Uber e iFood são monopólios? Entenda o debate no mercado dos apps

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Concentração do mercado nas mãos de poucas empresas abre tese sobre comportamento monopolista. Especialista explica que concentração não é monopólio.

Nos últimos anos, o mercado de aplicativos de transporte e entregas tem crescido, com empresas como Uber, 99 e iFood dominando o setor. A concentração dessas empresas levanta preocupações sobre a existência de um monopólio e suas implicações para trabalhadores, empreendedores e concorrência justa.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) promoveu uma pesquisa entre 2014 e 2016 que indicou que a ascensão de aplicativos como Uber no Brasil trouxe mudanças estruturais, desafiando o setor tradicional de táxis e remodelando a concorrência.

O estudo mostrou que a entrada da Uber no Brasil resultou em uma redução média de 56,8% no número de corridas dos aplicativos de táxi. Essa mudança foi analisada através de um método de painel com dados de 590 municípios entre 2014 e 2016. Observou-se que, para cada 1% de aumento nas corridas da Uber, as corridas dos táxis caíram 0,09%. Em capitais maiores, o efeito foi menos pronunciado, indicando uma menor intensidade de concorrência proporcional em mercados maiores.

A pesquisa sugere que, apesar da participação de mercado da Uber, não há um monopólio claro, pois ainda existe competição entre os serviços de aplicativos de transporte. Em regiões como o Sudeste, Sul e Centro-Oeste, houve uma resposta dos táxis na forma de descontos, demonstrando uma adaptação ao novo ambiente competitivo após um período prolongado.

“Não existe monopólio e sim uma concentração”

Segundo Carlos Grana, assessor do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos), não existe monopólio no mercado de aplicativos, e sim uma concentração: “Eu não uso a palavra monopólio. Existe uma concentração muito grande de motoristas e entregadores em um mesmo aplicativo. Hoje, por exemplo, você tem a Uber e a 99 que dominam 90% do mercado, e se você pegar o iFood, eles têm 80%. O monopólio é algo único, e esse não é o caso. Todo mundo que quiser pode entrar no mercado, tanto que você tem dezenas de aplicativos regionais, pequenos, com menor inserção no âmbito nacional.”

Carlos Grana, assessor do DIEESE
Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Carlos Grana mencionou que o ganho de escala de cada uma dessas plataformas proporciona uma vantagem gigantesca em relação aos menores. Para ele, a tendência é que, à medida que a regulamentação avance, haja uma distribuição mais diversificada de oportunidades. Com o PL que regulamenta o trabalho por aplicativo tramitando no Congresso Nacional, Grana acredita que haverá mais expansão e opções para o consumidor, citando o surgimento de cooperativas de aplicativos no Brasil. No entanto, ele observou que, hoje, prevalece uma concentração muito grande, seja na área dos entregadores, com o iFood, ou na área dos motoristas e passageiros, com a 99 e a Uber. A regulamentação, segundo Grana, dará a possibilidade para o lançamento de mais aplicativos regionais e até nacionais.

“O monopólio é uma falha no mercado”

Thiago Camargo, Mestre em Administração Pública pela Columbia University e ex-Secretário Nacional de Políticas Digitais, explica que o monopólio é um controle que uma empresa ou pessoa exerce sobre um determinado mercado, seja de produtos ou serviços.

Para ele, não existe evidência de monopólio no mercado de aplicativos de entregas ou transporte. “Pode-se argumentar que existe um oligopólio, já que existem alguns aplicativos com maior presença nesses mercados (Uber/99, iFood/Rappi). Ainda assim, é importante lembrar que o mercado não é de aplicativos; o mercado é de transporte individual ou entregas, e existem várias opções regionais e/ou modelos de operação diferentes em ambos os mercados”, afirma.

Thiago ainda diz que o monopólio, geralmente, é uma falha de mercado e, como tal, pode afetar negativamente o consumidor, já que ele tem acesso a menos opções e a preços maiores, e que oligopólios também podem causar essas situações.

“A regulação serve justamente para cenários em que os recursos são escassos ou quando há uma falha de mercado, como no caso do monopólio. Em tais casos, o regulador pode determinar que o agente de mercado cesse a prática, bem como tome medidas para diminuir seu poder de mercado. Um exemplo é quando um mesmo grupo econômico controla grande parte de um determinado mercado possuindo marcas diferentes e o regulador determina que esse agente se desfazer de uma dessas marcas.”

Ele ressalta, contudo, que a regulação também pode acabar gerando oligopólios, pois o aumento da barra regulatória pode diminuir o ritmo da inovação e evitar que novos concorrentes adentrem determinados mercados. “O ideal é que haja apenas a regulação estritamente necessária, para que mais empresas possam se arriscar a inovar, entrar no mercado e, consequentemente, gerar mais valor para empreendedores e consumidores”, finaliza.

Rappi acusa iFood de “abusar de sua posição dominante”

Esse cenário ficou evidente quando a Rappi entrou com uma ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2020, acusando o iFood de abusar de sua posição dominante ao impor exclusividade aos restaurantes cadastrados na plataforma, além de outras práticas anticompetitivas. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) ainda alegou que o iFood domina 80% do mercado de delivery no Brasil e cobra dos restaurantes uma taxa média entre 16% e 25%, podendo ultrapassar 30%.

Em resposta a essas alegações, o Cade celebrou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com o iFood, afirmando que essas ações da empresa estavam dificultando a entrada de novos concorrentes no mercado e tinham efeitos excludentes. Assim, no dia 8 de fevereiro de 2023, o iFood e o Cade firmaram um acordo estabelecendo critérios e limites para a prática de exclusividade nos contratos entre o iFood e restaurantes parceiros. Em respeito à cláusula 4.11 do acordo, os principais pontos definidos foram:

Até 25% do volume de vendas (GMV) no iFood podem estar vinculados a restaurantes exclusivos. Nos 49 municípios com mais de 500.000 habitantes, apenas 8% dos restaurantes que utilizam a plataforma poderão assinar contratos de exclusividade. O iFood teve 6 meses para se adequar a esses limites.

Novos contratos de exclusividade podem ser firmados pelo iFood, mas são limitados a um período máximo de 2 anos. Após esse período, o restaurante deve passar por uma “quarentena” de pelo menos 1 ano sem exclusividade com o iFood. Os contratos de exclusividade atuais que já acumulam 2 anos de exclusividade entram imediatamente na “quarentena” após a data de vencimento.

Há exceções à quarentena, dependendo dos investimentos feitos pelo iFood no restaurante exclusivo e do crescimento gerado. Essas exceções são tratadas individualmente pelo time comercial do iFood com os restaurantes impactados.

O iFood não pode firmar contratos de exclusividade com marcas que possuam 30 ou mais estabelecimentos no momento da celebração ou renovação contratual. Os contratos vigentes com marcas que se enquadram nessa proibição foram encerrados até 30/09/2023.

Além disso, o iFood não pode adotar medidas que induzam os restaurantes não-exclusivos à exclusividade com a plataforma, como exigir que se abstenham de realizar promoções em outras plataformas ou condicionar descontos à garantia de que a maior parte de seu volume de negócios será no iFood.

Em resposta às alegações dos concorrentes de que os contratos de exclusividade reservam mercado e tornam a competitividade do setor praticamente impossível, Arnaldo Bertolaccini, representante do iFood, afirma: “Não. Setores competitivos beneficiam diretamente os mais interessados no desenvolvimento daquele mercado. Neste caso, o restaurante é quem mais ganha.”

Segundo Bertolaccini, para reforçar essa posição, o Cade enviou requisição para mais de 30 restaurantes perguntando sobre a relação com as plataformas e os contratos de exclusividade. “As respostas mostram que eles não se sentem dependentes dos contratos, que o delivery é apenas parte da sua receita, e que o que os faz optar pelo iFood é a qualidade da plataforma e da prestação de serviço, indo na contramão do que a Rappi tem alegado”, finaliza.

Sobre a alegação da Abrasel de que o iFood tem um monopólio de 80% do mercado, Arnaldo responde: “Esse dado que a Abrasel apresenta não tem uma metodologia clara e não leva em conta todas as modalidades de entrega. O Brasil conta hoje com inúmeras plataformas de delivery, especialmente fora dos grandes centros. A competitividade é grande, com empresas como Magazine Luiza, Americanas, Ambev e Grupo Pão de Açúcar investindo no setor.”

De acordo com Bertolaccini, a própria Abrasel também diz que metade dos pedidos de restaurantes são feitos por apps próprios dos estabelecimentos ou WhatsApp. “Um levantamento do Sebrae aponta que 74% dos pequenos negócios atuam no comércio eletrônico e que o WhatsApp é a plataforma mais usada para vendas, sendo adotada por 84% deles. Os apps de delivery são adotados por apenas 6% dos estabelecimentos”, completa.

A equipe do 55content entrou em contato com o iFood para saber o posicionamento da empresa sobre essas questões. A empresa respondeu: “O iFood tem o compromisso de desenvolver o setor de delivery de comida e oferecer sempre a melhor plataforma para entregadores, consumidores e restaurantes. A atuação da empresa sempre se deu dentro dos limites legais.”

A empresa reitera que assinou um acordo com o Cade, que estabelece critérios e limites à prática de exclusividade nos contratos celebrados entre o iFood e os restaurantes parceiros. “Desde então, a empresa trabalhou e atuou para se adequar integralmente ao acordo”, completa. O iFood investe constantemente para melhorar a qualidade de seu serviço e a sua proposta de valor para os restaurantes, que hoje inclui benefícios como plataforma de cursos de capacitação gratuitos, integração de sistemas, ferramentas de marketing e inteligência artificial.”

“Uber possui 75% do mercado e 99 fica com 20%”

Para Luiz Corrêa, Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos (Sindmobi), existe monopólio no setor de quatro rodas. “Na minha visão, a Uber possui 75% e a 99 tem 20% do mercado. No setor de duas rodas, o iFood fica com 90% do mercado.”

Luiz Corrêa, Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos (Sindmobi)
Foto: Luiz Corrêa para 55content

Segundo ele, o monopólio tem um impacto muito ruim para esses trabalhadores. “Essas empresas manipulam o mercado, e outras empresas menores que tentam entrar com propostas de valorização do trabalhador e ganhos melhores não conseguem ter espaço por conta desse monopólio. Essas empresas, na verdade, trabalham em conjunto, manipulando o mercado, os trabalhadores, fazendo lobby nos municípios, no Congresso Nacional e no Poder Judiciário.”

Corrêa diz que o único caminho para combater essas big techs são aplicativos com investimentos públicos: “Já colocamos propostas nos municípios e no governo federal, mas elas não avançam porque as empresas conseguem tirar de pauta.”

“Quanto mais aplicativos tiver, melhor”

Para Denis Moura, motorista de app, diretor de comunicação da FEMBRAPP e presidente da AMPA-RJ, há poucas opções de apps para trabalhar. “Eu acredito que, quanto mais opções de aplicativos houver, melhor, porque entendo que o motorista, assim como o passageiro, é cliente da plataforma. As plataformas possuem dois tipos de clientes: motoristas e passageiros. E toda relação de consumo favorece quem consome quando há opções de escolha.”

Denis Moura, motorista de app, diretor de comunicação da FEMBRAPP e presidente da AMPA-RJ
Foto: Reprodução/YouTube

Moura explica que, atualmente, a classe dos motoristas de app sofre com o monopólio da principal plataforma, que é a Uber, seguida pela 99. Segundo ele, a Uber e a 99 muitas vezes trabalham em conjunto nas ações relacionadas aos motoristas. “Hoje, também com o PLP 12, vemos claramente a operação de um monopólio. Se o PLP 12 for aprovado, será criado o monopólio das duas grandes empresas de aplicativos. Como uma empresa como a inDrive, por exemplo, ou as inúmeras empresas menores do segmento poderão sobreviver com uma tributação de 20% de imposto, se algumas empresas cobram menos do que 20% dos motoristas? Elas não conseguem sobreviver. Portanto, empresas cooperativas criadas por motoristas de aplicativo e empresas de médio porte não conseguem sobreviver ao PL 12.”

Ele conclui afirmando que a manipulação da Uber e da 99 no PL 12 visa criar um monopólio caso seja aprovado: “Portanto, sou totalmente a favor do incentivo do governo para que novos aplicativos entrem no mercado. Um exemplo é o Mobizap, que surgiu em São Paulo. Apesar das dificuldades, ela consegue exercer alguma pressão no mercado.”

Moura ainda explica que as ações das associações são sempre em nível de conscientização dos motoristas. “A associação não tem poder econômico para rivalizar com os aplicativos, mas tem o poder de influenciar os motoristas através de suas ações e da notoriedade que conquistam pelo trabalho sério que vêm desenvolvendo. Isso é especialmente verdadeiro para as associações ligadas à FEMBRAPP, uma instituição antiga com associações mais sólidas. Portanto, nosso trabalho é de conscientização e orientação dos motoristas.”

Ele garante que a AMPA-RJ, a associação que preside no Rio de Janeiro, apoia qualquer iniciativa de novos aplicativos no mercado. “No entanto, ela não faz propaganda ou divulgação desses aplicativos, pois muitos surgem no mercado. Nosso papel não é fazer propaganda, mas apoiar as iniciativas. Mas, com certeza, há a necessidade de diversificar a quantidade de aplicativos.”

“Não adianta existir muitos apps se todos exploram o trabalhador”

Para o entregador Ian Peter, existem aplicativos para trabalhar, mas o problema é que esses aplicativos pagam muito pouco: “Na minha opinião, todos os aplicativos de entrega exploram os entregadores. Atualmente, o que paga melhor é o iFood, mas, mesmo assim, acho pouco. Como eles têm o monopólio do mercado de entrega de comida, fazem o que querem. Deveria haver um aplicativo que competisse com eles, que fosse melhor para os estabelecimentos, melhor para os entregadores e melhor para os clientes, para que houvesse concorrência. Sem concorrência, a situação não muda.”

Ian diz que não adianta ter vários aplicativos que também oferecem serviços ruins para os entregadores. “Existem outros aplicativos como Uber e Lalamove, mas eles também são ruins. O melhorzinho em termos financeiros é o iFood, mas, ainda assim, é ruim. Como eu disse antes, enquanto não surgir um aplicativo que seja bom para todos os envolvidos — entregadores, estabelecimentos e clientes —, nada mudará. Eles vão melhorar apenas o que acharem viável. Além disso, se os entregadores não se unirem para reivindicar melhorias, nada vai mudar”, finaliza o entregador.

“Não adianta ter vários apps se não há demanda”

O entregador Alex Muniz segue a mesma linha de pensamento: “Há muitos aplicativos, mas alguns são mais famosos. Ter muitos aplicativos não significa mais demanda. As pessoas já estão acostumadas a usar o Uber para se locomover e o iFood para pedir comida, por exemplo. Hoje, o iFood domina o setor de entregas. A Uber Eats era a única que competia, mas saiu do Brasil, deixando quase tudo para o iFood.”

Alex Muniz, entregador de app
Foto: Alex Muniz para 55content

Segundo ele, se houvesse mais aplicativos, as condições de trabalho não necessariamente melhorariam. “Acho que ter vários aplicativos não adianta se não há demanda. Eu tenho muitos no celular. Às vezes, a coleta está muito distante, não compensa. Então, acho que, se houvesse mais aplicativos, não mudaria muita coisa.”

“Duopólio da Uber e 99”

Deivys Vieira, motorista de app, acredita que existe um “duopólio” da Uber e da 99: “Isso sufoca a entrada de novos concorrentes e, no final, acabam ficando apenas a Uber e a 99. E parece que elas estão seguindo o mesmo caminho, então, no final, não temos escolha!”

Deivys Vieira, motorista de app
Foto: Deivys Vieira para 55content

Ele diz que, se existissem mais opções neste mercado, as condições melhorariam. “Na minha opinião, as duas empresas trabalham juntas e com os mesmos objetivos. Se houvesse um player grande o suficiente para bater de frente com as duas e ser simples de usar para os usuários, certamente essa empresa seria a preferida, pois muitos usuários disseram que não reclamariam se os preços das corridas ficassem um pouco mais caros, desde que encontrassem um carro rápido”, finaliza o motorista.

O motorista de aplicativo e influenciador Cláudio Sena afirma que existe um monopólio no transporte por app no Brasil, a ponto de toda nova plataforma que surge trabalhar com a mesma regra estabelecida pela Uber. “Até mesmo a 99, que teria tudo para ser diferente e tinha reais chances de quebrar esse monopólio, optou por ser a ‘sombra’ da Uber. A inDrive até que ensaia um modelo diferente, em que o preço é decidido entre motorista e passageiro, mas, na prática, acaba sendo a mesma coisa”, lamenta.

Segundo ele, isso acontece porque a mente das pessoas foi corrompida pela Uber, que precifica um serviço que não tem custo e fatura muito com esse mesmo serviço que ela não executa. “Desta forma, o passageiro tem em mente que ‘Uber é barato’, e daí baliza todos os demais aplicativos. Isso obriga qualquer plataforma que chegue a trabalhar com preços irrisórios, ou então, não sobrevive, como foi o caso da Cabify”, explica.

Para Cláudio Sena, a entrada de mais aplicativos no mercado não necessariamente melhoraria as condições de trabalho dos motoristas.

“Uma coisa não tem a ver com a outra. Mais do mesmo não resolve. Viagem de app não deveria ser tão barata quanto é. Em cidades pequenas e médias, onde aplicativos regionais costumam ser as opções mais usadas, a tarifa deles é ligeiramente melhor, mas ainda assim não impacta tanto a vida do motorista. A solução para esse problema seria a aprovação de uma regulamentação que obrigue as empresas a precificar as tarifas considerando os custos que os motoristas têm”, sugere o influenciador.

“Uber é sinônimo de mobilidade urbana”

Márcio Milani, fundador e CEO do aplicativo regional WIN CARS, afirma que hoje os grandes aplicativos globais têm um poderio financeiro gigantesco, fazendo com que suas marcas sejam notoriamente conhecidas no mercado com marketing/publicidade em diversos canais. “A Uber é uma marca de domínio público que é ‘sinônimo’ de app de mobilidade urbana ou motorista de app. Com isso, toda a população conhece essas grandes empresas e, por mais que os apps regionais tenham condições boas e competitivas, é muito difícil chegar com investimento pequeno em grandes populações. Ao meu ver, só é possível entrar em cidades menores”, explica.

Para Milani, no Brasil, a Uber e a 99 saíram na frente e, por conta disso, dominaram o mercado. “Tiveram investimento pesado para divulgar suas marcas pelo país. O mesmo com o iFood no ramo de entregas. Isso dificulta, pois em toda cidade mais populosa, para você inserir sua marca de app regional no mercado, demanda um investimento que normalmente os apps regionais não têm. Tanto é verdade que não há um app brasileiro que tenha conseguido se destacar. E os que se destacam são justamente apps estrangeiros que têm investimento estrangeiro, como a inDrive. Então, a dominância do mercado pelos grandes apps dificulta a entrada dos regionais.”

Milani diz que atrair os motoristas é tranquilo. De acordo com ele, basta ter uma taxa competitiva, em torno de 10%, ter um atendimento humano, prestigiar e ouvir o motorista. O problema é atingir o passageiro, que já está acostumado com Uber, 99 e agora inDrive, que são amplamente divulgados. “Dificilmente o app regional consegue colocar corridas mínimas a R$8 para atrair os passageiros, que já pagam pouco nos apps estrangeiros. A WIN CARS trabalha com o que chamamos de ‘cultura do não cancelamento’, em que nossos motoristas não recusam e não cancelam corridas, mas isso só é possível em cidades pequenas, com grande adesão de motoristas.”

Questionado sobre que tipo de apoio ou intervenção governamental seria necessário para promover uma competição mais justa no setor, Milani diz que não vê como o governo (via intervenção governamental) possa ajudar os apps regionais, pois a Constituição Federal do Brasil preza pela Livre Iniciativa e Concorrência.

“Quem entrou primeiro tem vantagem, ainda mais quando se tem muito recurso financeiro. A tendência é que o governo atrapalhe os apps regionais querendo proteger os motoristas e se beneficiar disso com tributos. Talvez as prefeituras pudessem fazer convênios com apps regionais e divulgar para a população, mesmo que os apps regionais dividissem os lucros com as mesmas. Seria uma forma de receita para o município em troca de ampla divulgação do app, inclusive em rádio e TV, o que hoje é bem difícil para o empreendedor fazer por conta própria”, sugere o empreendedor.

“Existe monopólio, mas há espaço para quem quer fazer algo diferente”

Sérgio Brito, fundador e CEO da Te Levo, diz que o maior desafio para competir com os aplicativos internacionais é o monopólio que eles já têm no mercado: “Por isso, procuramos estar em cidades menores para oferecer um serviço mais personalizado para cada região, algo que os grandes não conseguem.”

Sérgio Brito, CEO e fundador da Te Levo
Foto: Divulgação/Te Levo

Brito se mostra otimista: “Existe espaço para aqueles que querem fazer algo diferente. Pensando dessa forma, não sofremos com o monopólio deles. Nosso diferencial é que nos preocupamos muito com o bem-estar de nossos motoristas e buscamos mostrar para nossos clientes o quanto é seguro, prático e rápido andar conosco, em vez de com a concorrência.”

Para Brito, seria importante que o governo tivesse uma linha de crédito diferenciada e apoiasse os aplicativos regionais, dando a eles um tempo de carência interessante para uma competição mais justa no setor: “Com certeza teríamos mais força para mostrar o nosso diferencial e competir com os grandes”, conclui.

“Regulamentação é a solução”

A equipe do 55content entrou em contato com a Uber, 99 e inDrive para entender como as empresas enxergam a competição no mercado de transporte por app. Enquanto a Uber e a 99 ainda não nos retornaram, a inDrive respondeu:

“A inDrive acredita que existe uma concentração de mercado em relação aos apps de transporte. A regulamentação é uma das medidas que podem colaborar para o equilíbrio. Dessa forma, a inDrive participa ativamente nas discussões que envolvem o negócio, visando colaborar na construção de um setor sustentável e vantajoso para motoristas, empresas, órgãos governamentais e comunidades.”

Foto de Giulia Lang
Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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