O diretor de Assuntos Parlamentares do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), Leonardo José Decuzzi, afirmou durante audiência pública na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (28), que os entregadores e motoristas de aplicativos trabalham sob subordinação direta das plataformas digitais e deveriam ter direitos básicos assegurados, como férias, 13º salário, fundo de garantia e descanso semanal.
Segundo Decuzzi, que atua há 37 anos na Inspeção do Trabalho e integra o grupo de pesquisa TRABE 21 da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a fiscalização já identificou casos de trabalho subordinado em empresas de entrega de alimentos e mercadorias.
“A entrega de um sanduíche ou de um pacote em nossas casas é hoje muito mais controlada, fiscalizada e monitorada em tempo real do que o trabalho de um motorista de transporte coletivo que leva dezenas de vidas humanas”, afirmou.
O auditor explicou que o discurso de autonomia e flexibilidade propagado pelas plataformas não corresponde à realidade observada nas inspeções.
“Dizem que esses trabalhadores não têm chefes, que escolhem quando e para quem trabalhar, mas essa liberdade é apenas aparente. Há controle, subordinação e captura de dados o tempo todo”, declarou.
Segundo ele, a tecnologia apenas substituiu o papel do chefe tradicional por mecanismos automatizados de gestão, como sistemas de ranqueamento, bloqueio e distribuição de corridas, que funcionam como instrumentos de comando e direção do trabalho.
“Esses trabalhadores não são de segunda categoria”
Decuzzi enfatizou que os motoristas e entregadores não são empreendedores autônomos, mas trabalhadores que exercem atividades sob direção e controle das plataformas.
“Esses trabalhadores não têm marca própria, não definem seus preços, nem se colocam no mercado de forma independente. O modelo de negócio das plataformas depende do controle sobre eles”, explicou.
Ele afirmou ainda que as empresas não podem conceder autonomia plena, porque isso desmontaria o modelo econômico baseado na sincronização de oferta e demanda de mão de obra.
“As plataformas não é que não querem dar autonomia — elas não podem. Se o fizessem, ruiria o modelo de negócio”, afirmou.
O auditor comparou a situação dos entregadores atuais à dos trabalhadores portuários avulsos do passado, que escolhiam suas tarefas, mas tinham direitos garantidos.
“Hoje vemos trabalhadores nas ruas, debaixo de chuva, com mochilas nas costas e a marca que não é deles. Eles lembram os portuários de antigamente — com uma diferença: os de ontem tinham direitos; os de hoje, não”, disse.
“Dar direitos custaria apenas 87 centavos por corrida”
Com base no Projeto de Lei Complementar (PLP) 152/2025, que propõe novas regras para o trabalho por aplicativos, Decuzzi apresentou cálculos que demonstrariam o baixo custo de incorporar direitos trabalhistas mínimos.
“Considerando uma corrida de R$ 10, os direitos fundamentais — férias, 13º, descanso semanal, FGTS — representariam apenas R$ 0,87. Esse é o custo de dar dignidade ao trabalhador”, afirmou.
O auditor afirmou que garantir esses direitos não traria impacto relevante para as empresas, e que a resistência à regulamentação representa um esvaziamento do direito do trabalho e do Estado social.
“Negar direitos básicos com um custo tão pequeno é indefensável social e moralmente. Estamos discutindo se o Brasil quer ser o país do trabalho precário ou do trabalho digno”, declarou.
Ele alertou que a ausência de proteção aos trabalhadores pode levar o Brasil a ser denunciado por dumping social em instâncias internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), prejudicando inclusive negociações comerciais com a União Europeia.
“Este país não pode chegar à Conferência Internacional do Trabalho do próximo ano e fazer feio. Não há justificativa para negar direitos por 87 centavos”, disse.
Deputado Daniel Agrobom questiona o impacto do custo e defende equilíbrio
O deputado federal Daniel Agrobom (PL-GO), que participou da audiência, elogiou a exposição de Decuzzi e afirmou que as contas apresentadas trazem uma perspectiva prática para o debate.
“O senhor respondeu a uma pergunta que eu já ia fazer: como garantir direitos sem tirar a liberdade dos trabalhadores e quanto isso custaria. Foi muito claro e importante”, disse o parlamentar.
Agrobom, no entanto, levantou uma preocupação sobre quem arcaria com o custo desses direitos.
“Precisamos garantir que esse custo não seja repassado ao motorista. Se os R$ 0,87 forem retirados da parte dele, sobra pouco. Temos que assegurar que saia das plataformas”, afirmou.
Decuzzi respondeu que as plataformas têm capacidade tecnológica e financeira para suportar o custo e que a transparência nos dados é o caminho para garantir que os valores não recaiam sobre os trabalhadores.
“As empresas precisam disponibilizar informações claras. Quantos trabalhadores atuam, quanto ganham, quantas horas trabalham. Isso pode ser feito via eSocial, sem nenhuma dificuldade. Falta transparência, e essa assimetria de informações é uma marca do capitalismo contemporâneo”, afirmou.
O auditor reforçou que os dados operacionais e de remuneração não são segredo de negócio, e que sua divulgação é essencial para fiscalização e segurança jurídica.
“Nenhuma loja, escritório ou empregador doméstico esconde esses dados. Por que grandes plataformas não podem fazer o mesmo?”, questionou.
“A regulação é uma decisão política, não apenas técnica”
Encerrando sua fala, Leonardo Decuzzi afirmou que a regulação do trabalho por aplicativos é uma decisão essencialmente política, e não apenas técnica ou jurídica.
“Garantir ou retirar direitos é sempre uma decisão política. Por isso o debate precisa estar no Congresso Nacional, que é a casa das leis”, disse.
Ele concluiu dizendo que a escolha feita agora definirá o tipo de país e de relações de trabalho que o Brasil terá nas próximas décadas.
“Estamos decidindo se deixaremos para as novas gerações um país do trabalho precário, da escravidão moderna, ou um país do trabalho digno”, concluiu.