Motoristas e entregadores barrados nas plataformas recorrem a contas falsas e/ou alugadas para trabalhar.
No dia 24 de abril, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro prendeu três motoristas de aplicativo acusados de fornecer informações falsas para gerar novas contas nos aplicativos de transporte. A operação destacou um problema neste setor: as contas falsas. Através das redes sociais, grupos vendem dados para motoristas que foram barrados na hora de se cadastrar nos aplicativos.
A Operação Motorista Fantasma foi realizada pela DAIRJ – Delegacia do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – Galeão. De acordo com as investigações, os motoristas usavam dados falsos obtidos pela internet para enganar as plataformas. “Essa ação prejudicava os demais motoristas e colocava em risco os usuários, que desconheciam que estavam viajando com motoristas não verificados”, informou a polícia em comunicado, após a prisão dos motoristas.
Relatos de Vítimas
Carlos Magalhães, de Cascavel, foi uma das vítimas afetadas por esse tipo de golpe e teve sua conta da Uber roubada: “Hackearam a minha conta. Descobri que fui desconectado do aplicativo, e entrei em contato com a Uber e eles me informaram que eu tinha entrado na minha conta com outro celular, o que não aconteceu. Fiquei 6 meses bloqueado na Uber sem poder trabalhar. Só consegui um retorno, depois de 6 meses de peleja para ser desbloqueado, porque o suporte alegava que minha conta estava em outro celular e que outra pessoa estava usando.”
O motorista finaliza: “Mas depois de todo esse tempo, bloquearam a conta fraudada e me deram a minha verdadeira volta. Isso me prejudicou muito, pois além de roubarem os seus dados, ainda clonam a conta dos motoristas inocentes.”
O problema do roubo das contas traz à tona a quantidade de motoristas expulsos pelas plataformas, sendo que uma vez expulso, o motorista não pode retomar seu cadastro com o mesmo CPF. Sem os apps de mobilidade como fonte de renda, esses motoristas vão em busca de alternativas para reaver a sua conta, e é nesse momento que entram os grupos de hackeadores.
Modus Operandi das Quadrilhas
Na Operação Fantasma, no Rio de Janeiro, as quadrilhas se aproveitam de motoristas comuns da plataforma, sem nenhum problema com expulsão dos aplicativos, para roubar os dados e inserir em novos perfis, para aqueles que foram proibidos de atuar. Segundo reportagem do UOL, as contas falsas para a Uber podem variar entre R$400 e R$700, e as do aplicativo 99 custam a partir de R$1 mil. Para alugar, ficam em R$140 por semana.
O tempo de espera para estabelecer um espaço de trabalho nas plataformas usando documentos roubados pode durar até uma semana. De acordo com os dados do “Jornal Opção”, esse período considera o tempo necessário para que os golpistas criem a conta e para que ela seja aprovada pela Uber ou 99.
Consequências Legais e Termos de Conduta dos Aplicativos
Lorena Carvalho é advogada especialista em direito da família e do consumidor, e afirma: “Tanto os motoristas que compram as contas, como os que vendem, podem responder pelos crimes de estelionato, falsidade ideológica e de falsa identidade.” A advogada ainda explica que a pena pode chegar até 10 anos de prisão.
O termo de conduta da Uber abrange as seguintes informações: “Além de serem perigosas, fraudes podem prejudicar a confiança. É proibido falsificar informações ou assumir a identidade de outra pessoa, por exemplo, durante o cadastro ou a checagem de antecedentes. Forneça informações corretas ao relatar incidentes, criar e acessar suas contas da Uber, contestar cobranças e taxas e solicitar créditos. Solicite apenas valores e reembolsos a que você tem direito e use corretamente as ofertas e promoções. Não conclua transações inválidas propositalmente”.
Enquanto a 99 afirma: “As informações da Conta são de exclusiva responsabilidade de quem as inseriu. No caso de acarretarem danos ou prejuízos de qualquer espécie, as medidas cabíveis podem ser tomadas pela 99 a fim de resguardar seus interesses e a integridade de Passageiros, demais Motoristas/Motociclistas Parceiros do Aplicativo e da própria 99”.
O iFood comunica em seus termos que: “Em relação à segurança da informação, nossos Parceiros devem cumprir com todos os requisitos de segurança da informação e comprometer-se a seguir os itens a seguir: proteger as informações contra acesso, modificação, destruição ou divulgação não autorizada, mantendo a sua confidencialidade”.
E por fim, a plataforma Rappi declara em seus termos e condições de uso de plataforma virtual que todos os documentos e informações cadastrais enviados à plataforma devem ser autênticos, atuais e verdadeiros.
O 55content foi em busca da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, que respondeu: “Checamos com a Polícia Civil e, por ora, não foram localizados registros de acordo com os casos citados”. E até o momento da publicação da matéria, a Polícia Civil do Rio de Janeiro não retornou com mais detalhes da investigação da “Operação Motorista Fantasma”.
Procurados para se pronunciar sobre o assunto, iFood, Rappi e 99 decidiram não participar. Enquanto a Uber não retornou o contato até a publicação da matéria.
Empresas investem em tecnologia para impedir fraudes
As grandes empresas de tecnologia criam setores e projetos para impedir este tipo de fraude. No ano passado, durante o Web Summit Rio, diretor de tecnologia do iFood, Ciro Verdi, e o engenheiro da empresa, André Morais, apresentaram um trabalho que a empresa vinha realizando nos últimos meses para combater as fraudes nos cadastros de entregadores.
“A comunidade de entregadores é muito forte e eles compartilham suas experiências. As boas, mas também comportamentos ruins”.
Segundo ele, na América Latina, o compartilhamento de contas é algo comum, tornando um desafio para empresas de tecnologia que trabalham na região, incluindo o iFood. “O principal problema é que estudos indicam que pessoas que usam contas testadas ou alugadas tendem a cometer fraude. Existem quadrilhas especializadas”.
Os representantes da empresa explicaram que contas emprestadas ou adulteradas são o principal motivo de bloqueio de entregadores.
Em 2020, o iFood criou sua primeira solução de reconhecimento facial e, no ano seguinte, a empresa passou a usar o Rekognition, uma ferramenta da Amazon. Mesmo assim, ainda havia fraudes com utilização de máscaras, fotos ao fundo, diminuição de luminosidade, além dos casos de quem tirava foto de foto ou foto de vídeo. Por isso, era necessário aperfeiçoar a tecnologia para casos específicos. “Tivemos casos de pessoas que imprimiam camisas com o rosto de outra pessoa para enganar o sistema”, lembrou Morais.
Em junho de 2022, o iFood passou a trabalhar em uma nova solução e, entre julho e setembro, uma equipe de 2 engenheiros do iFood e outros 2 da Machine Learning Solutions Lab da AWS passou a desenvolver uma nova tecnologia. Essa tecnologia consiste em ensinar a máquina a identificar as principais formas de fraude e não confundir um entregador que apenas tirou uma foto sem qualidade com um que está tentando se passar por outra pessoa.
Em setembro de 2022, a nova tecnologia passou pelo teste final e foi implementada em dezembro. Desde a implementação da tecnologia, o iFood teve três vezes menos pedidos de contestação por erro na verificação facial, três vezes mais assertividade na classificação do resultado e quatro vezes mais casos de pessoas que tiravam foto da foto foram identificados. “Sabemos que a maioria é honesta, por isso queremos que o modelo entenda o que é e o que não é uma fraude”, explicou o engenheiro do iFood.