De uma média de R$ 1,50 por quilômetro em horários normais e até R$ 2,00 ou R$ 2,50 em horários de alta demanda, os valores caíram para R$ 1,00, R$ 1,10 ou R$ 1,20.

ponto de exclamacao .png
Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Kátia Anello, motorista de aplicativo. Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal.

Motorista relata desafios em Araraquara: calotes, boletins de ocorrência e corridas noturnas.

Kátia Anello iniciou sua jornada como motorista de aplicativo há oito anos, ainda na capital de São Paulo, e depois se mudou para Araraquara, localizada no interior do estado.

Filha e neta de taxistas, enxergou nas plataformas de transporte uma nova possibilidade de se reinventar e gerar renda. Hoje, a motorista roda cerca de 12 a 14 horas diárias, focando seu tempo principalmente em corridas noturnas, que, segundo ela, trazem maior retorno financeiro.

Anello se queixa das corridas em sua cidade: “Se você é o mesmo motorista e, neste mês, você já recebeu um calote, não tem direito a mais nenhum. O problema do calote é você se virar com o passageiro na rua para receber. Eu, particularmente, acabei acumulando uma quantidade de boletins de ocorrência gigantesca”, diz.

Ela relata dificuldades com a opção dos passageiros de pagar na próxima corrida: “Eu não fico sem receber o valor da corrida. Então, de um jeito ou de outro, eu vou receber. Infelizmente, Araraquara é campeã no calote. E eu falo simplesmente que vou para a delegacia”.

Ela conta que, em algumas situações, já se dirigiu à delegacia com os passageiros ainda durante a corrida. E completa: “Eu apanhei duas vezes: uma dentro do carro, outra já fora. Minha filha também é motorista por aplicativo e já teve esse problema de sair no soco com passageiro na frente da polícia, das duas serem recolhidas para a delegacia”.

Kátia também relata sobre a infraestrutura de Araraquara, citando ruas esburacadas: “Já gastei muito dinheiro com suspensão, pneu, alinhamento, coisas que poderiam ser evitadas se houvesse mais cuidado com a cidade”.

Recentemente, ela relatou que foi iniciada uma ação porque, segundo ela, a Uber opera de forma ilimitada, no sentido de não ter controle. Ela explicou que a plataforma não estabelece limites para nada. No município, há uma regulamentação que exige que os veículos tenham no máximo 10 anos de fabricação. No entanto, a Uber, de acordo com Kátia, desrespeitou essa regra e sucateou ainda mais o mercado, permitindo carros de até 15 anos.

A trabalhadora também mencionou que, atualmente, há relatos em grupos de motoristas sobre veículos em condições precárias, como carros com duas portas e até com para-choques amarrados. Segundo ela, essa falta de controle transformou o mercado em uma verdadeira desordem.

Você acredita que os ganhos com as plataformas são justos?

Não, de forma alguma. Hoje, se você pegar os últimos três meses, a situação, que já era ruim, ficou ainda pior. Antes, a maioria das corridas pagava uma média de R$ 1,50 por quilômetro, quando o ideal seria, no mínimo, R$ 2,00 para garantir um lucro satisfatório.

A situação começou a se agravar com a transição da PL-12 em Brasília e as mudanças que a Uber claramente fez para se ajustar a essa nova legislação. A empresa reduziu ainda mais os valores pagos aos motoristas.

De uma média de R$ 1,50 por quilômetro em horários normais e até R$ 2,00 ou R$ 2,50 em horários de alta demanda, os valores caíram para R$ 1,00, R$ 1,10 ou R$ 1,20. Antes, tínhamos as dinâmicas, que ajudavam a compensar as corridas feitas fora desses horários de pico. No entanto, agora, essas dinâmicas praticamente desapareceram.

Quando aparecem, são muito baixas, algo como R$ 0,50 ou R$ 0,75 adicionais, o que, somado aos novos valores-base, não chega nem ao antigo patamar de R$ 1,50 por quilômetro.

Eu trabalho mais à noite, pois prefiro esse horário apesar dos riscos. À noite, a quantidade de motoristas reduz significativamente, principalmente após a meia-noite, e isso me permite filtrar melhor as corridas e aumentar um pouco meus ganhos. Mas, para quem trabalha durante o dia, está praticamente inviável. Muitos motoristas vão acabar desistindo.

A situação não é exclusiva da Uber. As outras plataformas, como 99, seguem os mesmos passos. Quando a Uber reduz os valores ou altera alguma coisa, as outras empresas acompanham. Aqui em Araraquara, há algumas iniciativas regionais tentando mudar isso.

O problema dessas novas plataformas é que lançar algo assim em dezembro não faz sentido. Dezembro é um mês crítico, em que todos os motoristas estão focados em ganhar o máximo possível para enfrentar as despesas do início do ano, como IPVA, IPTU, material escolar, entre outras contas pesadas. Investir em plataformas novas, que ainda não têm volume suficiente de corridas, é arriscado.

Talvez, se elas vingarem, isso só ocorra a partir de março, quando o movimento começa a se estabilizar novamente. Até lá, continuar com Uber e 99 ainda é uma necessidade, mesmo com todas as dificuldades.

Como funciona a questão da segurança em sua região?

O trabalho noturno é sempre mais perigoso, mas aqui, em algumas áreas, chega a ser assustador. Já tive que sair correndo de situações onde percebi que era emboscada. Já precisei acionar outros motoristas para ajudar a sair de bairros perigosos. Isso, claro, gera um estresse enorme.

Mas, como eu disse, gosto de trabalhar à noite porque ainda consigo filtrar melhor as corridas. Durante o dia, a quantidade de motoristas é muito maior, e a disputa pelas corridas acaba reduzindo ainda mais os ganhos.

Além disso, Araraquara é uma cidade universitária, então há um fluxo maior de jovens utilizando as plataformas, principalmente à noite. Muitos são tranquilos, mas também há aquele público que dá trabalho, que não respeita, que tenta dar calote.

Então, você tem que estar o tempo todo atenta, sempre analisando o perfil do passageiro, avaliando o ponto de embarque e desembarque. É um trabalho que exige muito mais do que apenas dirigir.

No geral, o que percebo é que o motorista de aplicativo está cada vez mais desvalorizado, não só aqui, mas em todo lugar. As plataformas tiram o que podem da gente e, com isso, muitos estão desistindo. Já pensei em parar várias vezes, mas é o que tenho no momento.

Eu gosto do que faço, gosto de lidar com as pessoas, mas confesso que, às vezes, é difícil manter a motivação.

Quais políticas públicas têm sido implementadas em Araraquara?
O município não tem feito absolutamente nada. Existe um órgão dentro da prefeitura chamado Coopera, que cria cooperativas. Dentro disso, surgiu a Morada, uma cooperativa que lançou um aplicativo próprio. Mas, para além disso, nada é feito para os motoristas que não fazem parte dessas iniciativas. Em Araraquara, estima-se que existam 1.500 a 1.700 motoristas. A cooperativa tem apenas 70 ou 80.

Em 2020, apresentamos um projeto para regulamentação com pontos de embarque e desembarque e outras melhorias. A Câmara aprovou, mas, quando chegou na prefeitura, o mandato acabou e nada foi feito. Ficou por isso mesmo. Não temos nenhum respaldo.

O que você espera para o futuro, tanto em Araraquara quanto em âmbito nacional?
Espero que o decreto de hoje comece a fazer efeito, diminuindo a quantidade de carros na rua. Com menos carros, talvez a Uber e a 99 entendam que os valores que nos pagam hoje estão defasados.

Quanto à PL-12, sinceramente, não espero nada. Ela não resolve nossos problemas e, se aprovada, vai acabar com os motoristas. Ela não regulamenta a plataforma, só joga tudo em cima de nós.

Por outro lado, temos o deputado Daniel Agrobom e sua PL 536, que é a única que realmente atende as necessidades dos motoristas. Se essa fosse aprovada, seria o que precisamos. Mas a PL-12 é um tiro no pé. Se for aprovada, muitos vão desistir, e a Uber continuará sobrevivendo sobre o desespero das pessoas.

É isso que penso. Espero que consigamos melhorar, pelo menos em nível municipal, mas não espero grandes mudanças nacionais enquanto essas políticas continuarem como estão.

Pesquisar