Natal, capital do Rio Grande do Norte, é uma cidade de contrastes entre a beleza natural e os desafios da vida urbana. Com pouco mais de 896 mil habitantes, a cidade se estende entre praias conhecidas mundialmente, como Ponta Negra e Genipabu, e o clima, que é ensolarado durante praticamente o ano todo e lhe rendeu o apelido de Cidade do Sol.
Mas, para além do cartão-postal, há também a rotina dos moradores, entre eles estão os motoristas de aplicativo que sustentam a vida em longas jornadas e passageiros que, ao mesmo tempo que encontram praticidade no app, enfrentam dificuldades na locomoção.
Esta reportagem reúne a visão de quem tem nas plataformas sua fonte de renda e daqueles que dependem do serviço para se locomover na capital potiguar.
Linhas do transporte público suspensas na pandemia não voltaram, a tarifa subiu e a qualidade continua a mesma
O transporte público da capital é alvo de críticas pelo preço e pela falta de qualidade. A passagem hoje custa R$ 4,90 e para a passageira Mariana Gonçalves, o reajuste não foi acompanhado de melhorias. “Aumentou o valor e eu acho muito ineficaz, porque a gente não vê esse aumento refletido na qualidade dos ônibus. Se tivesse ar-condicionado ou mais veículos circulando, até justificaria, mas o valor sobe e nada muda”, afirma.
A frequência dos ônibus também é um problema. Em regiões centrais, como perto dos shoppings, ela relata ver coletivos passando constantemente. Mas no bairro onde mora a realidade é bem diferente: “Só tem um ônibus que faz o trajeto da minha casa até o bairro da faculdade. E, na verdade, nem é ônibus, é o que a gente chama de bestinha, um micro-ônibus suplementar. Ele passa de hora em hora e para de rodar por volta das sete da noite. Muitas vezes perco parte da aula porque preciso sair mais cedo para conseguir pegar o último do dia.”
Segundo Mariana, a precariedade tem relação também com a pandemia. “Várias linhas foram cortadas e nunca voltaram. Esse suplemento existe justamente para tapar o buraco que ficou depois que algumas linhas pararam de funcionar.”
“Já aconteceu de eu ficar muito tempo na parada e ter que ligar para o meu pai pedir um Uber para mim. Ou ficar até mais tarde na faculdade e perder esse último ônibus das 18h30 e ter que pedir para me buscarem”, afirma.
Apesar de avaliar que os ônibus não são tão lotados, exceto nos horários de pico, o que considera dentro do esperado, Mariana afirma: “Nenhum ônibus tem ar-condicionado. E em Natal, que é extremamente quente, isso faz muita falta. Quando o trânsito para, o calor dentro do veículo fica insuportável”.
Mesmo reconhecendo que a frota não está totalmente deteriorada, Mariana nota sinais de envelhecimento. “Não vejo janelas quebradas nem sujeira extrema, mas dá para perceber que são veículos muito usados. Já vi até buracos na lataria.”
Corridas baratas são a maior queixa dos motoristas, que precisam estender jornadas para bater metas
Para os motoristas de app, a principal reclamação são os valores das corridas. Gabriel Pereira atua pela Uber e pela 99, porque segundo ele “são as mais confiáveis”. Ele tem como meta diária R$ 400, o que exige rodar cerca de 14 horas por dia. “Sempre é bom ganhar mais, mas o problema são as corridas baratas”, resume.
Já Leonardo Chagas busca metas ainda maiores: “Minha meta é R$ 500, mas só consigo bater se ficar na rua até 21h.” Leonardo sai para trabalhar às 6h e só volta no fim da noite. Ele afirma que em Natal não faltam corridas, mas o rendimento é baixo: “Eu tinha duas opções: reclamar ou correr atrás. Eu resolvi correr atrás.”
“Eles (motoristas) sempre comentam dessa diferença entre o que eles recebem e o que propõem para o passageiro, também falam que consideram a 99 mais justa para os dois lados por retirar menos do valor que o motorista deveria receber”, relata Maria Eduarda Sena. A passageira conta que, apesar de esperar valores acessíveis para si, ela entende que os motoristas não recebem a quantia total paga pelos passageiros.
Além dos valores muito baixos, há outra reclamação entre os motoristas: bloqueio na plataforma. Diferente de Gabriel, Leonardo escolheu rodar apenas pela 99, por considerar a Uber injusta com os motoristas. “Optei por trabalhar só na 99 porque a Uber tem bloqueado muitos motoristas injustamente. Eles nem ouvem a gente e levam o que o passageiro fala como verdade”, aponta. Para ele, o que os condutores mais esperam são “tarifas melhores e um suporte que escute a gente, escute nossas vontades”.
Preços são acessíveis, mas passageiros criticam tarifas abusivas em horários de pico e em eventos
Quando o assunto são os preços, os passageiros consideram o preço justo e acessível, mas afirmam que o serviço poderia melhorar. “Os valores aqui em Natal são bem mais acessíveis que em outras capitais, como São Paulo por exemplo”, avalia a passageira Ana Katarina Gomes.
Mas apesar dessa percepção positiva, Ana Katarina conta que é muito difícil conseguir corridas para o aeroporto e que já precisou pegar táxi para fazer o trajeto, o que a faz desembolsar mais que o dobro do que pagaria no app. “Às vezes eu tenho que contratar por fora. Daqui de onde eu moro para o aeroporto geralmente dá uns R$30 ou R$35 na Uber. Quando preciso pegar táxi eu gasto aproximadamente R$70, R$80. É muito caro”, declara.
Samuel Lima também viveu de perto essa realidade até pouco tempo. Ao se mudar para Natal em 2021, ele decidiu vender o carro e passou a usar apenas os aplicativos por ser mais vantajoso financeiramente dentro da sua realidade. Morando perto do trabalho, fez as contas e optou por viver sem veículo próprio. “Eu usava o aplicativo todos os dias de segunda a sexta para ir trabalhar, durante mais de quatro anos. Geralmente dava abaixo de R$ 10 para ir e para voltar”, relata. Segundo ele, o gasto diário só estourava quando chovia ou em horários de pico.
Maria Eduarda conta que fora do horário de pico os valores não são tão caros, mas com o aumento da demanda vem também o preço alto, que muitas vezes não é viável para ela. “Já deixei de usar em certos momentos por valores absurdos, que me motivaram a preferir pegar um transporte público ou pedir carona para terceiros”, afirma.
Conforto e segurança também são uma questão para os passageiros
Se os valores das corridas são considerados aceitáveis para Samuel, há um detalhe que sempre o incomoda: o uso do ar-condicionado. Em uma cidade que é conhecida por ser a Cidade do Sol, ele conta que precisou recorrer diversas vezes ao Uber Comfort apenas para garantir esse recurso. “Os valores até que eu achava tranquilo, né? Agora, a grande crítica é que aqui no Nordeste é muito quente e não é todo Uber que liga o ar. Então eu uso frequentemente o Uber Comfort para poder garantir o ar-condicionado. Isso também sai um pouco mais caro”, afirma.
O problema maior, segundo ele, é que nem sempre os carros são diferentes dos da categoria comum, o que faz com que o passageiro pague mais apenas por uma garantia mínima. “Eu acho que todos deveriam estar com o ar-condicionado ligado, a não ser que fosse pedido algo diferente.”
Para ele, os aplicativos perderam a proposta de conforto: “A Uber mesmo começa com a ideia de uma certa comodidade, não necessariamente acessível. Mas, uma possível leitura, é que se popularizou e acabou perdendo um pouco isso.”
Mas ele vai além, conta que a segurança também é uma questão. “Os carros não são bons. De repente até com questão de segurança mesmo, o cinto de segurança já está ruim…já flagrei várias situações assim”, relata.
Baixo valor desestimula motoristas e aumenta a dificuldade de passageiros conseguirem corrida
Enquanto a corrida barata é uma vantagem para os passageiros, para os motoristas ela é o principal problema da cidade e acaba resultando na não aceitação ou no cancelamento de viagens. “O que mais me incomoda no app atualmente são as corridas baratas”, afirma Gabriel. E Leonardo complementa: “a gente trabalha por dinheiro”.
Samuel tinha compromissos próximos de casa e encontrava dificuldade para conseguir carro em deslocamentos curtos. “Aparentemente não tinha interesse dos carros em aceitar essas viagens, em aceitar corridas curtas. Eu também não queria ir a pé, por questão de segurança, mas o carro não atendia”, afirma.
“Eu uso mais o Uber porque consigo motorista mais rápido que em outros aplicativos, mas já tive dificuldade para conseguir carro e tive corridas canceladas”, relata Ana Katarina. Para ela, o tempo de espera é um motivo de frustração: “Eu preferiria um aplicativo que tivesse tempo de espera menor e que fosse mais fácil de encontrar carro.”
Maria Eduarda conta que já teve que esperar uma corrida por horas, mesmo sendo uma distância curta e revelou a estratégia de alguns motoristas para lucrar no “desespero” dos passageiros: “Já tive muitos problemas para conseguir veículo quando tem festas ou eventos grandes na cidade. Apesar do local de destino ser próximo, os motoristas aguardam o aumento do valor para lucrar mais ou pior, durante o São João, por exemplo, eles desligam o app para cobrar um preço mais alto no boca a boca. Acho isso absurdo!”.
Cidade turística, mas com mercado local: motoristas focam em estudantes e famílias
Embora seja um dos destinos turísticos mais conhecidos do Nordeste, a realidade do transporte por aplicativo em Natal não está ligada principalmente aos visitantes. Leonardo afirma que o turismo não tem peso na sua renda. “O turismo para mim não serve de absolutamente nada. Meu trabalho é focado em estudantes, trabalhadores e famílias”, diz.
Ainda assim, áreas como Ponta Negra seguem sendo pontos de concentração de movimento, sobretudo à noite e nos fins de semana. Gabriel Pereira reforça a imagem acolhedora da capital e a oportunidade de faturar: “Cidade bonita, pessoas acolhedoras, clima perfeito e em Ponta Negra sempre tem festas e bares abertos.”
Lei municipal regulamenta apps, mas motos seguem proibidas apesar da demanda
O transporte por aplicativo em Natal é regulamentado pela Lei Municipal nº 6.796/2019, sancionada em junho daquele ano. A norma determina que empresas como Uber e 99 só podem operar se credenciadas junto à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), responsável por fiscalizar motoristas e veículos cadastrados. Para rodar, os condutores precisam atender a requisitos como CNH com atividade remunerada, certidões negativas e vistoria anual de veículos com até dez anos de uso.
As plataformas têm liberdade para definir preços, inclusive com tarifa dinâmica, mas devem repassar ao município 1% do valor de cada corrida, recurso destinado a projetos de mobilidade e manutenção da malha viária. Embora não haja limite de motoristas cadastrados, quem atua fora das regras é enquadrado como transporte ilegal.
Quanto à modalidade Moto Uber, segundo a Lei Nº 5.022/1998: “É vedada a operação de serviço de transporte remunerado de pessoas em veículos tipo motocicleta, motoneta ou ciclomotor.” Embora não regulamentada, a demanda é crescente e já se consolidou como uma alternativa bastante utilizada pela população.
Para Maria Eduarda, a preferência é clara: “Motos são mais práticas de conseguir pelos apps e de transitar pela cidade, por questões de rapidez é o mais utilizado. Apesar de ser bem mais seguro andar de carro, eu prefiro usar moto pelos valores e velocidade de chegada aos lugares”, afirma.
Segundo ela, o uso desse serviço traz vantagens tanto para os trabalhadores quanto para quem depende dele no dia a dia. “Esse transporte também possui uma demanda maior aqui na capital, então facilita tanto para os motoristas que utilizam esse trabalho como forma de renda quanto para nós passageiros que necessitamos muitas vezes desse meio.”
A Prefeitura Municipal de Natal, assim como a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), foram procuradas para mais informações sobre regulamentação e projetos de mobilidade na cidade, mas até a data de publicação desta matéria não haviam se manifestado.