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“É melhor ganhar R$ 60 em uma hora, mesmo rodando bastante, do que ficar essa mesma hora parado sem ganhar nada”, afirma entregador de app

Motoboy intercala aplicativos para não perder tempo e afirma: “Já aconteceu de eu ficar uma hora inteira parado, esperando chamar alguma coisa no iFood”.

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Pessoa sorrindo em uma moto com capacete, fazendo um gesto de paz com a mão, enquanto está em uma estrada.
Foto: William Rocha para 55content

Nascido na periferia e movido pelo sonho de conquistar sua própria moto, William Rocha encontrou nas entregas por aplicativo um caminho para transformar sua realidade. Hoje, atua como motoboy na Uber Eats e iFood, em São Paulo, enfrentando a rotina intensa das ruas da capital enquanto concilia o trabalho com os estudos em Produção Audiovisual — uma área pela qual é apaixonado e onde enxerga a oportunidade de construir um futuro melhor.

O que começou como uma alternativa ao desemprego se tornou muito mais do que uma fonte de renda: virou uma ferramenta para investir em si mesmo, pagar os estudos e abrir portas para novos horizontes. Determinado a crescer na vida, William vê cada entrega como um passo rumo aos seus objetivos, encarando os desafios do dia a dia com resiliência e propósito.

Nesta entrevista, ele compartilha as vivências de quem depende dos aplicativos para trabalhar: os altos e baixos da rotina de entregador, as promoções imprevisíveis, os imprevistos nas ruas e a constante busca por reconhecimento e dignidade .

Como e quando você começou a fazer entregas? 

Bom, eu sempre tive o sonho de ter uma moto, né? Acho que, principalmente pra gente que nasce em comunidade, em periferia, isso é um desejo comum. E se você é homem então, você vê um monte de cara passando de moto e acaba alimentando esse sonho desde cedo. E meio que tudo casou, sabe? Eu consegui conquistar uma moto e, pouco tempo depois, fiquei desempregado. Então, a alternativa foi: “Bom, eu tenho uma moto e estou parado. Vamos ver quais são as opções.” E aí eu comecei no iFood. Se não me engano, isso foi há uns quatro ou cinco anos.

Você atua em que cidade?

Atuo só na cidade de São Paulo, mas às vezes o aplicativo joga a gente para Guarulhos, Ferraz, esses lugares mais afastados. Mas prefiro ficar só em São Paulo.

E você trabalha só pelo iFood ou já atuou em outros aplicativos?

Na verdade, eu trabalho com a Uber e com o iFood, né? Eu fico intercalando entre os dois. Prefiro trabalhar com a Uber durante a semana porque ela tem a vantagem de tocar mais corridas. É uma atrás da outra: você finaliza uma e já aparece outra. Já o iFood demora mais, você tem que ficar esperando a próxima corrida tocar. A Uber é mais contínua nesse sentido.

Como é sua rotina de trabalho? Você trabalha todos os dias? De que horário até que horário? Costuma tirar folga? 

Olha, depende bastante da situação. Por exemplo, eu estudo. Faço faculdade de manhã — terça, quarta, quinta e sexta. Então eu vou pra faculdade cedo, chego em casa por volta do meio-dia ou meio-dia e meio, descanso um pouco, até umas duas da tarde, e aí saio pra trabalhar. E vou sem hora pra voltar, eu simplesmente vou.

E de Final de semana também, você vai? 

Final de semana também. No sábado, por exemplo, eu saí de casa às nove horas da manhã e só voltei meia-noite. Já no domingo, deu ruim pra mim: meu pneu furou. Mas isso faz parte, né? A gente ganha, mas também tem prejuízos. Eu vejo isso como um equilíbrio. Não existe só ganhar, ganhar, ganhar.

Você trabalha com meta diária? Tipo: “só volto pra casa depois de fazer X valor”?

Tenho sim uma meta. Eu, particularmente, não consigo voltar pra casa sem fazer pelo menos cem reais. Se não atingi esse valor, não volto. Só volto também quando alguém liga pedindo pra eu ir pra casa. Porque a gente vai trabalhando, vai indo, e o tempo vai passando. 

Qual foi o maior valor que você já fez em um único dia?

R$ 430. Foi num final de semana, com certeza. É nesse período que o movimento é maior. Tem mais demanda porque é quando as pessoas saem pra curtir e a gente sai pra trabalhar. Escolhas, né?

 Você sabe qual é seu ganho médio por semana? E quanto realmente é lucro?

Olha, quando estou inspirado, quando aquela semana tá boa mesmo e eu tô motivado, chego a fazer R$ 1.000, R$ 1.200. Mas uma média tranquila, que consigo manter sem me matar tanto, é de R$ 800 por semana.

Ah, eu não faço a mínima ideia de quanto fica pra mim mesmo. Sei que fico rico e fico pobre ao mesmo tempo. O dinheiro vem e vai do mesmo jeito. Ele entra e sai sem nem dar tchau.

Sobre o abastecimento da moto: você abastece todos os dias ou enche o tanque e vai até acabar?

Minha moto é uma Pop 110, que é conhecida por ser econômica. Mas, sinceramente, eu não acho ela tão econômica assim. Mas normalmente abasteço R$ 15 e faço R$ 120. Essa é a minha média. Eu divido dessa forma: gasto R$ 15 e faço R$ 120.

Quantos quilômetros você roda por dia? Precisa abastecer mais de uma vez pra isso?

Aos finais de semana, sim. Durante a semana, não. Não, uma vez por dia. 

Então você roda mais ou menos assim durante a semana, você roda quantos quilômetros? 

Durante a semana, abasteço uma vez por dia. Já nos finais de semana, sim, às vezes preciso abastecer mais de uma vez. Acho que, por dia, rodo cerca de 200 km.

E final de semana é o que vier. O dia tá bonito, as ruas estão livres… você vai indo, vai fazendo entrega e nem vê a hora passar.

Você tem algum tipo de corrida preferida?

Tenho sim. Com o tempo, a gente vai ganhando experiência e começa a entender melhor como funcionam as corridas, aprende a analisar com mais calma, observar o custo-benefício de cada uma. No começo, a gente aceita tudo que aparece, mas depois passa a selecionar com mais estratégia.

O iFood, por exemplo, tem um ritmo diferente. Ele costuma demorar mais pra tocar corrida. Já aconteceu de eu ficar uma hora inteira parado, esperando chamar alguma coisa. Nesses momentos, se toca uma corrida da Uber pagando R$ 60, mesmo que seja pra cruzar a cidade toda, eu aceito. Porque, olhando por cima, pode até parecer que não vale a pena — afinal, você vai rodar muito. Só que, se você analisar com mais atenção, percebe que é melhor ganhar R$ 60 em uma hora, mesmo rodando bastante, do que ficar essa mesma hora parado, ganhando nada. E tem o ponto de que minha moto é econômica, faz cerca de 40 km por litro, então mesmo em corridas mais longas, o custo de combustível não pesa tanto assim.

Já no iFood, eu prefiro pegar as entregas mais curtas, de 1 km no máximo, que são rápidas de fazer. E quando rola promoção no app, aí a gente até esquece a Uber por um tempo — fico só no iFood. Mas também tem um porém: essas promoções só compensam de verdade se você estiver numa região com muita demanda. Se você estiver num lugar mais parado, pode acontecer de soltar a promoção e parar de tocar corrida. Já vi isso várias vezes. Um monte de colega comentando: “Pô, tava tocando bem, soltou a promoção e parou tudo.” Aí a gente fica só esperando, e o tempo vai passando.

Por outro lado, a Uber tem esse esquema de pagar menos por corrida, mas volta e meia aparecem o que eu chamo de “corridas malucas”. É quando você olha uma corrida de 20 km e vê que vai ganhar R$ 50 nela. E aí você até duvida: “Sério mesmo que tá pagando isso?” Parece bom demais pra ser verdade, mas às vezes acontece. E nessas horas, se você souber aproveitar, compensa bastante.

O segredo é saber trabalhar com os dois aplicativos da forma certa, aproveitando o que cada um tem de melhor. Se estou com os dois ligados e vejo, por exemplo, uma corrida de R$ 20 na Uber que vai me tomar 10 km e cerca de meia hora, eu pego. Melhor do que aceitar uma de R$ 10 no iFood que, além de pagar menos, ainda exige mais etapas: ir até o restaurante, esperar o lanche ficar pronto, aguardar ele ser liberado, depois ir até o cliente, pegar o código, às vezes esperar ele descer… A Uber é mais direta. O cliente já está ali, pronto.

Resumindo, a Uber é mais ágil, paga um pouco menos, mas você ganha no volume. Já o iFood paga mais por corrida, mas demanda mais tempo e paciência. Então, se você souber equilibrar, consegue tirar um bom proveito dos dois.

Como você se organiza financeiramente? Você tem reserva para quando a moto estraga ou acontece alguma coisa?

Graças a Deus, eu tenho quem cuide disso por mim. Eu chego e falo: “Tá aqui”. E pronto, acabou.

Minha organização funciona na base de não gastar com besteira. Não sou motoboy de sair comprando coisa aleatória. Meu foco é só a moto. Tenho um cartão, guardo o dinheiro, entrego, uso o cartão, parcelo e vou pagando. Assim não fico sem dinheiro em caixa e consigo continuar trabalhando, resolver o que for preciso sem me apertar.

E com relação à alimentação, você come na rua? Almoça em casa?

Tenho uma rotina. Todo dia, às 9h, tomo um copão de café com leite e como uma esfirra de carne numa padaria onde me encontro com outros motoboys. Como chego em casa no horário do almoço, vindo da faculdade, já almoço e saio de casa alimentado. Depois só preciso de um cafezinho pra segurar até mais tarde.

Você já está há uns 4 ou 5 anos nas entregas. Que dica você daria pra quem tá começando agora? Ainda vale a pena ser motoboy?

Olha, depende muito. Tudo na vida gira em torno dos objetivos que cada pessoa tem. Não existe uma resposta única que sirva pra todo mundo. Mas, sendo bem realista, eu não acredito que dá pra se aposentar sendo motoboy. Não por falta de esforço ou capacidade, mas porque é uma profissão muito arriscada, que exige demais do corpo e da mente. Trabalhar por 30, 40 anos em cima de uma moto, enfrentando trânsito pesado, chuva, sol forte, estresse, falta de respeito no trânsito… isso não é pra qualquer um. É pra herói mesmo.

Então, eu costumo dizer que o trabalho com entregas deve ser visto como um degrau, uma fase. Se você está entrando nesse ramo agora, aproveite ele como uma oportunidade de juntar dinheiro, pagar um curso, investir nos estudos, se capacitar para algo mais. Não se acomode achando que vai ficar nisso pra sempre, porque as condições da rua são duras, o desgaste é alto e o risco é constante. O ideal é usar essa fase como um degrau para algo melhor, mais estável e, de preferência, com menos risco.

Porque a verdade é que a profissão é perigosa. A gente que tá na rua todo dia vê coisa demais. Acidentes, imprudência, pessoas que perdem tudo num segundo. Já presenciei situações que me fizeram parar e pensar na vida. Às vezes, você termina uma corrida com o coração na mão e liga pra sua família só pra dizer: “Olha, tô indo para casa, me espera, vamos comer uma pizza, porque não dá mais” É desse jeito. A rua te faz valorizar cada volta pra casa.

Por isso, não basta só ter disposição para trabalhar — tem que ter sabedoria também. Tem que pensar no futuro, se planejar, cuidar da saúde física e mental. Trabalhar como entregador pode ser uma grande chance de mudança de vida, mas só se você souber usar essa etapa como uma ponte e não como um destino final.

E vale a pena largar um emprego fixo para virar entregador? Ou é melhor como renda extra?

 Como renda extra eu acho que funciona, tipo assim, se você pegar os dias de alta demanda, um sexta, sábado e domingo, qualquer R$ 300 que você faz na semana como renda extra, pô, cara, R$ 300 quatro semanas você já faz R$ 1.200, já é um valor legal como renda extra.

Então, como renda extra eu indico, mas se você tá pensando em largar o seu trabalho que você já tem para você viver da rua, até você pegar o as malícias, pegar os costumes, pegar o ritmo, é muito doloroso. Então, eu não aconselho largar o emprego e ir para as entregas, mas eu aconselho sim a usar como renda extra. Tem entrega para todo mundo. Podem vir. 

E você falou que estuda, né? Você faz faculdade de quê?

Faço Produção Audiovisual na FAM. Gosto muito de cinema. Me considero cineasta. Tenho uma página onde posto meus trabalhos, poesias com minhas  imagens. Tô buscando amadurecimento. Nunca pensei que, com 30 anos, eu ia querer voltar a estudar. E tô gostando muito.

Minha dica é: use as entregas como degrau. Trabalhe, ganhe dinheiro e invista em você. Esse é o melhor investimento. Não se preocupe em comprar moto grande agora. Invista em você primeiro. Quando você estiver bem, vai conseguir externar isso e conquistar o que quiser — inclusive sua moto dos sonhos. Mas antes, tenha uma base sólida.

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