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“As notas dadas pelos passageiros impactam a distribuição de corridas, a permanência dos motoristas na plataforma e até sua remuneração média”, diz Renan Kalil

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Renahn Bernardi Kalil Foto: Reprodução/TV Justiça

Procurador diz que quanto maior a nota do motorista, maior a quantidade de promoções e corridas recebidas e que motoristas com baixa avaliação podem ser bloqueados ou suspensos unilateralmente. 

Durante audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a regulação do trabalho por aplicativos, o procurador do trabalho Renan Kalil apresentou argumentos em defesa do reconhecimento da relação de emprego entre motoristas e a Uber. Ele afirmou que a empresa exerce controle sobre os trabalhadores de forma ampla e detalhada, configurando uma dinâmica de subordinação típica de vínculos empregatícios.

Kalil começou explicando que a Uber não é, em si, uma plataforma digital, mas sim a proprietária de uma. “Plataforma digital é uma infraestrutura utilizada pela empresa para organizar e programar os elementos de sua atividade econômica. Trata-se de uma máquina, um artefato técnico”, afirmou. Para ele, o debate deve focar na relação entre a Uber, enquanto agente econômico que usa a plataforma como instrumento, e os motoristas.

O procurador destacou que a Uber se apresenta como uma empresa de tecnologia e intermediadora, mas essa definição, segundo ele, está longe da realidade. “Ninguém acessa o aplicativo da Uber para comprar tecnologia ou procurar um motorista específico. Essa possibilidade não existe. O que o cliente busca é a prestação de um serviço de transporte, e é isso que a empresa oferece”, declarou.

Para reforçar seu ponto, Kalil lembrou que, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a Uber solicitou registro como empresa de transporte, o que contradiz a ideia de que seria apenas uma mediadora tecnológica.

Renan Kalil apontou que a Uber utiliza algoritmos como instrumento central para gerenciar a atividade dos motoristas. “Os algoritmos devem ser entendidos como conjuntos de etapas programadas para resolver problemas ou executar tarefas. Eles são programados por seres humanos para atender interesses específicos – no caso, os interesses comerciais e econômicos da Uber”, explicou.

Entre as atividades gerenciadas pela empresa, Kalil mencionou a distribuição de tarefas, o controle do tempo para a realização de atividades, a avaliação dos motoristas e a aplicação de sanções. “O sistema de avaliações, por exemplo, é um dos principais instrumentos de controle. Quanto maior a nota do motorista, maior a quantidade de promoções e corridas que ele recebe. Por outro lado, motoristas com baixa avaliação podem ser bloqueados ou suspensos unilateralmente”, detalhou.

A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) foi outro ponto destacado pelo procurador. Ele mencionou a Ação Civil Pública nº 10.13.79-33.2021-502-0004, em tramitação no Tribunal Regional do Trabalho, na qual a Uber apresentou documentos digitais que incluíam cadastros de motoristas, históricos de transações, notificações e bloqueios.

Esses documentos foram analisados em um relatório produzido pelo MPT, que revelou como a Uber controla a atividade dos motoristas. “A empresa monitora dados pessoais, valores recebidos, número de corridas realizadas, períodos de atividade e inatividade, notas dos clientes, entre outros elementos. Essas informações são usadas para aplicar sanções, distribuir corridas e definir promoções”, afirmou Kalil.

O procurador ressaltou que os algoritmos utilizados pela empresa criam estímulos para que os motoristas sigam as metas e regras estabelecidas unilateralmente pela Uber. “As taxas de aceitação e cancelamento, por exemplo, afetam diretamente a quantidade de trabalho que os motoristas recebem. A Uber controla quem pode dirigir por meio da plataforma, impõe regras de trabalho e aplica punições como suspensões e bloqueios definitivos”, disse.

Kalil também comparou o caso da Uber com decisões anteriores do STF em relação a provedores de redes sociais e serviços de mensagens privadas. Segundo ele, em casos como o inquérito 4781, a Corte determinou que esses provedores devem ser tratados como meios de comunicação quando monetizam ou direcionam informações vinculadas a suas plataformas. “Assim como as redes sociais, a Uber deve ser analisada pelo que de fato faz, e não pelo que afirma ser”, argumentou.

O procurador defendeu que o STF requisitasse o relatório elaborado pelo MPT e a manifestação da Uber sobre o documento, ambos em sigilo na Ação Civil Pública. Ele ressaltou a importância de os ministros terem acesso a esses elementos para fundamentar sua decisão.

“A robustez das provas apresentadas é clara. O relatório elaborado pelo MPT demonstrou detalhadamente como a Uber gerencia a mão de obra, utilizando algoritmos para exercer um controle sofisticado sobre os motoristas. Essa relação reflete a subordinação típica de um vínculo empregatício”, afirmou.

Para Kalil, negar o reconhecimento dessa relação de emprego afasta os motoristas de direitos trabalhistas básicos garantidos pela Constituição. “É essencial garantir que esses trabalhadores tenham acesso aos direitos necessários ao exercício pleno de sua cidadania”, concluiu.

A audiência pública promovida pelo STF ocorre em meio a discussões sobre a regulamentação do trabalho por aplicativos no Brasil e pode estabelecer precedentes importantes para outras empresas do setor.

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