O Vai de Boa entrou no radar como mais um app regional tentando reequilibrar a relação entre motorista e plataforma — e, como costuma acontecer nesse ecossistema, a história começa nas ruas. Segundo Miguel Gonçalves, coordenador de marketing do aplicativo, a ideia surgiu em 2020 com outro nome. “O Vai de Boa nasce como 66X. Foi uma iniciativa do Ricardo e do Rodrigo Calegari, os fundadores, que eram motoristas de aplicativo. Eles sentiram na pele as dores do mercado e resolveram criar uma alternativa.”
Para tirar o projeto do papel, o grupo se uniu a quem tinha domínio tecnológico. “Eles se juntaram com o Charles Albert e o Carlos Augusto, sócios da Alca2C, uma empresa de telefonia e tecnologia. Dessa fusão surgiu a 66X, que depois virou Vai de Boa.” O reposicionamento não foi apenas estético: o app assumiu uma identidade explicitamente local. “A gente quis deixar claro que é uma plataforma feita no Rio, para o Rio de Janeiro”, resume Miguel.
Desde o início, a proposta se apoia em duas frentes que costumam decidir o destino dos aplicativos regionais: taxa competitiva para motoristas e preço atrativo para passageiros. “O foco sempre foi oferecer a melhor taxa do mercado para os motoristas e, ao mesmo tempo, boas condições de desconto para os passageiros.”
A virada veio com o marketing
Apesar de existir desde 2020, o Vai de Boa começou a ganhar tração de verdade quando investiu em comunicação. Essa fase é recente. “A gente começou a fazer esse trabalho ainda este ano. Eu entrei em abril”, conta Miguel. Até então, o crescimento dependia quase só do boca a boca. “O investimento era zero. A gente explorou ferramentas gratuitas para uniformizar a comunicação.”
A estratégia foi escalando por etapas. Primeiro, influenciadores digitais; depois, mídia de rua; e, por fim, TV. “O primeiro investimento foi em influenciadores. Depois vieram outdoors, panfletagem, estande do aplicativo.” Quando os resultados apareceram, a equipe decidiu buscar autoridade de marca para competir num mercado saturado. “A partir do momento em que a gente entendeu que precisava de mais força, pensamos em TV, na Record.”
A campanha entrou no ar no Balanço Geral, com apresentadores populares no Rio. “Foi com o Tino Júnior na Record. Isso ajudou muito no reconhecimento.” O reflexo foi direto na base de motoristas. “Quando eu cheguei, a gente tinha entre 200 e 300 motoristas. Hoje são 18 mil. Em menos de um ano, foi um salto muito expressivo.”
Do lado dos passageiros, o caminho ainda está em construção. São cerca de 15 mil cadastros, mas Miguel pondera que parte desse número vem de motoristas que baixam o app de passageiro para testar a plataforma. “Se a gente considerar isso, dá para dizer que uns 70% desses 15 mil são passageiros de verdade.”
Taxa menor como principal arma
A remuneração é o eixo central do Vai de Boa. A taxa padrão fica entre 10% e 15%, mas o app usa promoções agressivas para atrair motoristas. Em novembro, por exemplo, a cobrança praticamente sumiu. “A gente baixou a taxa para R$ 3 e, na Black Friday, zerou. O total da corrida foi repassado para o motorista, sem nenhum desconto.”
Para a equipe, esse tipo de ação é decisivo num cenário em que as grandes plataformas retêm fatias altas do valor. “O Vai de Boa quer mudar esse costume. Tem app que cobra 20%, 30%, até 40% do motorista. A gente quer mostrar que dá para ser diferente”, diz Miguel.
O sistema de pagamento também tenta acompanhar essa lógica de flexibilidade. O passageiro pode pagar em dinheiro, Pix direto para o motorista ou saldo interno. “O Pix vai direto para o saldo do motorista. Existe um saque mínimo de R$ 30, e normalmente ele saca na segunda-feira.” Só que essa regra não é rígida: “A configuração pode variar de acordo com a necessidade do lugar. Em período de muita demanda, como Black Friday, a gente liberou saque diário.”
Desafio no Rio: o motorista cadastra, mas não atende
Mesmo com crescimento rápido, a operação convive com um problema típico de apps iniciantes em grandes centros: o motorista está cadastrado, mas segue priorizando outras plataformas. Miguel reconhece o cenário sem rodeios. “No Rio existe uma concorrência absurda. Muitas vezes toca corrida no Vai de Boa e o motorista está finalizando outra na concorrência. Ele não consegue atender.”
Isso se traduz em cancelamentos altos. “A procura por corridas está alta para quem está começando, mas o número de corridas canceladas também é alto justamente porque o motorista não consegue dar vazão.” Hoje, para muitos condutores, o Vai de Boa ainda é uma renda complementar. “Tem motorista fazendo R$ 150, R$ 200 por dia aqui. Mas a tendência é aumentar quando mais gente vier de vez para o nosso lado.”
Identidade carioca e suporte humanizado
Se há um ponto que Miguel repete como marca do Vai de Boa é a tentativa de criar identidade local. “Ele tem um jeito carioca de ser”, define. “O nome tem uma vibe boa, é fácil, comunicativo, alegre. Isso ajuda a criar proximidade.”
A plataforma também aposta em humanizar a relação com motoristas e passageiros, especialmente no suporte. “A gente oferece atendimento 24 horas, com uma pessoa real do outro lado. O motorista consegue falar com alguém que tem nome, CEP, endereço.” O app ainda inclui “seguro corrida” para casos de acidente ou intercorrência. “A ideia é mostrar que a gente está antenado no que acontece no dia a dia de quem roda.”
Verão como próximo teste de tração
Olhando para os próximos meses, a expectativa do Vai de Boa é transformar o crescimento de base em uso consistente e ampliar sua presença para além do Rio. Segundo Miguel, a estratégia segue a lógica regional: consolidar tração na capital e na região metropolitana, com foco em reduzir cancelamentos e aumentar a recorrência de passageiros, para então avançar em novas praças onde a marca tenha aderência cultural e demanda forte por alternativa local.
A prioridade é expandir para cidades do estado e polos urbanos próximos, especialmente aqueles com grande fluxo sazonal — como áreas turísticas e litorâneas — preparando terreno para um 2026 de expansão gradual, sem perder o diferencial de taxa baixa e suporte humanizado que, na visão do app, são o motor real de fidelização.
O próximo passo é usar o verão carioca como motor de expansão. “Vamos iniciar campanhas de verão, com ações nas praias e nos pontos turísticos do Rio”, diz Miguel. O plano envolve cupons para passageiros e condições mais atrativas para motoristas. “A gente quer entrar forte em janeiro, que é quando a cidade ferve, para provar tração num momento em que a disputa é mais dura.”
No balanço de Miguel, o Vai de Boa representa bem o ciclo dos apps regionais em capitais: nasce de motoristas, acelera quando ganha visibilidade, usa taxa menor como diferencial — e ainda precisa transformar cadastro em fidelidade cotidiana. “A gente ainda tem muito para lapidar”, admite. “Mas eu acho que estamos no caminho certo.”