meu conteúdo é muito técnico e prático, então, mesmo quem não gosta acaba reconhecendo o valor do que ofereço. No entanto, vídeos de opinião geram algumas críticas, pois as pessoas tendem a discordar. Ainda assim, considero minha experiência e autoridade na área um diferencial que dificulta críticas infundadas.
Não quero postar conteúdo só por postar. Dou muito valor ao que produzo, porque quero que tenha relevância ao longo do tempo. Tenho vídeos que gravei há mais de um ano e meio e que continuam gerando visualizações diariamente. Isso acontece porque me preocupo em criar vídeos que se mantenham relevantes na internet, e não apenas vídeos com reclamações, como “os aplicativos estão ruins”. Reclamar, todo mundo sabe fazer. O que eu quero é agregar algo útil.
Essa é a maior dificuldade: manter uma pauta consistente, com uma frequência de pelo menos três vídeos por semana no YouTube. Além disso, preciso conciliar com meu trabalho de vendas de seguro, que exige muito tempo. Hoje, sou empresário, e isso dá bastante trabalho. Felizmente, tenho um sócio que atende os clientes enquanto eu cuido de outras demandas. Também preciso ir para a rua dirigir, para me manter imerso no nicho de motoristas.
Outro desafio é o Instagram. Apesar de já ter 11.500 seguidores, não dediquei tanto esforço para dominá-lo como faço no YouTube. O Instagram funciona mais para conteúdos do dia a dia, Stories, Reels. Alguns Reels meus, ensinando algo, tiveram muito sucesso. As pessoas gostam de aprender. Se pudesse dar uma dica para quem quer começar a criar conteúdo, seria: ensine algo. Todo mundo tem algo para ensinar, e isso agrega valor e faz as pessoas acompanharem seu trabalho.
No Instagram, muitos influenciadores focam no cotidiano, como corridas que pagam muito ou pouco. Já o YouTube exige conteúdos mais elaborados. Isso reflete a sua abordagem?
Bispo: Sim. Para mim, o YouTube é onde faço vídeos mais estruturados, sempre pensando em ajudar a categoria. Por exemplo, hoje vou postar um vídeo sobre a possível taxação do Pix. Muitos motoristas estão achando que a taxação será algo exclusivo para eles, mas não é. O governo está mirando uma grande fatia de trabalhadores informais que têm renda acima de 5 mil reais, mas não declaram. Motoristas, feirantes, autônomos, todos serão impactados. No vídeo, explico isso e reforço a importância de declarar imposto, mesmo que muitos não gostem. Reclamar do sistema não adianta. Quer mudança? Troque o governante, mas siga pagando seus impostos.
Você mencionou que ainda dirige e também gerencia a venda de seguros. Como organiza sua rotina?
Bispo: Minha rotina é dividida. Um dia da semana trabalho o dia todo como motorista e, em outros dois dias, só no horário de pico da tarde. Fora isso, estou no escritório trabalhando com seguros. Esse mercado está crescendo muito, e já expandimos além do público de motoristas, trabalhando com tráfego pago e leads de clientes fora desse nicho. Estamos até considerando parcerias com lojas de carros para diversificar ainda mais.
Minha rotina começa cedo. Levo minha filha à escola às 7h e pretendo começar a fazer atividade física, porque passar tanto tempo sentado é complicado. No escritório, fico das 8h às 19h nos dias sem direção. Nos dias de direção, rodo o dia inteiro ou das 16h às 20h, especialmente para gerar conteúdo prático para o Instagram e YouTube.
Perfeito. Você tem planos de ser um dos maiores influenciadores da categoria?
Bispo: Sim, mas de forma ética. Não quero enganar as pessoas ou manipular informações só para ganhar likes. Vejo influenciadores simulando situações, como brigas ou assaltos no carro, ou glamourizando ganhos irrealistas, como fazer mil reais por dia. Isso não reflete a realidade.
Muitos motoristas assistem esses vídeos e se frustram, achando que deveriam conseguir o mesmo. Mas a verdade é que esses influenciadores trabalham de forma isolada, apenas uma ou duas vezes na semana, aceitando todo tipo de corrida, começando às 4h da manhã e parando às 23h. Um pai de família que trabalha de segunda a sábado, sem renda extra da internet, não consegue fazer isso. Ele depende do trabalho real e contínuo, desgastando o carro e a si mesmo.
Por isso, meu conteúdo é focado na realidade. Quero mostrar como o motorista pode melhorar sua rotina e resultados sem ilusões. É importante ser honesto, porque há muitas famílias dependendo desse trabalho.
Falando em realidade, você está há quase dez anos como motorista. A categoria ganhava mais antes? E quais dicas daria para quem está começando agora?
Bispo: Sim, no início ganhávamos mais, mas porque a Uber subsidiava os ganhos com pesados aportes de investidores. Por exemplo, quando comecei, meu último salário CLT era de R$ 3.500, e eu passei a ganhar R$ 6.000 ou até R$ 7.000 como motorista. Isso acontecia porque, além de pagar bem por quilômetro e tempo, a Uber oferecia muitos incentivos. Era só aceitar corridas e rodar. Mas isso não era sustentável. Quando os investidores começaram a cobrar lucro da Uber, há cerca de dois anos, tudo mudou.
Hoje, temos tarifas variáveis que dificultam calcular o ganho real, e os incentivos caíram muito. Felizmente, temos ferramentas de cálculo de ganhos, como as da StopClub, que ajudam os motoristas a identificar quais corridas valem a pena. Minha principal dica para quem está começando é: mapeie sua cidade. Saiba onde estão escritórios, hospitais, áreas de concentração. Aprenda a trabalhar com oferta e demanda. No passado, você podia aprender com o tempo. Hoje, isso não é mais possível. Você precisa começar preparado.
Bispo, quais são suas percepções sobre a dinâmica entre oferta, demanda e como isso impacta os motoristas atualmente?
Bispo: O sistema funciona assim: muita demanda, o preço sobe. Muita oferta de motoristas e pouca demanda, o preço baixa. Com a quantidade de motoristas disponíveis, as plataformas conseguem mandar corridas ruins porque sempre haverá alguém que vai aceitar.
Eu sempre digo que, se os motoristas não aceitassem essas corridas ruins, a Uber seria obrigada a aumentar o preço. Mas, ao mesmo tempo, o motorista está numa sinuca de bico, porque ele precisa pagar as contas. É quase cruel sugerir que ele recuse todas as corridas ruins, porque, se ele não fizer isso, como vai levar o leite para casa? Então, ele acaba ficando amarrado.
As ferramentas de cálculo de ganhos ajudam muito nesse processo, e eu ensino sobre isso no meu canal. O segredo é ter paciência e saber explorar a oferta e a demanda. Se você estiver bem posicionado no horário de maior demanda, não tem como a Uber pagar mal, porque a demanda supera a oferta. Com isso, eu falo para os motoristas: explore isso e use as ferramentas a seu favor para obter lucro. Já em horários de baixa demanda, em vez de aceitar corridas ruins, é melhor ir para casa descansar.
Infelizmente, a Uber conseguiu o que queria: dominar praticamente todo o mercado. Em qualquer horário, sempre tem motoristas dispostos a aceitar as corridas que ela oferece. Isso permite que a empresa tenha lucro em todas as corridas, independentemente de serem grandes ou pequenas, porque o lucro total no final do ano é o que importa para apresentar aos investidores. E quem sofre é o motorista.
Todo o custo operacional recai sobre o motorista. Se ele bate o carro, é ele que paga. Seguro, manutenção, tudo sai do bolso dele. Se fica doente, não tem auxílio. A maioria nem é microempreendedora e não paga previdência. Isso nos leva à questão da regulamentação, que é importante, mas, infelizmente, nossos políticos não se preocupam.
Independente de ser de esquerda, direita ou centro, acredito que, no Brasil, muitos políticos só estão na política para enriquecer a si mesmos e suas famílias. Claro, existem exceções, pessoas que entram pensando na comunidade. Mas uma regulamentação como essa já poderia ter sido feita há muito tempo, porque o político tem poder para isso. No entanto, o lobby financeiro dessas grandes empresas é muito forte. Recentemente, vimos uma reunião entre o dono da Uber e o presidente, a portas fechadas. Essas empresas são muito poderosas, e o motorista acaba sendo a parte vulnerável nesse sistema.
Mesmo com essas críticas, você vê algum lado positivo nas plataformas?
Bispo: Sim, quero deixar claro que nunca critiquei a ideia das plataformas. Elas têm um lado bom. A Uber, por exemplo, ajudou muitos trabalhadores, incluindo a mim, quando fiquei desempregado. Sou totalmente a favor do capitalismo e acredito no mérito. As empresas precisam ganhar dinheiro, mas também devem valorizar quem trabalha para elas.
Se eu fosse empresário, preferiria ter 10 motoristas dedicados e competentes do que 20 que não entregam um bom serviço. No entanto, as empresas parecem não se preocupar com isso. Elas bloqueiam motoristas por denúncias, muitas vezes injustas, sem considerar que pode haver um pai de família dependendo daquela renda.
Para finalizar, qual foi a maior lição que você aprendeu nesses anos como motorista e influenciador?
Bispo: A maior lição foi aprender a lidar com o público. Esse contato humano é fantástico. Ser motorista me proporcionou um grande enriquecimento pessoal. Você ouve histórias, aprende com as experiências das pessoas, enriquece seu vocabulário e conhecimento. Para quem gosta de conversar e ouvir, como eu, isso é extremamente valioso. Muitas vezes, o motorista acaba sendo quase um psicólogo, ouvindo desabafos e histórias.
Além disso, a liberdade que a profissão oferece foi transformadora para mim. Desde que me tornei motorista, nunca mais pensei em voltar para um emprego CLT. Hoje, sou empresário e trabalho no que gosto. Não quero bater ponto, quero a liberdade de estar no meu próprio negócio e enfrentar os meus desafios.
Como influenciador, o contato com o público continua sendo muito positivo. Meu canal no YouTube tem crescido, e as pessoas me procuram, tanto nos comentários quanto no WhatsApp, para agradecer ou pedir ajuda. Muitos motoristas dizem que mudaram a mentalidade e passaram a ter lucros melhores e a cuidar mais do carro graças aos meus vídeos.
Ao mesmo tempo, também é um desafio. Quando recomendo algo, como um seguro, é minha responsabilidade garantir que será algo bom para o motorista, porque ele confiou em mim. Isso exige dedicação e cuidado.
A maior dificuldade, no entanto, é se manter em evidência. Métricas, engajamento, interesse do público — tudo pode mudar rapidamente. Então, o desafio é continuar entregando algo de valor e relevante para as pessoas.