Motorista de app não recomenda a profissão: “não vale a pena trabalhar 12 horas para ganhar um salário mínimo”.
Marcos Monteiro é motorista de aplicativo em João Pessoa desde 2019 e, ao longo dos anos, acompanhou de perto as transformações do setor. Inicialmente, entrou nesse mercado como uma alternativa para complementar sua renda como pedreiro, mas com o tempo passou a se dedicar exclusivamente ao volante.
Hoje, ele enfrenta desafios diários para manter sua receita em meio ao aumento dos custos e às mudanças nas políticas das plataformas. Nesta entrevista, Marcos compartilha sua rotina, as dificuldades do trabalho e sua visão sobre o futuro dos motoristas de aplicativo.
Desde quando e em qual cidade o senhor trabalha com aplicativos de transporte?
Marcos Monteiro: Trabalho em João Pessoa desde 2019.
Por que decidiu trabalhar com aplicativos?
Marcos Monteiro: Eu precisava de uma forma de ganhar dinheiro extra. Sou pedreiro, mas estava passando por dificuldades naquele momento. Alguém me apresentou o aplicativo, já havia pessoas trabalhando com isso, então resolvi tentar. Depois, acabei focando só nisso.
Então, o senhor ainda trabalha como pedreiro ou hoje sua renda vem apenas do aplicativo?
Marcos Monteiro: Atualmente, trabalho apenas com o aplicativo.
E desde quando o senhor se dedica exclusivamente a isso?
Marcos Monteiro: Já faz uns três anos.
Como o senhor organiza sua rotina de trabalho? Quantas horas trabalha por dia e tem alguma meta diária?
Marcos Monteiro: No momento, não estou mais estabelecendo metas diárias, porque tentei isso antes e não deu muito certo. Agora, procuro trabalhar nos horários de pico. Atualmente, foco mais na parte da noite.
E, em média, quantas horas o senhor trabalha por dia?
Marcos Monteiro: Antes eu trabalhava 12 horas, mas agora reduzi para cerca de 10 horas diárias.
O senhor costuma virar a madrugada trabalhando?
Marcos Monteiro: Às vezes, mas não sempre.
Qual costuma ser o seu horário de trabalho?
Marcos Monteiro: Meu horário não é fixo, mas geralmente começo por volta das 14h e vou até meia-noite ou 2h da madrugada. Durante a semana, costumo iniciar por volta das 16h e sigo até 2h ou 3h da manhã, dependendo do movimento.
Na sua opinião, esse é o horário de pico em João Pessoa?
Marcos Monteiro: Na verdade, não escolho esse horário pelo pico, mas pelo clima. Trabalhar à noite é melhor porque é mais fresco, menos quente.
O senhor acha injusto que o aplicativo exija o uso do ar-condicionado?
Marcos Monteiro: Sim, acho um absurdo. O ar-condicionado pode ser prejudicial para quem trabalha o dia inteiro no carro. As pessoas entram, tossem, espirram e aquele ar fica circulando. Às vezes, você fica doente e nem sabe o motivo. Se fosse apenas um ou dois passageiros, até daria para conciliar, mas quando entram quatro ou cinco pessoas, muitas vezes bêbadas e conversando, fica complicado. A plataforma não enxerga essa realidade, só impõe a regra sem considerar os desafios para os motoristas.
Quanto o senhor costuma faturar por mês em João Pessoa?
Marcos Monteiro: Faturamento e lucro são coisas diferentes. Eu posso faturar entre R$ 5.000 e R$ 6.000 por mês, mas o lucro é bem menor. Trabalho com meu próprio carro, e os custos de manutenção são altos. Se optasse por alugar um carro, também seria caro. Antigamente, dava para ganhar razoavelmente bem, mas a cada ano a situação piora.
O senhor sente que precisa trabalhar mais para manter a renda?
Marcos Monteiro: Sim. Trabalho de domingo a domingo, não porque quero, mas porque não posso me dar ao luxo de tirar um dia de folga. Há dois ou três anos, isso ainda era possível, mas hoje a situação está muito difícil.
Então, quando o senhor menciona faturar até R$ 6.000, isso significa apenas a receita bruta?
Marcos Monteiro: Exatamente, esse é o faturamento, não o lucro real.
Comparado a 2019, o senhor sente que as condições de trabalho pioraram?
Marcos Monteiro: Sim, naquela época era bem melhor. A gente até faturava valores parecidos, mas os custos eram menores. Hoje, trabalhamos mais e ganhamos menos, porque tudo aumentou de preço e a Uber não acompanhou essa mudança. Durante a pandemia, nossos ganhos caíram e, mesmo depois da normalização, nunca voltaram ao que eram antes.
Naquela época, o senhor lembra quanto conseguia faturar?
Marcos Monteiro: Como eu disse, naquela época eu conseguia fazer R$ 300 a R$ 400 por dia, o mesmo que faturo hoje.
Então, o faturamento continua o mesmo?
Marcos Monteiro: Sim, pode parecer estranho, mas é exatamente a mesma coisa. O que mudou foi o lucro, que caiu bastante.
Isso aconteceu por conta do aumento dos preços da gasolina e da manutenção do carro?
Marcos Monteiro: Também. Mas deixa eu te explicar uma coisa: antigamente, a menor corrida pagava R$ 4,50 e depois subiu para R$ 5,50. Hoje, recebemos algo entre R$ 6,30 e R$ 6,50. Parece que aumentou, mas, considerando a inflação e os custos de manutenção, esse valor não compensa.
O senhor considera esse valor injusto?
Marcos Monteiro: Com certeza. É uma vergonha receber R$ 6,50 por uma corrida. E, geralmente, essas corridas são em locais ruins, de difícil acesso. A gente gasta muito tempo, desgasta o carro – suspensão, pneus, tudo – e o retorno é muito baixo.
Esse valor de R$ 6,30 ou R$ 6,50 é o da corrida mínima?
Marcos Monteiro: Sim, é o valor mínimo pago aqui. Não sei como é em São Paulo ou em outras grandes cidades, mas aqui esse valor é um desrespeito com os motoristas.
O senhor sente que as corridas curtas acabam sendo um problema?
Marcos Monteiro: Sim. Tem gente que acha bom, porque são trajetos de dois ou três quilômetros, mas a verdade é que você perde muito tempo nelas. Se fizer dez corridas curtas, vai ganhar só R$ 60,00, e esse dinheiro basicamente cobre apenas o combustível. No fim, trabalhamos praticamente só para manter o carro rodando.
Em 2019, o senhor faturava a mesma coisa que hoje, certo? Naquela época, o senhor trabalhava menos horas?
Marcos Monteiro: Sim, o faturamento era o mesmo mas não eu não trabalhava menos horas. Sempre trabalhei entre dez e doze horas por dia. O problema é que antes havia mais dinâmica, e agora isso praticamente sumiu.
A dinâmica hoje funciona de forma diferente?
Marcos Monteiro: Sim. Antes, a dinâmica ajudava a melhorar o faturamento. Agora, só aparece em eventos, como festas, e mesmo assim só em horários específicos. Você pode até ganhar R$ 10,00 ou R$ 15,00 a mais em uma corrida, mas acaba fazendo menos corridas porque o trânsito fica pior. No fim, não compensa. O que realmente resolveria a situação seria um preço justo para cada corrida, que permitisse ao motorista trabalhar e ter um lucro razoável.
O que o senhor diria para quem está começando a trabalhar com aplicativos?
Marcos Monteiro: Antigamente, eu até recomendaria. Hoje, não aconselho ninguém a entrar nesse mercado.
E para quem já está trabalhando?
Marcos Monteiro: Para quem já está, o ideal é focar nos melhores horários. No meu caso, prefiro trabalhar sem muitas pausas. Começo e sigo direto, sem um horário fixo de descanso. Mesmo que os ganhos estejam baixos, pelo menos sempre há corridas disponíveis.
O senhor acha que dividir o trabalho em vários turnos é um prejuízo?
Marcos Monteiro: Sim, porque quando você para e depois volta, a plataforma entende que você ficou inativo e começa a distribuir menos corridas. Isso pode afetar a dinâmica do seu perfil na Uber. No meu caso, como já trabalho direto, o sistema sabe disso e me mantém sempre na ativa.
O senhor acha que as promoções e as tarifas dinâmicas diminuíram com o tempo, desde 2019?
Marcos Monteiro: Sim, diminuíram muito. Logo quando comecei, pouco tempo depois veio a pandemia e tudo parou. Com isso, houve uma queda no lucro, e aqui em João Pessoa, em especial, os ganhos despencaram. Ficamos limitados a determinadas áreas e, quando tudo voltou ao normal, os ganhos não acompanharam essa retomada.
Pode dar um exemplo de como isso aconteceu?
Marcos Monteiro: Em 2020 e 2021, a corrida mínima era de R$ 5,70. Hoje, esse valor subiu para R$ 6,30 ou R$ 6,50, mas isso é praticamente nada, considerando a inflação e o aumento dos custos. Ou seja, o motorista continuou ganhando quase o mesmo, mas gastando muito mais para trabalhar.
Além disso, há algum outro problema que o senhor considera grave?
Marcos Monteiro: Sim, a taxa de cancelamento é um absurdo. Muitas vezes, estamos quase chegando ao destino e o passageiro cancela. A Uber promete que pagaria nesses casos, mas na prática não acontece. Agora, se somos nós que cancelamos, eles nos penalizam, e se for com frequência, até bloqueiam a conta.
Isso acontece muito no seu dia a dia?
Marcos Monteiro: Sim, principalmente à noite. Muitas vezes, aceito uma corrida e o passageiro está a 5, 10 ou até 15 quilômetros de distância. Como aconteceu ontem, fui buscar um passageiro que estava a 9 quilômetros. Quando faltava 1,5 km para chegar, ele cancelou. Não sei se foi ele ou se a própria Uber fez isso, mas fiquei sem nada. Acabaram me enviando outra corrida, mas já tinha rodado quilômetros sem receber nada.
Qual o seu aplicativo favorito para trabalhar? Uber ou 99?
Marcos Monteiro: Prefiro a Uber. Gosto da 99, mas o perfil dos passageiros é diferente. A maioria das corridas da 99 é para comunidades, e infelizmente há locais perigosos. Algumas gangues proíbem a entrada de motoristas, fazem ameaças, mandam apagar os faróis… Então, evito essas regiões.
O senhor já passou por alguma situação difícil?
Marcos Monteiro: Sim, já roubaram meu carro. Em João Pessoa, eu conheço bem as comunidades, mas sempre existe o risco. Por isso, prefiro a Uber, pois abrange todas as regiões. A 99 tem um ponto positivo: ela mostra o destino antes da corrida. Já a Uber não, só revela depois que você aceita, o que pode ser um problema, porque às vezes o destino não é o que parecia inicialmente.
O senhor já teve problemas com isso?
Marcos Monteiro: Sim, já aconteceu várias vezes. Ontem mesmo peguei uma corrida achando que ia para um local conhecido, mas era um lugar completamente diferente e muito ermo. Como já tinha aceitado, precisei ir até lá, mas não foi uma experiência agradável.
Quais são os maiores desafios dos motoristas de aplicativo? O senhor recomendaria esse trabalho para quem está desempregado?
Marcos Monteiro: Não recomendaria. Os ganhos são baixos, os custos são altos e o estresse é grande. Se a pessoa usa o próprio carro, vai gastar muito com manutenção. Se optar por alugar, pior ainda, porque o aluguel aqui varia entre R$ 2.400 e R$ 2.800 por mês.
Mesmo faturando R$ 6.000, ainda é difícil ter um lucro real?
Marcos Monteiro: Sim. Se você aluga um carro e fatura R$ 6.000, depois de pagar o aluguel, combustível, manutenção, troca de óleo, pneus e até limpeza do carro – que custa R$ 80 aqui – o que sobra é quase nada. No fim, o motorista ganha um salário mínimo ou um pouco mais.
Então, o senhor acha que só vale a pena para quem não tem outra opção?
Marcos Monteiro: Exatamente. Para quem está sem alternativa, o aplicativo ainda permite ganhar algum dinheiro. Mas não dá para se basear apenas nos dias bons. Às vezes, conseguimos faturar bem em um fim de semana, mas na média, o rendimento não é alto.
Dá para economizar alguma coisa com esse trabalho?
Marcos Monteiro: Não. Quem trabalha com aplicativo dificilmente consegue guardar dinheiro. O que entra já sai para cobrir os gastos do próprio trabalho.
Se a pessoa tiver um emprego CLT, o senhor acha que vale a pena largar para ser motorista?
Marcos Monteiro: De jeito nenhum. No CLT, você pode até achar o salário baixo, mas tem uma segurança. Se trabalhar três anos e sair, pelo menos tem seguro-desemprego. No aplicativo, se você ficar doente, não tem nenhuma proteção. A Uber quer que a gente seja CLT sem ser CLT: coloca todas as obrigações em cima do motorista, mas não oferece nenhum direito.
O senhor acha que esse é um debate que precisa ser aprofundado?
Marcos Monteiro: Sim, sem dúvida. Ainda há muita gente que acredita que CLT não vale a pena, mas pelo menos oferece segurança. Esse é um tema que precisa ser discutido com mais seriedade no futuro.
Sr. Marcos, acho que era isso. O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa à nossa conversa?
Marcos Monteiro: Uma das coisas que mais me incomodam é o comportamento de alguns passageiros. Não sei se acontece com todo mundo, mas aqui é muito comum as pessoas entrarem no carro e não respeitarem o ambiente. Elas comem, bebem e, muitas vezes, deixam sujeira para trás. Isso é muito ruim para quem trabalha com aplicativo, porque estraga o carro e causa desgaste.
O senhor já passou por alguma situação complicada em relação a isso?
Marcos Monteiro: Sim, essa semana mesmo vi um caso de um motorista que discutiu com uma passageira porque ela sujou o carro e não quis limpar. Ele acabou empurrando ou dando um tapa nela, não sei ao certo, mas achei isso um absurdo. Esse tipo de situação poderia ser evitado se a plataforma investisse mais em conscientização.
O senhor acha que a Uber deveria educar melhor os passageiros?
Marcos Monteiro: Com certeza. A plataforma deveria criar campanhas para informar as pessoas sobre como se comportar dentro dos carros. Elas precisam entender que o veículo não é delas, mas sim de um profissional que está prestando um serviço. Assim como ninguém danifica um ônibus porque sabe que vai prejudicar os outros usuários, o mesmo deveria valer para os motoristas de aplicativo.
O senhor acredita que falta mais respeito na relação entre motoristas e passageiros?
Marcos Monteiro: Sim, porque essa relação deveria ser de respeito mútuo. O passageiro está chamando a corrida e nos dando uma oportunidade de ganhar dinheiro, mas, ao mesmo tempo, estamos prestando um serviço essencial para ele. O ideal seria que todos cooperassem e respeitassem esse equilíbrio.
O senhor comentou anteriormente que um dos seus maiores problemas com o aplicativo é a obrigação de usar o ar-condicionado. Isso ainda é algo que lhe incomoda?
Marcos Monteiro: Muito! Isso é uma imposição injusta. O ar-condicionado pode ser confortável para os passageiros, mas não é saudável para nós motoristas, que passamos horas dentro do carro. Além disso, o custo do combustível aumenta muito. Se a Uber quer garantir que todos os carros tenham ar-condicionado ligado o tempo todo, então deveria ajudar nos custos.