Morador de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Marcelo Carvalho é motorista de aplicativo e criou o canal Black Uber com o objetivo de produzir conteúdo sobre estratégias e dicas para profissionais do setor. Após anos de experiência nas ruas, o ex-vigilante se tornou motorista quando os aplicativos de mobilidade ainda enfrentavam resistência legal e social, e, desde então, se destacou pela luta por segurança, justiça e melhores condições de trabalho na categoria. Alvo de assalto e bloqueado por plataformas, Marcelo hoje concilia os aplicativos com um emprego CLT, e segue firme na missão de informar e mobilizar colegas motoristas, defendendo o equilíbrio entre rendimento, qualidade de vida e responsabilidade. Confira abaixo a entrevista completa:
De onde você é e como começou a trabalhar como motorista de aplicativo?
Eu comecei nos aplicativos assistindo conteúdo na internet, como o Marcelo Fora da Curva, o Thomas, o Marlon. Eles mostravam ganhos e estratégias. Comecei a aplicar e pensei em montar meu canal para dar dicas aos motoristas. No início, eu conseguia bons valores, com bastante estratégia, e repassava isso.
Com o tempo, os valores das corridas foram diminuindo. Mudei o foco do canal para segurança, principalmente aqui no Rio Grande do Sul, onde houve uma onda de violências. Organizamos atos, a Uber mudou algumas regras, como tempo de espera e restrições em áreas de risco.
Tive quatro tentativas de assalto, duas com êxito. Em uma delas, levei um tiro na cabeça. Em outra, estava comigo uma senhora com dificuldade de locomoção. Levaram o carro, mas consegui recuperar com rastreador.
Passei a lutar também por melhores ganhos. Com o tempo, a plataforma passou a bloquear perfis sem aviso. Atuei em manifestações para ajudar motoristas nessa situação.
Hoje, o canal também trata sobre controle de custos. Para ter um bom faturamento é preciso muito conhecimento sobre sua cidade, seus custos e melhores horários. O motorista precisa estar atento.
Você é de Porto Alegre, certo?
Isso, sou de Porto Alegre. Aqui tem bastante demanda. A região é privilegiada, com muitos turistas. Mas também tem um nível de insegurança que assusta colegas de outras cidades. Mesmo assim, a demanda é boa para quem é daqui.
O que você fazia antes de ser motorista? Estava desempregado ou buscava renda extra?
Trabalhava na área da segurança. Comecei como escolta armada, depois serviço de segurança pessoal, virei fiscal e supervisor. Conheci a Uber pela segunda leva de motoristas quando chegou por aqui. Enfrentávamos perseguição de taxistas e da prefeitura, que era contra. Não podíamos nem usar o celular no console.
Testei o aplicativo durante minhas férias. Vi que dava para fazer bons ganhos. Pedi demissão, aluguei carro, depois de 6 meses comprei um para ir para o Select (hoje Comfort). O Black era um mistério na época.
Hoje você vive apenas dos aplicativos ou tem outra fonte de renda?
Hoje, estou bloqueado na Uber. Trabalho apenas com a 99, conciliando com trabalho CLT porque os valores estão baixos. Faço o híbrido: CLT e aplicativo nas horas boas.
A Uber bloqueou muitos motoristas alegando que burlavam o sistema. O sindicato falou em 15 mil bloqueios. Fizemos manifestação, porque acreditamos que o motorista deveria ter o benefício da dúvida. A solução seria todos terem câmera.
Hoje, uso a câmera da 99 e a minha. Aconselho todos os motoristas a terem câmera, isso evita acusações falsas, assédio, problemas com dinheiro etc.
Minha conta na Uber foi bloqueada por direção perigosa. Mas tenho um carro pequeno, de baixa potência. Não consegui provar que era mentira. Fiquei chateado, tentei ajuda jurídica, mas desisti. Não aconselho que façam o mesmo.
Qual seu horário de trabalho no CLT e nos aplicativos?
Costumo pegar parte da noite, tem menos trânsito, menos custo de combustível, menos desgaste. Faço corridas mais rápidas e com melhor valor por km. Hoje, muitos motoristas focam no valor por hora, mas esqueceram que a Uber abaixou o valor por km.
Antes fazíamos R$50 com 20km. Agora, precisamos rodar 35, 40km. Faturamento não é lucro. Lucro é faturamento menos custo.
Você tem metas diárias? Qual é sua rotina?
Minha meta é bater R$200 durante a semana, rodando até 100km. No fim de semana, de R$400 a R$500. Isso depende do período do mês e de eventos na cidade. Sempre olho valor por km e tempo, especialmente em áreas com trânsito pesado.
Corridas longas ajudam a manter o custo, enquanto as curtas têm mais contato com passageiro, mais desgaste e mais risco. Além disso, são mais exigentes emocionalmente.
Você trabalha em datas comemorativas? O faturamento melhora?
Sim, costumo trabalhar. Melhora, mas não é como antes. A dinâmica não é mais multiplicador, agora manipula o motorista para áreas específicas. Às vezes, mostra R$15, mas paga R$2, R$3.
No último Dia dos Namorados, bati a meta e ainda consegui sair com minha esposa. Brinco que temos que botar crédito para ter bônus, igual operadora de celular. Em datas como Dia das Mães ou Natal, trabalho só parte do dia.
Como você avalia o modelo de valor por hora e por km?
O valor por hora caiu porque o valor por km caiu. Motoristas estão rodando mais para bater metas. Muitos não percebem que estão pagando para trabalhar, especialmente quem aluga carro. O custo do km aluga gira em torno de R$1,10 a R$1,20. Se faz corrida por R$1, está pagando para trabalhar.
O que você acha da categoria Comfort e do banimento branco?
Os motoristas estão descontentes com o Comfort, muitos investiram e agora recebem pouco. Quando há muitos motoristas, os valores caem. Selecionar corridas resulta em punições, como o “banimento branco”.
Isso é um castigo do aplicativo para quem escolhe corrida. Quem tem carro elétrico e faz tudo não sofre isso, mas não recebe melhor. O algoritmo foi feito para cobrar o máximo do passageiro e pagar o mínimo que o motorista aceita.
Qual é o papel dos influenciadores como você nesse contexto?
Alertar os motoristas para que façam os cálculos e não aceitem qualquer corrida. Desde 2019 a gente avisa, e hoje estamos vendo acontecer: os valores estão cada vez mais baixos.
Você comentou sobre sua candidatura a vereador. Por que decidiu entrar na política?
Para tentar mudar de forma mais efetiva. Me candidatei em Porto Alegre. Talvez me candidate de novo em 2028. Queremos representantes que não traiam a categoria. A promessa do atual governo era ajudar os motoristas, mas a regulamentação proposta só ajudou governo, sindicato e plataforma.
O que vocês esperam de uma regulamentação justa?
Queremos uma regulamentação por hora, não por km e minuto. Motorista quer pagar imposto e ter regras, mas precisa de contrapartida. Investimos alto, trabalhamos muito, merecemos uma remuneração justa.
Nosso trabalho ajuda na segurança, mobilidade, acessibilidade. Em crises, como enchentes, ajudamos muito. O motorista precisa ser respeitado e representado.
Gostaria de deixar uma mensagem final?
Minha luta é para que o motorista ganhe bem, trabalhe com bons carros, tenha qualidade de vida. Estudo e espero não depender mais dos aplicativos no futuro.
Meu canal é o Black Uber (no YouTube), mesmo nome no Instagram. Estou mais presente no YouTube.