Na noite do dia 27 de janeiro de 2025, o 55content Premium recebeu dois nomes do universo dos aplicativos de mobilidade para discutir um tema que desperta o interesse de qualquer empreendedor: como captar investimentos para escalar um negócio.
O encontro, realizado virtualmente, contou com a participação de Sérgio Brito Gomes, fundador da Te Levo, e Luiz Neves, cofundador do StopClub, que compartilharam suas trajetórias e os desafios superados para conquistar investidores.
Do direito ao empreendedorismo social
Luiz Neves iniciou o bate-papo contando sobre sua mudança radical de carreira. Advogado tributarista por mais de uma década, ele ocupava uma posição consolidada e confortável no mercado. No entanto, durante uma viagem de volta de Brasília, após ganhar um julgamento importante, percebeu que sua atuação estava distante da “economia real”.
“Eu só sabia que aquela empresa não devia imposto de renda, mas não sabia nada sobre o que realmente movia aquele negócio, nem sobre as pessoas que trabalhavam nele”, revelou Luiz.
Movido pelo desejo de gerar impacto, ele deixou o escritório para se dedicar à revitalização de uma área abandonada do Jockey Club do Rio de Janeiro, transformando-a em um espaço gastronômico e cultural de referência. O sucesso da empreitada despertou nele o gosto por criar e inovar.
Foi então que surgiu o StopClub, fruto de uma inquietação trazida por seu sócio, Pedro. “Você já parou para pensar como é difícil a vida do motorista de aplicativo?”, perguntou Pedro, plantando a semente que daria origem à plataforma. Para entender melhor a realidade desses profissionais, Luiz e Pedro fizeram 100 corridas no Rio de Janeiro entrevistando motoristas. O resultado? Descobriram um mercado carente de soluções e oportunidades para desenvolver um aplicativo voltado para o bem-estar e suporte dos motoristas.
Da rua ao comando de uma empresa
Na sequência, Sérgio Brito Gomes trouxe uma história ainda mais emocionante. Hoje CEO da Te Levo Mobile, há apenas três anos Sérgio era morador de rua. Durante a pandemia, ele perdeu o emprego no hotel onde trabalhava e decidiu investir todo o valor de sua rescisão na locação de um carro para trabalhar como motorista de aplicativo.
Com o nome negativado e sem crédito, Sérgio enfrentou dificuldades para alugar o veículo, sendo obrigado a pagar três meses adiantados. Enquanto em casa sua família enfrentava dificuldades básicas, ele deu um passo ousado para tentar mudar de vida.
Porém, os desafios não pararam por aí. Após um episódio em que levou um tapa de uma passageira e acabou sendo banido do aplicativo em que trabalhava, Sérgio decidiu que era hora de criar sua própria plataforma — uma que valorizasse o motorista como protagonista e oferecesse mais suporte e segurança. Assim nasceu a Te Levo, que hoje se destaca no mercado, unindo tecnologia e propósito.
O papel do investimento na virada de chave
Ao longo do evento, ambos os convidados detalharam como conseguiram captar investimentos essenciais para tirar suas ideias do papel e escalar suas operações. Sérgio enfatizou a importância de buscar investidores que acreditassem não só na rentabilidade do negócio, mas também na transformação social proposta pela Te Levo.
Já Luiz destacou que, no caso do StopClub, o foco foi mostrar aos investidores a dor real dos motoristas, respaldada pelas entrevistas feitas no início do projeto. Com dados concretos e um propósito claro, conseguiram atrair parceiros estratégicos para alavancar a plataforma.
O evento marcou o início do calendário semanal de encontros promovidos pelo 55Content Premium, voltados para donos de aplicativos regionais e motoristas empreendedores de todo o Brasil. “Queremos que cada evento seja uma troca verdadeira de experiências, fortalecendo nossa comunidade e mostrando caminhos possíveis para quem está construindo seu próprio negócio”, destacou Vinícius, anfitrião da noite.
Seja você um motorista, dono de aplicativo ou alguém que deseja empreender, as histórias de Luiz e Sérgio deixam claro: com coragem, propósito e estratégia, é possível transformar dificuldades em oportunidades e atrair os recursos certos para crescer.
Convencendo um investidor com pão de queijo e um bom projeto
Sérgio Brito Gomes abriu o momento mais esperado da noite contando, com seu jeito espontâneo e sincero, como conseguiu convencer um investidor local a apostar na Te Levo.
Após ser banido de um aplicativo de mobilidade, Sérgio decidiu transformar sua indignação em ação. Ele começou a desenhar, com atenção a cada detalhe, o aplicativo que gostaria de ter como motorista: um app com carro de apoio, clube de benefícios, cartão saúde e uma central de atendimento acolhedora.
Mas faltava um fator essencial: capital. Sérgio calculou que precisaria entre R$ 35.000 e R$ 45.000 para dar vida ao projeto. Na prática, ele tinha apenas R$ 20 no bolso. Foi aí que entrou uma estratégia inusitada.
Além de trabalhar como motorista, Sérgio e sua esposa, Mara, produziam e vendiam pão de queijo para complementar a renda. Um de seus maiores clientes era Musso, dono de um posto de gasolina local. Com a confiança já estabelecida, Sérgio viu nele uma oportunidade.
Antes, porém, testou seu argumento em casa: apresentou todo o plano para sua esposa, simulando uma venda difícil. “Falei pra ela que era como se eu estivesse vendendo uma passagem só de ida pra Marte”, brincou Sérgio. Ao final da apresentação, Mara, emocionada, garantiu que aceitaria embarcar. Era o sinal de que seu pitch estava afiado.
Ele então levou a proposta ao investidor, munido de um material visual bem estruturado — inspirado, inclusive, em um modelo disponibilizado por uma plataforma do setor. Sérgio sabia que precisava transmitir segurança e visão de longo prazo. “Apresente sempre algo com começo, meio e que nunca tenha fim”, aconselhou.
O resultado? Musso topou investir R$ 45.000 e ficou com 30% da Te Levo, que, na época, existia apenas no papel. Sérgio não só conseguiu tirar a empresa do zero, como um ano atrás teve a satisfação de recomprar a participação do investidor inicial.
Persistência, aprendizados e um pitch bem treinado
Na sequência, Luiz Neves compartilhou a trajetória da StopClub e seus altos e baixos na captação de recursos. O cofundador revelou que, no início, a sorte pareceu sorrir para eles: o primeiro investidor que conheceram decidiu aportar capital logo após uma semana de conversa.
Mas o caminho não foi linear. Depois desse primeiro aporte, a empresa enfrentou diversas crises de caixa, chegando a situações extremas em que ele e seu sócio precisaram colocar dinheiro do próprio bolso para manter as operações.
“O jogo é de números. Você tem que estar preparado para ouvir muitos ‘nãos’ e mesmo assim manter a energia alta em cada reunião”, destacou Luiz. Ele também reforçou a importância de praticar o pitch com amigos e familiares, algo que Sérgio também havia mencionado.
Apesar da timidez natural, Luiz contou que testou seu discurso com todos ao seu redor, não só para ganhar confiança, mas também para ajustar sua mensagem. “Ainda que essas pessoas não sejam seus investidores, são quem mais torce por você”, aconselhou.
Para ele, uma das maiores lições do processo foi aprender a blindar sua equipe das negativas, para não contaminar o moral do time. “O investidor pode dizer que sua ideia é absurda, mas você não pode deixar que isso abale sua convicção ou chegue aos seus sócios.”
Material bem feito, mercado grande e a pessoa certa: os três pilares do investimento
Luiz Neves deixou claro que o primeiro passo é organizar suas ideias e estruturar um bom material. “Você precisa conseguir materializar o que quer vender”, explicou. Segundo ele, não basta ter uma boa ideia — é fundamental saber apresentá-la de forma clara, objetiva e, de preferência, visualmente atraente.
Mas além de uma boa apresentação, Luiz revelou o que considera as três grandes perguntas que passam na cabeça de qualquer investidor:
- O mercado é grande?
Investidores querem negócios com potencial escalável. Quanto maior o mercado, maior o interesse. - Você é a pessoa certa para fazer isso acontecer?
Sua trajetória, competências e postura contam muito. O investidor precisa acreditar em quem está liderando o projeto. - Qual é a solução que você oferece?
Apesar de ser importante, Luiz reforçou que a solução pode ser ajustada ao longo do caminho. O essencial é a capacidade de aprender e adaptar.
Depois de estruturar o material e ter clareza nesses pontos, ele recomenda listar todas as possíveis pessoas e fundos com quem gostaria de conversar. Mas com uma estratégia: começar pelos contatos que não têm problema em dizer “não”, para ir ajustando o discurso. “Quando chegar no investidor ideal, seu pitch já estará afiado.”
“Invista em você primeiro”: confiança antes de tudo
Sérgio Brito reforçou o ponto de Luiz com um toque pessoal. Ele contou que seu primeiro investidor foi justamente o primeiro empresário que procurou, e atribui isso à convicção que construiu antes mesmo de sair para captar.
“Antes, quis convencer alguém próximo, minha esposa. Quando consegui, eu tinha certeza de que conseguiria convencer qualquer investidor”, contou.
Ele também destacou que os investidores investem na pessoa. “Se o investidor vê que você é firme, sabe onde quer chegar e tem respostas para as perguntas, ele confia.”
Sérgio ainda compartilhou uma notícia de peso: recentemente, a Te Levo fechou uma parceria como embaixadora da Coca-Cola em sua região, e o dono da Coca-Cola local fará um investimento expressivo na empresa. “Primeiro, cuide de você. Depois, as borboletas — ou os investidores — pousam no seu jardim”, aconselhou, fazendo alusão à famosa frase de Mário Quintana.
A rodada de R$ 5,9 milhões: números e muito aprendizado
Encerrando o evento, Luiz detalhou um dos momentos mais comentados da trajetória do StopClub: a rodada de investimento de R$ 5,9 milhões, realizada em 2024.
Ele contou que o processo foi longo e exigente. Foram necessárias 67 reuniões com investidores até encontrarem aquele que lideraria a rodada. “A cada conversa, eu anotava tudo: o que impressionava, quais críticas apareciam, quais pontos eu precisava melhorar.”
Uma dica valiosa trazida por Luiz foi a importância de conhecer bem quem está do outro lado da mesa. Ele revelou que, antes das reuniões, pesquisava profundamente sobre os investidores — assistia entrevistas, lia artigos e entendia suas preferências. “Não é blefar ou mentir, é alinhar seu discurso para que ele faça sentido para quem está ouvindo.”
O processo exigiu paciência, resiliência e capacidade de aprimorar o pitch a cada não recebido. “Já teve investidor dizendo que não fazia sentido nenhum o que eu estava propondo. Mas é aí que entra sua convicção. Você precisa acreditar mais do que ninguém.”
Comece pelo ecossistema local: investidores que podem crescer com você
Sérgio Brito trouxe um ponto essencial para quem comanda um app regional: buscar investidores que tenham sinergia direta com o seu mercado.
Ele compartilhou que, ao procurar seu primeiro investidor, optou por um empresário da cidade — dono de uma rede de postos de combustíveis. E a escolha não foi aleatória. Ele construiu seu pitch mostrando como o sucesso da Te Levo traria benefícios para o posto: mais motoristas abastecendo, fazendo troca de óleo e lavando os carros.
“Eu não queria apenas um investidor, queria criar um ecossistema em que ambos ganhassem”, explicou. Sérgio também recomendou empresários locais que podem ter esse alinhamento estratégico: postos de combustível, autopeças, auto centers e serviços automotivos em geral.
Do pequeno ao grande investidor: o racional é o mesmo
Luiz Neves complementou destacando que, independentemente do tamanho do investidor, a lógica permanece igual: encontrar pessoas ou fundos que possam agregar além do dinheiro, seja pelo mercado em que atuam, seja pela sinergia com seu modelo de negócio — o chamado “smart money”.
Ele contou que, recentemente, chegou a conversar com um fundo ligado à Vivo, justamente pelo entendimento de que, além do carro, uma necessidade básica dos motoristas é um celular com acesso à internet. “Mesmo que a negociação não tenha avançado, foi o mesmo raciocínio: buscar conexões que façam sentido para o negócio.”
Quanto da empresa oferecer? Proteja seu controle
Um dos momentos mais valiosos do debate foi quando os empreendedores falaram sobre a fatia da empresa oferecida aos investidores.
Sérgio explicou que, no seu caso, definiu antes da negociação que não abriria mão de mais de 40% da Te Levo. “Eu queria manter o controle do negócio, porque sabia que era algo que estava nascendo das minhas ideias e da minha visão.”
Ele compartilhou ainda que, tempos depois, teve a oportunidade de recomprar os 30% do investidor inicial — uma decisão facilitada por ter preservado a maior parte da empresa desde o início.
Luiz reforçou o alerta, destacando um erro muito comum: empreendedores cederem 50% ou mais da empresa logo na primeira negociação, muitas vezes com um parente ou conhecido. “Isso pode matar o futuro do negócio, limitar suas opções para rodadas futuras e gerar conflitos.”
Ele defendeu que, desde a primeira rodada, é importante estruturar um plano claro sobre quanto capital é necessário e como ele será usado. Transparência sobre remuneração, contratação de equipe e expansão evita problemas futuros. Além disso, é essencial alinhar com o investidor qual será sua participação prática no negócio: apenas capital ou também envolvimento direto.
“Dinheiro é commodity. Investidor certo, não.”
Luiz encerrou com uma reflexão direta: “Dinheiro existe. O que falta às vezes é gastar sola de sapato, falar com muita gente e manter seu sonho alinhado com as pessoas certas.”
Ele alertou que trazer para dentro do negócio um investidor desalinhado, só pela facilidade do cheque, pode comprometer todo o projeto. Casos de empreendedores que acabam desistindo ou vendendo barato por conta de sócios problemáticos são mais comuns do que se imagina.
Ter sócio: um casamento sem bônus (mas com grandes recompensas)
Luiz Neves foi direto ao ponto ao comparar a relação com sócios a um casamento. No seu caso, ele e Pedro, seu sócio no StopClub, já eram amigos de infância, mas isso não significava que trabalhar juntos seria fácil. Pelo contrário: antes mesmo de formalizarem a parceria, eles investiram tempo em conversas profundas sobre pontos que poderiam gerar atrito no futuro.
“Perguntamos um ao outro coisas pessoais, como quanto tempo aguentaríamos sem dinheiro, ou se questões familiares poderiam influenciar decisões. É essencial tirar todos os elefantes da sala logo no início”, explicou Luiz.
Ele reforçou que o maior motivo de falência das empresas no Brasil não é falta de dinheiro, mas desalinhamento entre sócios. Por isso, defendeu a importância de discutir as expectativas, papéis e alçadas de cada um desde o começo.
Além disso, compartilhou um exemplo de sensibilidade no relacionamento: durante um momento crítico da empresa, em que ambos trabalhavam intensamente e enfrentavam pressões financeiras, ele sugeriu ao sócio usar os pontos acumulados do cartão da empresa para um fim de semana com a família. Pequenos gestos, mas que fazem diferença na manutenção da parceria e da saúde emocional dos fundadores.
Transparência sempre: a base para evitar conflitos
Sérgio Brito, por sua vez, mesmo tendo tido um sócio apenas no início da Te Levo, reforçou um princípio que considera fundamental: ser verdadeiro em qualquer circunstância.
Ele destacou que, ainda que certas verdades causem desconforto no momento, elas evitam problemas maiores no futuro. “Não tente levar vantagem, nem passar por cima do outro. Seja sincero, mesmo que doa. A verdade não deixa espaço para ressentimento.”
O que gostariam de saber antes de começar
Ao final do encontro, Izabelle Souza, especialista em marketing, fez uma pergunta direta: O que vocês sabem hoje e gostariam de ter sabido lá atrás, quando buscaram seu primeiro investimento?
Luiz Neves foi categórico: “Eu não sabia que ia ser tão difícil quanto foi. Empreender é abrir mão da estabilidade, viver altos e baixos, e emocionalmente é pesado. O que aprendi é que, antes de qualquer conquista, vem um período difícil — sempre.”
Ele comparou o processo ao ato de construir uma asa-delta enquanto já está no ar, torcendo para não cair antes de terminar. Para ele, entender e aceitar essa dificuldade como parte do caminho teria feito diferença.
Sérgio completou com seu estilo direto: “No empreendedorismo, não existe plano B. O plano B é fazer o plano A dar certo.” Ele reforçou que, mesmo com o crescimento da Te Levo e novas oportunidades surgindo, seu foco continua o mesmo: pensar grande e manter as metas altas.
Para ele, empreender é mais do que buscar retorno financeiro; é viver experiências impossíveis dentro da segurança da CLT. “Só o empreendedorismo me fez sair de um motorista de aplicativo há três anos para ser parceiro de grandes empresários e conhecer gente como o Luiz. É difícil? É. Mas vale a pena.”