Com mais de 15 anos de experiência como entregador em Blumenau (SC), Rodrigo dos Santos, mais conhecido como Formiga, é uma das vozes ativas dentro de uma cooperativa local de motofretistas. Fundada na cidade com o objetivo de organizar e representar a categoria, a cooperativa nasceu como um grupo no WhatsApp e, ao longo do tempo, evoluiu para uma associação formal. Seu foco principal é oferecer apoio aos motoboys em momentos de necessidade, como em casos de acidentes, garantindo auxílio e suporte a partir de uma estrutura coletiva.
Nesta entrevista, realizada durante o evento semanal do Clube Machine, Formiga explica como funciona o modelo cooperativista adotado pelo grupo, os critérios de precificação das corridas, os desafios enfrentados com a concorrência das grandes plataformas e as dificuldades de manter uma operação democrática e financeiramente viável. Ele também compartilha as expectativas para o futuro da categoria, os aprendizados com o movimento dos “breques” e a importância da organização política entre trabalhadores autônomos.
Vinícius: De onde você é e como se tornou motoboy? Conta um pouco da sua história.
Rodrigo/Formiga: Meu nome é Rodrigo, mais conhecido como Formiga. Sou motoboy há cerca de 15 anos e atuo na região de Blumenau, Santa Catarina. Hoje estou à frente da nossa associação, a União Maior Motoboys, fundada aqui na cidade com o objetivo de organizar e representar a categoria. Nosso foco é ajudar motoboys em momentos de necessidade, como em casos de acidente, oferecendo auxílio por meio de uma estrutura formal que começou como um grupo no WhatsApp e evoluiu para uma associação.
A partir daí, começamos a identificar os principais problemas enfrentados pela categoria. Durante uma assembleia, surgiu a sugestão de desenvolver um sistema próprio, um aplicativo, para que os motoboys não ficassem reféns das grandes plataformas de entrega, que acabam ditando preços e padrões para o mercado como um todo. A proposta foi bem aceita e, com apoio da universidade local, a FURB, avançamos tanto na formalização da associação quanto na criação de uma cooperativa.
Ainda não formalizamos a cooperativa juridicamente, mas já operamos com um sistema próprio. Cada um atua como MEI, e seguimos um regimento baseado na economia popular e solidária, ou seja, um modelo de cooperativismo autêntico, em que os trabalhadores decidem juntos os rumos do negócio.
Realizamos reuniões quinzenais, conforme definido em assembleia, para debater assuntos gerais. A cada seis meses, discutimos o reajuste de taxas, avaliamos os custos e planejamos os próximos passos. Estamos, por exemplo, nos organizando para alugar uma sede, mas ainda com cautela, já que faltam alguns detalhes jurídicos para a formalização completa. Inclusive, tivemos uma reunião com advogados para definir o melhor formato jurídico. Com tudo pronto, nosso próximo passo será desenvolver nosso próprio aplicativo. Por enquanto, utilizamos um sistema white label, alugamos uma franquia e pagamos uma mensalidade e uma taxa por corrida, que varia conforme o volume de entregas.
Vinícius: Quantos entregadores estão hoje nesse modelo cooperativista com vocês?
Rodrigo/Formiga: Temos umas sete pessoas comprometidas hoje. A cooperativa é um pouco mais complexa. Começamos com 16 pessoas. Esse número surgiu durante um dos breques (manifestações) que organizamos aqui em Blumenau. Sempre buscamos apoiar os movimentos nacionais, especialmente contra as grandes empresas de entrega. Já tínhamos levantado a pauta da criação de um aplicativo em assembleia e, com o breque, vimos a oportunidade de colocá-la em prática.
Reunimos as 16 pessoas interessadas, fizemos uma vaquinha e compramos a primeira parcela do sistema (dividido em três vezes, algo em torno de R$ 3.000). Em 15 dias, recebemos o sistema e começamos a rodar. Conseguimos alguns clientes, geramos receita e, com isso, pagamos as demais parcelas e mantivemos o funcionamento desde então.
No começo, muita gente achava que seria como qualquer outro aplicativo: era só ligar e esperar as corridas. Mas a verdade é que nós somos os donos do negócio, e isso exige mais trabalho. A gente precisa captar clientes, fazer marketing, oferecer o serviço de porta em porta. Todo entregador tem acesso ao sistema, onde pode acompanhar extratos, relatórios, valores arrecadados e a fatia que fica no caixa para pagar sistema, contador e outras despesas. Essa transparência é essencial.
Com o tempo, alguns desistiram por não querer esse tipo de envolvimento. Eles não queriam participar das reuniões, nem buscar corridas ou clientes. Hoje, seguimos com sete pessoas que estão realmente comprometidas. Todos sabem mexer no sistema, resolvem os problemas, fazem o suporte, cuidam das corridas.
Temos uma pessoa responsável pelo caixa, nosso tesoureiro, que realiza os pagamentos semanais conforme decidido em assembleia. Se quisermos mudar para pagamentos mensais, basta deliberar e decidir juntos. A autonomia é total. Já ajudamos colegas com empréstimos do caixa e, infelizmente, também tivemos prejuízo com quem não pagou, mas são aprendizados.
O que muitos não entendem é que isso não é apenas um aplicativo. O app é só uma ferramenta. O verdadeiro modelo é o da cooperativa, baseado na economia solidária. Nada é imposto de cima para baixo. Tudo é decidido coletivamente. Nem todos concordam sempre, mas o processo é democrático. E é isso que faz a diferença.
Izabelle: A minha pergunta vai na linha do que você acabou de comentar. No modelo de vocês, qual você enxerga como o maior bônus e o maior ônus, em comparação com uma empresa tradicional, com estrutura hierárquica? O que vocês consideram mais vantajoso? Quais os principais desafios?
Rodrigo/Formiga: Ótima pergunta, Izabelle. A gente já está trabalhando nesse modelo faz quase dois anos. Parece que começamos ontem, mas o tempo passou voando. O que mais pesou para nós nesse período, e que acho importante explicar, é a estrutura da cooperativa em si.
A cooperativa tem um regime tributário próprio. Ela paga impostos municipais e estaduais que variam entre 9% e 10%, dependendo do faturamento. Além disso, temos o INSS, que pesa bastante no bolso do trabalhador. Quando a gente faz a folha de pagamento, que na cooperativa chamamos de “retirada”, esses encargos representam um custo alto.
A média de ganhos de um motofretista gira em torno de R$ 6.000 por mês. Mas esse valor é bruto. Desses R$ 6.000, ele precisa tirar combustível, manutenção, depreciação do veículo, além de correr riscos diários. Se ele se acidentar, precisa ter seguro, plano de saúde. E, como a maioria dos motoboys não tem vínculo empregatício, fica por conta própria. Os aplicativos não assumem responsabilidade, e essa é a realidade atual.
Por isso a gente acredita tanto na união da categoria. Sozinho é difícil, mas juntos conseguimos lutar por melhorias. O maior desafio da cooperativa é justamente arcar com os encargos: somando impostos e INSS, chega a uns 30%. Agora, imagine uma entrega que, em muitos aplicativos, custa R$ 8 e o motoboy recebe só R$ 6, depois da taxa da plataforma.
O iFood paga hoje uns R$ 7,50. Se tirarmos os 30% de encargos, ainda ficamos com menos de R$ 7. E, além disso, temos custos com contador, estrutura mínima, banheiro para os motoboys, tudo que os outros aplicativos não oferecem.
E tem mais: a gente que corre atrás de cliente, faz panfletagem, atende bem para manter o cliente fiel. Todo esse esforço, toda essa operação e, no fim, podemos ganhar menos do que trabalhando para as plataformas. Isso nos pegou de surpresa quando tentamos formalizar tudo e percebemos o peso desses custos.
Mas a universidade local, a FURB, nos deu muito suporte. Lá tem a ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares). Participamos de uma formação com aulas semanais, durante um mês, para entender o que é cooperativismo, quais são as obrigações, as taxas, como fazer os cálculos.
No fim, percebemos que se cobrarmos, por exemplo, R$ 10 pela entrega e o concorrente cobra R$ 8, ainda assim ganhamos menos que eles, mesmo com mais esforço. É frustrante. Por isso estamos lutando junto ao poder público para tentar mudar esse cenário. A legislação, hoje, dificulta muito a vida das cooperativas. Parece até que não querem que esse modelo avance. Falta incentivo, falta informação, e há entraves legais que só atrapalham.
Vinícius: Muito interessante esse apoio da universidade. Era o pessoal de qual área? Direito? Administração?
Rodrigo/Formiga: Aqui na FURB eles têm um núcleo chamado ITCP, Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares. Quando estávamos começando a associação, nem sabíamos exatamente como funcionava. Antes mesmo de criarmos a associação, passamos pelas mesmas aulas que depois tivemos sobre cooperativismo.
Desde o início, firmaram parceria com a gente. Primeiro ajudaram a formalizar a associação, depois, quando surgiu a pauta do aplicativo, a gente pensou: “Vamos fazer algo que não explore os trabalhadores como as plataformas fazem”.
Vinícius: E como foi o início com os estabelecimentos? Como vocês captaram os primeiros parceiros?
Rodrigo/Formiga: Lá no começo, como eu falei, a gente fez uma vaquinha. Cada um deu R$ 50, juntamos um dinheirinho. Eu não lembro exatamente quanto foi, porque foi outro parceiro que ficou responsável por essa parte da arrecadação. Ele tem tudo anotado até hoje, inclusive o nome do pessoal que terminou de pagar depois. A ideia era que esse valor funcionasse como uma espécie de cota-parte da cooperativa, para que cada entregador tivesse um fundo que, futuramente, pudesse servir como garantia para convênios ou algum benefício. E se ele quisesse sair, esse dinheiro seria devolvido para ele.
A gente usou esse dinheiro para pagar a primeira parcela do sistema, e com o que sobrou, mandamos fazer cartões e panfletos. Dividimos o material entre o grupo e cada um saiu para captar clientes. A meta era conseguir duas ou três empresas cada. No mês seguinte, a gente já não estava dando conta da quantidade de entregas.
O problema é que o pessoal não se comprometeu com os horários. Alguns não trabalhavam em certos dias, outros estavam viajando ou em casa com a família. A verdade é que a gente começou de forma desorganizada, sem entender direito como funcionava uma empresa e a importância da organização.
A gente ia até os donos dos estabelecimentos e perguntava o horário de funcionamento. E o proprietário contava que poderia chamar a gente nesses horários, porque queria que fizéssemos as entregas. Só que para isso, a gente precisava garantir que haveria motoboys disponíveis. E essa organização interna, a gente ainda não tinha.
A gente não se preparou antes de buscar os clientes. Devíamos ter pensado, por exemplo, em procurar empresas que funcionassem em horários mais compatíveis, como aquelas que não abrem nos fins de semana, ou então nos organizar internamente para conseguir atender nos horários mais puxados. Chegamos a atender empresas que abriam às 8h da manhã e outras que funcionavam até meia-noite, todos os dias da semana. Ou seja, uma carga horária enorme.
E como ainda não estávamos entrosados nem organizados, acabamos perdendo vários clientes. Só mais de um ano depois é que começamos a reconquistar alguns e captar novos. Mas mesmo assim, o mercado segue difícil.
Vinícius: E sobre os preços: o que vocês ofereciam de diferencial para os estabelecimentos toparem trabalhar com vocês?
Rodrigo/Formiga: Com a experiência, percebemos que algumas empresas deixaram de pedir com a gente porque achavam o preço alto. Aí migraram para serviços mais baratos. Mas teve um dia em que essas empresas foram deixadas na mão. A outra empresa não apareceu. E por quê? Porque os entregadores não tinham o mesmo compromisso que a gente tem.
Esse é um dos nossos principais diferenciais: o comprometimento. A gente garante que vai atender. Os outros serviços, muitas vezes, não se importam em faltar ou abandonar o cliente.
Além disso, buscamos formas de valorizar nossos parceiros, como oferecer publicidade nos nossos bags e baús. É uma maneira de retribuir o apoio que recebemos. Mas, se for para apontar o maior diferencial mesmo, eu diria que é o comprometimento e o atendimento.
Todos os nossos entregadores são entrosados, sabem como o sistema funciona e têm total autonomia para resolver qualquer problema. Se o cliente tiver dúvida sobre o sistema, extrato, saldo, boleto — qualquer coisa —, qualquer entregador consegue ajudar. Essa é uma diferença importante em relação aos concorrentes.
Izabelle: Como funciona, na prática, a entrada e a saída de uma pessoa na cooperativa?
Rodrigo/Formiga: Olha, Izabelle, a gente não impõe muita restrição. Se a pessoa quiser estar com a gente, está junto. Claro que, teoricamente, o estatuto prevê uma cota-parte. Essa cota seria o valor inicial que quem começou lá atrás pagou para ajudar a montar o sistema. É como em uma cooperativa de crédito: você entra e paga um valor inicial que representa sua participação.
Esse valor pode ser pago aos poucos. Por exemplo, quando a pessoa começa a trabalhar, a gente pode descontar R$ 10, R$ 20 por repasse, até completar a cota. Mas, sinceramente, a gente ainda não implementou isso. Está previsto, mas nunca colocamos em prática.
Hoje, basicamente, para entrar é só participar das reuniões, talvez uma, duas, três, para entender o que é uma cooperativa. Vai depender do grau de conhecimento da pessoa. Se ela já entende sobre cooperativismo, sobre assembleia, eleição, economia solidária, ótimo. Se não, vai precisar estudar.
Depois disso, ela precisa aprender como funciona o nosso sistema, o aplicativo, tanto do lado do entregador quanto do lado do administrador. Porque, como a gente não tem capital para pagar alguém só para cuidar do sistema ou atender cliente, todos precisam ter essa autonomia. Se surgir um problema, precisa resolver na hora.
Nosso sistema não cobra deslocamento até o ponto de coleta. A cobrança começa do ponto de retirada até o destino. Então, alugar um espaço longe da área central, onde estão nossos principais clientes, não faz sentido.
Hoje, a gente ainda trabalha com cada um com seu MEI, operando pelo mesmo sistema. Todos têm conta no mesmo banco, e pagamos um seguro de vida para cada motoboy, que já é descontado automaticamente.
Para sair da cooperativa, é simples: é só pedir para sair. A gente agradece pela participação, e está tudo certo. É um processo democrático. Quem entra, entra sabendo como funciona. Quem sai, sai de boa.
O que acontece, às vezes, é a pessoa dizer que vai entrar, participa de uma reunião, escolhe os dias que pode trabalhar e, no dia seguinte, já não aparece mais. Some por uma semana e depois avisa que não vai continuar. Isso atrapalha muito, porque a gente se organiza com base nesses compromissos.
Izabelle: Vocês definem metas coletivas ou é algo mais individual?
Rodrigo/Formiga: Olha só, Izabelle, a gente até traçou metas lá no início. A ideia era formalizar a cooperativa, ter um CNPJ e, com isso, buscar convênios e parcerias com mais facilidade e a um custo menor. Mas percebemos que não ia funcionar naquele momento, então demos um passo para trás. Agora estamos pensando com calma no que fazer e como fazer, porque erramos bastante até aqui, e aprendemos que é preciso pensar antes de agir.
O próximo passo, nossa próxima meta, seria montar uma base, uma estrutura física. Um lugar com ferramentas para manutenção de moto, um micro-ondas para esquentar marmita, uma torneira com água, um banheiro, coisas básicas, mas que fazem muita diferença.
O problema é o custo. Na região central de Blumenau, o aluguel gira em torno de R$ 2.000 a R$ 3.000. Com o capital que temos hoje, não conseguimos bancar isso.
Estamos estudando como aumentar a demanda, conquistar mais clientes, para conseguir o capital necessário e dar esse próximo passo. As metas são discutidas em assembleia. A gente se reúne, cada um propõe o que acha importante, vota, define prioridades. As mais citadas viram meta, e vamos atrás disso, um passo de cada vez.
A gente não quer aumentar a comissão agora. No início, a gente cobrava 20%. Aí a demanda aumentou, vimos que dava para pagar o sistema e ainda sobrava um dinheiro, e baixamos para 15%. Depois, com mais movimento, baixamos para 10%, que é o que está hoje. E, mesmo assim, não temos certeza se está sobrando. Não sou eu que cuido diretamente, mas dou uma olhada no faturamento, faço relatório, e vejo que depois de pagar o sistema, às vezes sobra uns R$ 1.000 no caixa. Tem mês que dá mais, tem mês que dá menos. E com esse valor, não conseguimos nem pagar um aluguel.
Pagamos o seguro de vida para todos, que é baratinho, R$ 20, R$ 30 por mês. É o básico, com cobertura mínima, plano de vida e enterro. Então a gente está nessa dúvida: garantir seguridade ou estrutura? Hoje, com o capital que temos, não dá para fazer os dois. Temos que avaliar bem cada passo.
Vinícius: Na sua visão, o que essas empresas regionais, sejam cooperativas ou não, precisam fazer para atrair os entregadores?
Rodrigo/Formiga: Eu acho que o caminho é fechar o CNPJ e abrir uma cooperativa. E deixar os trabalhadores mandarem no negócio.
O grande empresário enxerga o trabalhador como uma mercadoria. Eu falo isso com conhecimento de causa. Minha mãe sempre foi do comércio, e ela me dizia: “Filho, a gente ganha na compra”. Por exemplo, quando ela ia comprar uma Coca-Cola ou cerveja pro bar, ela procurava o mais barato, porque sabia que venderia pelo mesmo preço que os outros bares. Então o lucro dela vinha da compra, não da venda.
E é assim que as empresas olham para a mão de obra: como um produto. Elas querem comprar o serviço mais barato possível, como se estivessem comprando arroz para cozinhar e vender no buffet. Isso, para mim, é a maior falha. Esquecem que é um ser humano ali, que tem vida, tem dificuldades.
O foco das empresas está no preço. Quanto mais barato, mais fácil conquistar um cliente. É igual no caso do Uber e 99: muita gente abre os dois aplicativos, compara o preço e escolhe o mais barato. Isso gera uma guerra de preços, um canibalismo. Uma empresa querendo ser mais barata que a outra, abrindo mão de lucro, sacrificando o trabalhador. Isso prejudica todo mundo.
Vinícius: Quanto custa hoje uma entrega na plataforma de vocês? Como organizam a precificação?
Rodrigo/Formiga: Então, como eu falei, tudo é decidido pelos trabalhadores, inclusive os valores. Fizemos uma assembleia e definimos os preços.
Analisamos também o volume de entregas. Se a empresa fecha com a gente e chama sempre, com constância, tem um preço. Agora, se chama aleatoriamente e fica pesquisando quem está mais barato, pode acabar com o pedido sumindo com algum entregador de aplicativo, o que acontece bastante. Tem empresa que manda print em grupo de WhatsApp: “vocês conhecem esse cara? Pegou a comida e sumiu”. Eu penso: é bem feito. Porque se tivesse contratado um profissional de verdade, isso não teria acontecido.
Nosso sistema é confiável. Não tem conta fake, não é uma pessoa fazendo entrega pelo cadastro de outra. E isso é algo que a gente garante. Além disso, temos uma tabela para entregas expressas, fora do município.
Sobre os valores: hoje, o mínimo é R$ 7,99 para empresas que trabalham só com a gente, que têm grande volume e frequência. Por exemplo, empresas que nos chamam para 10, 15, 20 entregas por dia, cada motoboy. Isso dá uma média de 200 entregas por mês. Para essas, conseguimos esse valor.
Para empresas que chamam esporadicamente, a entrega fica em torno de R$ 9,99. Esse valor, aliás, provavelmente vai mudar agora na próxima assembleia.
Já para entregas expressas (fora da cidade ou raramente chamadas), a tarifa é de R$ 13,99.
Nosso sistema também permite cobrar ponto de parada. Por exemplo, se o cliente tem duas entregas em rotas coincidentes, ele não paga duas taxas cheias. Ele paga a entrega mais uma taxa reduzida pelo ponto de parada. Isso barateia para as empresas e é algo que os grandes aplicativos não oferecem.
Vinícius: Deixa eu entender: esse valor de R$ 7,99 vai todo para o motoboy ou parte fica com a cooperativa?
Rodrigo/Formiga: Hoje, a assembleia definiu que 10% vai para o caixa da cooperativa. Esse dinheiro não é de ninguém específico, é de todo mundo. E ele é usado com consenso.
Por exemplo, tem uma lei federal, a 12.009, que regulamenta o motofrete. Exige o uso de colete refletivo e outros equipamentos. Com o dinheiro do caixa, compramos coletes para todo mundo. A ideia é essa: usar o fundo para melhorias.
Isso é decidido coletivamente. Cada um tem um voto. Eu posso falar bastante, defender minha ideia, mas ninguém manda mais que ninguém. É assembleia, votação, democracia.
Vinícius: Então, se a corrida custa R$ 10, o motoboy fica com R$ 9 e R$ 1 vai para a cooperativa?
Rodrigo/Formiga: Exatamente. Os valores mudam conforme a tabela, claro. Por exemplo, se for R$ 7,99, tirando 10%, sobra cerca de R$ 7,20 para o entregador. Mas a lógica é essa: 10% vai para o caixa e o restante é repassado.
Vinícius: Uma forma de comparação: hoje, por exemplo, qual é o valor mínimo de entrega do iFood em Blumenau?
Rodrigo: No Brasil todo, inclusive em Blumenau, está em R$ 7,50. Mas isso começou agora, depois da nossa paralisação. Até então, não havia nem expectativa de aumento. Eles ficaram dois anos se fazendo de cegos, surdos e mudos. Não sabiam de nada, não queriam saber. Daí, com a paralisação, se mexeram e deram esse aumento de R$ 1, que, pra mim, foi uma vergonha. A gente esperava mais.
Eles passaram a nos pagar 30 centavos a mais, mas tem um detalhe: o iFood paga os R$ 7,50 para rotas de até 4 km. O nosso sistema faz o cálculo com base no ponto de parada e no valor por quilômetro. O valor mínimo da nossa entrega é de R$ 7,99 para até 2 km. A partir dos 2 km, já se começa a cobrar R$ 1 a mais. Se não me engano, até 5 km é esse valor, depois passa para R$ 1,20 ou R$ 1,30, e assim por diante, chegando a R$ 1,50 ou R$ 1,60.
Então, se a corrida for de 2 km, o entregador recebe R$ 7,99. Mas se for de 4 km, ela vai para R$ 11,20. Enquanto o iFood paga R$ 7,50 por 4 km, a cooperativa paga R$ 11,20 e ainda tem a contribuição que vai para o fundo coletivo, que de alguma forma volta para o bolso do entregador, seja em forma de benefício ou diretamente como retorno financeiro.
Vinícius: Por ser uma cooperativa, existe muito atrito entre os cooperados?
Rodrigo: Claro que existe. Não há democracia sem debate.
Vinícius: Como é que o pessoal que resolveu fechar essa parceria lida com essas discussões? Como vocês apaziguam essas situações?
Rodrigo: Eu sou um cara mais tranquilo. Às vezes entro em alguma discussão, mas nunca de forma ofensiva, entende? Acho que o principal é isso: a gente manter o respeito. Porque todo mundo ali é adulto.
Vinícius: Aproveitando, tem uma pergunta relacionada: quem tem mais voz ativa na cooperativa? Ou quem realmente manda?
Rodrigo: Todo mundo decide junto. Ninguém tem mais voz do que o outro. Posso espernear, posso deitar no chão como uma criança e bater os pés, não vai adiantar. No final, a gente vai ter que sentar junto, cada um vai levantar a mão para dizer o que acha que deve ser feito, e pronto. É assim que é decidido.
E aí eu vou ter que seguir a regra que foi definida pela maioria. Já aconteceu de a gente escolher algo que depois se mostrou errado. Como eu falei, lá atrás, a gente decidiu manter a escala aberta, sem organização. Cada um trabalhava como queria e deu ruim.
Naquela ocasião, eu fui voto vencido. Eu dizia: “A gente precisa ter uma escala, senão vai chegar um dia que os clientes vão chamar e não vai ter ninguém.” Duas semanas depois, aconteceu exatamente isso. Aí a gente se reuniu e organizou a escala. Mas por quê? Porque a galera concordou, depois de ver que não deu certo. Mudaram a visão, mudaram o posicionamento.
Mas lá atrás, fui voto vencido. E olha que eu esperneei, defendi minha posição. Mas o pessoal achou melhor testar do jeito deles. Fizeram. Deu errado. Depois voltaram e tomaram a decisão de mudar. É isso.
Mas é isso, ninguém manda mais do que ninguém. Todo mundo é igual ali dentro. A única diferença é que quem ganha mais é quem trabalha mais. Quem faz mais entrega, ganha mais. Quem não faz entrega, não ganha nada.
Vinícius: E, em média, quantas entregas vocês fazem por mês?
Rodrigo: Hoje mesmo eu fiz um relatório porque tive uma reunião com os advogados. A gente está querendo estudar, contabilmente falando, quando será viável formalizar o negócio, deixar de funcionar informalmente e se tornar de fato uma cooperativa.
Nesse relatório, deu em torno de 800 entregas no período analisado. Essas entregas foram feitas por cerca de seis entregadores. Tem entregador que faz mais, tem entregador que faz menos. Como falei, tem gente que trabalha o dia inteiro, bem empenhada no negócio. Tem outro que trabalha em regime CLT durante o dia e faz entregas à noite. Tem também quem trabalha à noite em pizzaria ou outro lugar e faz entregas de dia pelo aplicativo. É bem variado.
Vinícius: Rodrigo, para encerrar, queria que você compartilhasse uma visão de futuro: o que você imagina para a cooperativa e para a profissão de entregador?
Rodrigo: A gente tem essa utopia na cabeça, né? Que tudo vai dar certo, que vamos conquistar o que precisamos, o espaço que queremos, ter a voz que desejamos. Isso é a expectativa.
Está acontecendo um movimento político importante, está em andamento uma proposta de regulamentação voltada ao cooperativismo, e a gente está tentando defender a ideia de um cooperativismo por plataforma. Esse modelo poderia diminuir a carga tributária que enfrentamos e beneficiar diretamente os trabalhadores que operam nesses modelos.
Essa expectativa surgiu de um diálogo recente com os Ministérios do Trabalho. Com a cooperativa e a associação, temos atuado fortemente no campo político. Percebemos que a situação atual se deve, em grande parte, à nossa ausência nesses espaços. Se a gente não participa, não cobra, não pressiona, quem está lá decide por nós e, muitas vezes, decide contra os nossos interesses.
Espero que a categoria como um todo, não só os motofretistas, mas todos os trabalhadores, se conscientize da importância de se unir, conversar, trocar experiências e lutar juntos. Nenhuma conquista veio sem luta. Ninguém conquista nada sozinho.
Nosso sonho é expandir o aplicativo para outras cidades. No início, a gente pagava por entregador cadastrado no sistema. Agora mudamos para cobrança por ordem de serviço, por corrida. Isso permite liberar o sistema para mais entregadores. Já tem grupos de WhatsApp se formando com empresas e entregadores de cidades vizinhas.
Nosso objetivo é valorizar o trabalho do motofretista, oferecer suporte técnico e humano. Porque quando um entregador sofre um acidente, o aplicativo coloca outro no lugar e pronto. E o cara que se machucou? Fica com a moto quebrada, acamado, sem renda e ainda desempregado. Às vezes, até bloqueado.
A cooperativa existe para evitar isso. Se alguém se acidenta, a gente pode dar suporte com o fundo coletivo ou até arrumar uma função interna para essa pessoa. O dinheiro é de todos. Cada um faz sua entrega, recebe por ela, e o que sobra é decidido coletivamente.