O que realmente assusta a Uber? Não é pagar melhor os motoristas

A Uber só se importa que as viagens aconteçam — de preferência, sem custo e sem responsabilidade.

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Opinião
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Homem de meia-idade com barba e cabelos grisalhos, usando óculos e camisa social azul, olha diretamente para a câmera em um ambiente interno com iluminação suave.
Foto: Cláudio Sena para 55content

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Sabe o que realmente causa pavor na Uber? Não é o risco de, por meio de uma regulamentação, ser obrigada a pagar um valor justo ao motorista ou reajustar a tarifa. O que realmente tira o sono da Uber é o risco de ser responsabilizada conjuntamente por tudo o que os motoristas fazem durante as viagens. Se isso acontecer, pode ter certeza: o funcionamento da empresa vai mudar completamente. E será uma mudança muito mais significativa do que se ela fosse apenas obrigada a corrigir o valor da tarifa.

E por que eu afirmo isso? Porque a Uber funciona com tanto sucesso justamente por não ter o nível de responsabilidade que se espera de uma empresa do seu porte. Por exemplo, quando um motorista comete um crime ou um deslize, qual é a reação da empresa? Ela solta uma nota de repúdio, bloqueia a conta do motorista e presta assistência psicológica à vítima. E só. Nada além disso.

Por que essa postura? Porque, no momento em que o motorista é admitido na plataforma, não há uma análise criteriosa. Apenas é exigido que ele apresente antecedentes criminais, documentação e pronto.

A Uber quer apenas que as viagens aconteçam — sem custo e sem responsabilidade. Ela praticamente não tem nenhum gasto com a operação. E também não quer ter nenhuma obrigação. Recentemente, um motorista aqui de Salvador assediou uma passageira de forma explícita. Todo mundo viu o caso, que viralizou nas redes sociais. O homem tentou alisar a passageira, e tudo ficou registrado num vídeo feito pela própria vítima.

E o que a Uber fez? Publicou uma nota de repúdio, excluiu o motorista da plataforma e informou que colocou à disposição da vítima o portal MeToo como forma de suporte. Só isso. E mais nada.

É claro que um crime dessa natureza pode ser cometido por qualquer pessoa, em qualquer empresa. No entanto, a probabilidade é bem menor quando, no processo de seleção de quem vai prestar o serviço — seja de forma direta como seletista ou indireta como terceirizado —, existem critérios mais rigorosos. E na Uber, não há absolutamente nada disso.

Uma regulamentação que não seja elaborada pelo governo em conjunto com a Uber, mas que obrigue a empresa a assumir um nível de responsabilidade por todos os atos cometidos por motoristas durante as viagens, pode ter certeza: faria com que ela endurecesse as regras para admitir motoristas.

E você, motorista, acha que essas regras já são exigentes demais? Vale lembrar que, para o passageiro, a exigência é praticamente nenhuma: apenas aquela documentação básica e nada além. Isso é muito frágil. Tanto que uma pessoa criminosa pode ser cliente da Uber — o que não seria permitido se ela quisesse ser motorista.

Ainda assim, não há nada que obrigue a empresa a se responsabilizar, nem no processo de cadastro do motorista, nem do passageiro. Assim, diante de crimes cometidos tanto por passageiros contra motoristas quanto por motoristas contra passageiros, a Uber se limita ao protocolo formal: soltar uma nota, se solidarizar com a vítima, dizer que está colaborando com as autoridades… e nada mais.

E aí eu pergunto: até quando o Estado brasileiro vai continuar assistindo de camarote a tudo isso que a Uber faz, sem exigir dela o nível de responsabilidade que já é cobrado de outras grandes empresas?

Um forte abraço e até o próximo encontro.

Foto de Cláudio Sena
Cláudio Sena

Cláudio Sena iniciou sua trajetória como motorista de aplicativo em 2016, quando começou a trabalhar com a Uber.

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