Nos últimos meses, as ruas têm sido palco de discussões acaloradas e agressões envolvendo motoristas de aplicativo e passageiros. O que antes parecia apenas um incômodo ocasional durante as corridas se tornou um problema sério, marcado por confrontos e atos de violência.
Recentemente, um caso em particular chamou a atenção: um motorista de aplicativo deu uma voadora em uma passageira de quase 70 anos. Esse episódio é mais um entre tantos outros que expõem a escalada de conflitos nesse setor. Vale lembrar, por exemplo, o caso de uma médica, uma profissional altamente qualificada e instruída, que agrediu um motorista de aplicativo apenas porque ele se recusou a entrar no condomínio onde ela morava. Nada justifica agressão, e isso não pode ser normalizado.
No caso do motorista que agrediu a passageira idosa, a confusão começou quando ela entrou no carro e começou a comer um biscoito. Ao final da viagem, o motorista pediu que ela limpasse os resíduos do alimento, mas ela se recusou, acusando-o de ser grosseiro e mal-educado. Já no caso da médica, a agressão ocorreu porque ela insistiu para que o motorista entrasse no condomínio, e, ao receber uma negativa, perdeu o controle e partiu para a violência física.
Essas situações preocupam e levantam um questionamento sobre até onde isso pode chegar. É urgente que algo seja feito, e as empresas de aplicativo precisam assumir uma postura mais ativa para criar mecanismos que melhorem tanto a conduta dos motoristas quanto a dos passageiros. Dentro do carro, o passageiro precisa respeitar regras básicas: não comer, não ingerir bebidas alcoólicas, não sujar o veículo e não tentar embarcar com mais pessoas do que o permitido. Muitas vezes, quando um passageiro entra no carro com mais pessoas do que o permitido, ele simplesmente se recusa a sair, tornando a situação ainda mais complicada para o motorista.
Por outro lado, os motoristas também precisam compreender que estão lidando com o público. O termo “passageiro” já indica que aquela pessoa estará no carro apenas temporariamente. Sendo assim, é fundamental ter paciência, evitar reações impulsivas e lembrar que qualquer estresse momentâneo vai passar. Nada justifica agressão. Há motoristas que encaram seu trabalho como um favor ao passageiro, assim como há passageiros que tratam os motoristas como empregados particulares. Ambos os lados precisam se respeitar.
As empresas de aplicativo também têm sua parcela de responsabilidade. Quando a Uber chegou ao Brasil em 2015, oferecia treinamento aos motoristas, especialmente na categoria Uber Black. Na época, os motoristas precisavam ser convidados e passar por um processo rigoroso de cadastro. Além disso, apenas passageiros que pagavam com cartão de crédito podiam utilizar o serviço, tornando a experiência mais exclusiva.
Com o crescimento do setor, outras plataformas surgiram, como 99 e Cabify, e a opção de pagamento em dinheiro foi introduzida. Foi nesse período, entre o final de 2016 e 2017, que ocorreu a primeira morte de um motorista de aplicativo após o início dos pagamentos em dinheiro. A partir daí, as exigências para ser motorista ou passageiro foram reduzidas drasticamente: os treinamentos deixaram de ser oferecidos, qualquer pessoa podia se cadastrar como motorista e os passageiros não passavam por nenhuma triagem. Isso impactou diretamente na qualidade do serviço, piorando tanto o atendimento dos motoristas quanto o comportamento dos passageiros.
O serviço se popularizou, trazendo consigo uma série de problemas. Enquanto isso, a Uber continua aumentando seus lucros, batendo recordes de faturamento, mas sem demonstrar preocupação com os conflitos que ocorrem dentro dos carros. Quando um motorista age de forma inadequada, ele é bloqueado da plataforma. Se um passageiro agride um motorista, também é banido. Mas isso não resolve o problema: o passageiro pode simplesmente migrar para outro aplicativo, e muitos motoristas bloqueados acabam trabalhando de forma clandestina, utilizando contas falsas. A Uber e as demais empresas do setor permanecem inertes diante dessa realidade.
É preciso tratar esse problema com seriedade. A situação chegou ao limite e exige mudanças urgentes. Pequenas ações poderiam fazer uma grande diferença. Se motoristas e passageiros se respeitassem mais, se as empresas voltassem a oferecer treinamentos, tanto presenciais quanto online, e deixassem claro que o motorista não é funcionário do passageiro, o serviço poderia melhorar significativamente. Além disso, uma melhor remuneração para os motoristas contribuiria para um atendimento mais profissional e de qualidade. Quando um motorista é valorizado, ele tende a prestar um serviço melhor, e o passageiro, por sua vez, tem uma experiência mais satisfatória.
É claro que o fator humano influencia e sempre haverá pessoas despreparadas para lidar com o público. No entanto, buscar o profissionalismo é essencial. Empresas como Uber e 99 parecem querer manter o serviço no status de “renda extra”, evitando regulamentações e regras mais rígidas. Mas, sem profissionalismo e sem diretrizes bem estabelecidas, o resultado é o caos que estamos vendo hoje.