A advogada Letícia Kaufman, representante da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho, afirmou que a livre iniciativa tem sido usada como um “escudo absoluto” para justificar um modelo de negócios que transfere todos os riscos e custos da atividade para os motoristas, negando-lhes as proteções mínimas que deveriam ser garantidas pelo Estado.
A manifestação ocorreu nesta quinta-feira (02), em sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a possibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego entre motoristas e plataformas digitais.
A advogada ressaltou que não existem direitos absolutos no Brasil. Para ela, a livre iniciativa deve ser ponderada com outros princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Lembrou ainda que a Constituição, em seu artigo 170, condiciona a ordem econômica à valorização do trabalho humano e à promoção da justiça social, fundamentos que precisam ser levados em conta nesse julgamento.
Aplicativos não seriam inviabilizados
Letícia Kaufman destacou que não se trata de inviabilizar a atuação de empresas como a Uber. Pelo contrário, reconheceu que a tecnologia e a conveniência trazidas pela plataforma são inegáveis. O que se busca, segundo ela, é garantir que esse funcionamento ocorra com respeito aos direitos dos motoristas, que são os verdadeiros responsáveis por movimentar o modelo de negócio.
Ela questionou se a única forma de viabilizar os aplicativos seria pela “máxima exploração do trabalhador” e sem qualquer proteção social. Afirmou acreditar que é possível inovar e lucrar sem abrir mão da dignidade de quem trabalha, lembrando que o STF deve harmonizar o desenvolvimento econômico com a preservação de direitos básicos.
Proteção social e futuro dos motoristas
Em sua fala, Kaufman trouxe também uma reflexão simbólica. O julgamento começou justamente no dia em que se celebrava o Dia do Idoso, o que, para ela, reforça a necessidade de pensar no futuro dos trabalhadores de aplicativo. “Tratar dessa questão também é proteger o trabalhador de hoje, garantindo que no futuro tenha aposentadoria e uma velhice digna”, afirmou.
Ela citou dados do IBGE de 2022, segundo os quais apenas 27% dos trabalhadores de plataforma contribuem para a Previdência Social. Isso, disse, reforça a urgência de mecanismos que assegurem proteção mínima a esses profissionais.
Primazia da realidade
A representante da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho concluiu que, sempre que presentes os requisitos legais, cabe à Justiça do Trabalho reconhecer o vínculo de emprego. “A livre iniciativa não pode ser exercida à custa da máxima exploração do trabalhador”, afirmou. Para ela, é dever da sociedade e do STF garantir a harmonização dos fundamentos da República, permitindo que a atividade econômica exista, mas sem renegar direitos sociais básicos aos motoristas.