“Eu nunca tinha nem andado em carro por aplicativo.” Assim começa a história de Miltermayer Macedo, jornalista, apresentador de TV e hoje fundador e CEO da Pop Gyn, plataforma 100% brasileira de transporte por app. De tanto ouvir relatos de motoristas esgotados e desvalorizados — “gente rodando 14, 15, 16 horas para sustentar a casa” —, ele decidiu que a indignação não bastava. “A gente tem que agir. Falar e mostrar o problema não resolve. Eu quis entrar para fazer diferente.”
Sem experiência prévia na área e sem investidores, Miltermayer reuniu cinco amigos para o projeto. “Ninguém acreditou. Disseram que era caro, que não ia dar certo. Eu fui sozinho.” Adquiriu a tecnologia, registrou a marca e lançou o app em julho de 2024. O início, diz ele, foi de aprendizado e persistência: “A gente começou com três corridas no primeiro dia, mas a gente acreditou na ideia.”
Crescimento inicial e presença nacional
Em apenas três meses, a Pop Gyn se espalhou por cinco estados e mais de 20 cidades, com sede em Goiânia e foco no Vale do Itajaí (SC), Maranhão, Ceará, Pará e Amazonas. “Nosso mapa vai de Blumenau a Beberibe, passando por Zé Doca, Uruará e cidades menores onde nem Uber nem 99 chegam.”
A estratégia é clara: entrar primeiro onde não há grandes players. “Não faz sentido disputar mercado em cidade de 70 mil habitantes que já tem três apps. A gente prefere ser o primeiro, formar confiança e crescer junto com os motoristas.”
Sobre o volume de viagens, Miltermayer não especifica o número exato: “Posso falar que é um início modesto, mas o gráfico é de alta. Todo mês tem mais gente rodando e chamando.”
“Pode não ser o mais barato, mas é o mais seguro”
Para Miltermayer, segurança é o DNA da Pop Gyn — e foi o gatilho emocional do projeto. Seu pai é cadeirante e enfrentava cancelamentos recorrentes nas corridas. “Muitos motoristas viam a cadeira e simplesmente passavam direto. Isso é desumano. Foi ali que decidi: preciso criar algo diferente.”
O app faz checagem de antecedentes e pendências judiciais de todos os motoristas e pretende lançar em 2026 uma categoria especial para cadeirantes, idosos, gestantes e crianças. “Queremos motoristas treinados para atender com respeito e paciência.”
Essa proposta vem junto de uma condição essencial: remuneração justa. “Motorista só trata bem o passageiro se estiver satisfeito e ganhando bem. Não existe atendimento humanizado com 16 horas de volante e corridas de R$ 5,50.”
Corridas, taxas e modelo de pagamento
Enquanto o app ainda opera sem cobrar taxas, 100% do valor das corridas fica com o motorista. “Ele recebe direto via Pix, dinheiro ou maquininha própria. Não intermediamos nada por enquanto, até para evitar confusão tributária. Quando ativarmos o sistema de pagamento digital, aí sim a Pop Gyn começa a reter os 10%.”
A corrida mínima hoje varia entre R$ 7,49 e R$ 9,99, valor que ele considera justo “para não assustar o passageiro”, mas insuficiente para o modelo ideal. “Minha meta é chegar a R$ 15 de mínima, porque R$ 6 é indecente. Até mototáxi cobra mais.”
A política de zero taxa até o carnaval de 2026 tem dupla função: fortalecer a base e devolver dignidade. “Enquanto os outros cobram 25%, 30%, até 40%, a gente quer que o motorista veja que é possível trabalhar com margem e respeito.”
Financiamento pessoal e visão de longo prazo
Tudo é bancado do próprio bolso. “Até quando costumava anotar os gastos, o investimento inicial já passava de R$ 18 mil, mas parei de contar. Cada viagem tem custo técnico: a gente paga 2 centavos de mapa por corrida. Ou seja, pago para o motorista rodar.”
Ele sabe que o projeto ainda não se paga, mas repete: “Isso aqui é um sonho de longo prazo. Sou jornalista, formado em Direito, mas o que me move é ver pais de família trabalhando menos e vivendo melhor. Se o app se sustentar, já é vitória.”
Aprendizado e correção de rota
No início, a Pop Gyn cometeu um erro clássico: atraiu mais passageiros do que motoristas. “A pessoa chamava e vinha a mensagem ‘não há motorista próximo’. Aí pegava ranço e desistia.” Agora, o modelo inverteu. “Em cada cidade nova, a gente entra com motoristas primeiro. Eles mesmos viram embaixadores: levam passageiros de outras plataformas e explicam o benefício de migrar.”
Essa virada reduziu custos e aumentou adesão. “É um trabalho de formiguinha. Motorista que entende o propósito ajuda a construir o futuro da marca. É boca a boca, sem atalhos artificiais.”
Comunicação e marketing regional
Miltermayer recusa incentivos financeiros a motoristas, comuns nas big techs. “Mesmo se eu tivesse dinheiro, não pagaria R$ 100 para o cara ficar online. Isso cria dependência e dívida. Depois, quem paga é o motorista, via taxa alta.”
No lugar disso, aposta em presença física e visibilidade local. “Fizemos adesivos pequenos, panfletagem e estamos desenhando os adesivos de vidro traseiro para lançar em 2026. É o marketing que a cidade vê.”
Ele também cita ações sazonais: nas cidades litorâneas como Beberibe (CE), o plano é ativar turistas com panfletagem nos festivais de verão e QR codes para download instantâneo. “O visitante chega abrindo o app de sempre. Nosso desafio é mostrar que existe alternativa local, segura e brasileira.”
Como será o futuro?
Miltermayer vê um futuro híbrido: “Alguns regionais vão crescer e se unir. Outros vão morrer. Mas o saldo é positivo: o Brasil vai deixar de depender de plataformas de fora.”
“Hoje, as pessoas dizem ‘vou de Uber’, mesmo que usem outro app. É igual chamar esponja de aço de Bombril. Mas isso pode mudar.” Para ele, o próximo ciclo da mobilidade urbana será nacionalizado. “Os apps brasileiros vão dominar o mercado dentro de cinco anos. As grandes estrangeiras vão perder espaço — e prestígio — porque só pensam em lucro.”
Sobre o próprio Pop Gyn, o plano é consolidar a operação no Centro-Oeste e Nordeste, atingir 10 mil corridas/mês até o fim de 2025 e começar a cobrar a taxa de 10% em 2026. “Não quero ser o maior, quero ser o mais humano. Se eu ver passageiro seguro e motorista feliz, já valeu.”
Da reportagem à gestão, o tom de Miltermayer não muda: “O que me move não é dinheiro, é respeito pelo trabalhador. O motorista brasileiro é quem sustenta a mobilidade urbana, mas nunca foi tratado como parte do negócio. A Pop Gyn veio para reverter essa lógica.”
E conclui: “Se o passageiro se sentir seguro e o motorista trabalhar com dignidade, o resto vem naturalmente. Não é caridade — é justiça sobre rodas.”