Paulo Cruz começou a trabalhar como motorista de aplicativo em 2017, após um imprevisto em seu antigo emprego, e desde então tem buscado uma forma de equilibrar o trabalho no aplicativo com outras atividades, como o serviço de marido de aluguel e viagens particulares.
Com uma rotina bem definida, ele compartilha sua experiência de como lida com os desafios do setor, a importância de ser seletivo nas corridas e como conseguiu alcançar uma renda mensal significativa. Nesta conversa, Paulo também dá dicas para motoristas iniciantes e reflete sobre as mudanças que o mercado de transporte por aplicativo passou ao longo dos anos.
Paulo, o objetivo da nossa conversa vai ser entender um pouco sobre a sua rotina, sua experiência como motorista de app. Minha primeira pergunta é mais pessoal: queria saber desde quando você realiza esse serviço e o que te fez trabalhar com os aplicativos.
Paulo: Tá, vamos lá. Bom, eu trabalho desde 2017, definitivo, né. Antes dessa data, eu fazia só de forma esporádica. A partir do dia 11 de dezembro de 2017, passei a trabalhar exclusivamente com o aplicativo.
Qual foi o motivo? O motivo foi que eu trabalhava em uma empresa há muitos anos, e essa empresa acabou sendo envolvida naquela operação Lava Jato, e foi enquadrada pela Polícia Federal e pela Receita Federal, na época. A empresa informou que ficaríamos em casa de dezembro a março e que, depois desse período, voltaríamos a trabalhar normalmente, pois eles provariam que não tinham ligação com a questão da Lava Jato.
Bom, já se passaram todos esses anos, continuo registrado na empresa, continuo sem trabalhar, não houve acerto dessas contas, e por isso que eu estou trabalhando com o aplicativo até hoje. Esse foi o motivo que me levou para os aplicativos.
E Paulo, eu queria entender agora como funciona a sua rotina: de que horas a que horas você trabalha e se você folga em algum dia da semana.
Paulo: Tá, vamos lá. Minha rotina hoje está bem mais reduzida do que no começo. No início, a gente não tinha tanto conhecimento sobre como trabalhar com o aplicativo, então acabava aceitando todas as corridas, todos os lugares, todas as oportunidades que apareciam. Trabalhávamos muito para atingir o objetivo.
Com o tempo, a gente vai pegando o jeito e começa a trabalhar com um pouco mais de sabedoria, né? Hoje, meu ritmo é o seguinte: saio de casa às cinco e meia da manhã, deixo uma passageira fixa na Bela Cintra — antes ela ficava na Alameda Itu, mas agora é na Bela Cintra. Dali eu ligo o aplicativo e trabalho até mais ou menos meio-dia, meio-dia e meia, às vezes uma hora da tarde. Depois, volto no período da tarde, entre duas ou três horas, e vou até umas sete horas.
O diferencial que eu tenho hoje é que, de 2017 para cá, conquistei alguns passageiros particulares, viagens fixas e algumas questões específicas, como levar filhos, por exemplo. Isso me traz uma certa tranquilidade em relação ao tempo. Então, hoje eu divido meu tempo: fico meio período no aplicativo e no outro período atendo esses passageiros particulares.
E quando você trabalha por aplicativo, você se prende a alguma meta diária, algo assim?
Paulo: Hoje, como eu disse, estou trabalhando de forma mais reduzida. Minha meta diária no aplicativo é R$300,00, bruto, sem descontar os custos com gasolina.
Isso é bruto, por quê? Porque, se eu dedicar mais tempo ao aplicativo, acabo não conseguindo me dedicar aos outros afazeres. Por exemplo, eu também tenho uma outra atividade, como marido de aluguel, que me rende uma boa quantia mensal.
Então, muitas vezes dentro do carro, acabo informando isso para as passageiras, principalmente para mulheres que moram sozinhas e não têm habilidade para lidar com uma lâmpada, uma torneira, um chuveiro. Assim, pego esses serviços também. A meta de R$300,00 no aplicativo serve para suprir algumas necessidades e me permite focar mais nessas outras atividades.
Entendi. E você começou essas atividades para se desprender do aplicativo? Como marido de aluguel, viagens particulares…
Paulo: Na verdade, eu vi uma oportunidade de conciliar e trabalhar junto com essas outras atividades. Por exemplo, quando não tenho nenhuma atividade extra, nenhuma corrida particular ou serviço como marido de aluguel, eu me dedico mais ao aplicativo.
Eu percebi que havia essa possibilidade de conseguir mais atividades e comecei a usar o tempo com o cliente dentro do carro para oferecer meus serviços.
Entendi. E você aconselha os motoristas a começarem a tentar fazer o serviço de viagem particular? Mais ou menos, quanto você consegue tirar por mês realizando esse serviço?
Paulo: Olha, a gente não tem como definir um valor fixo, mas eu acabo tirando mais de R$10.000,00 mensais somando todas as atividades.
Às vezes fico dentro dessa meta dos R$10.000,00, às vezes um pouco a mais, às vezes um pouco a menos, mas, no conjunto com o aplicativo, geralmente alcanço essa marca.
Então, é assim: o aplicativo cobre a despesa do carro, e o restante acaba ficando para uso pessoal.
Mais ou menos assim.
Mas esses R$10.000,00 que você mencionou, é faturamento bruto ou já tirando os custos?
Paulo: É, já tirando os custos. Porque, para atender essas outras atividades, a gente não precisa de um custo tão elevado. Eu vou até o local, deixo o carro parado e depois retorno. Então, o custo mais alto é realmente quando estamos rodando com o aplicativo, com as corridas por aplicativo. Esse é o custo mais elevado.
A grande questão do aplicativo hoje é que está entrando muita gente e aceitando tudo. Então, Uber, 99, essas operadoras estão bem tranquilas. Por quê? Porque, se eu não aceito, tem um milhão que aceita corridas que não estão vantajosas.
Eu, por exemplo, não aceito. Se você pegar meu aplicativo, meu perfil, vai ver que eu não cancelo corrida. Eu não cancelo. Minha pontuação não é alta, porém, quando você olha na quantidade de corridas aceitas, está bem baixo. Porque eu só aceito realmente o que convém e o que realmente me dá lucro. Não tem como ser de outra forma.
Você começou em 2018. Você sente que naquela época era mais lucrativo ou mais fácil ser motorista de aplicativo?
Paulo: 2017. Foi em dezembro de 2017. Naquela época, tinha uma quantidade menor de motoristas, um contingente menor. Também havia menos exigência. O trânsito era menor. Então, a gente tinha uma qualidade melhor, ganhava melhor, gastava-se menos e o potencial de ganho era muito maior.
Com o tempo, o que aconteceu? Não teve nenhum aumento de 2017 para cá nas tarifas das corridas. É impressionante como a Uber ainda oferece corridas de R$5,00, R$5,90. É um absurdo. O pior absurdo, para mim, é quem aceita isso. Porque, se eles continuam oferecendo, é porque tem gente aceitando. R$5,80, R$5,70, R$5,90… É um absurdo.
Hoje, com o trânsito muito maior e a quantidade de motoristas na rua, a sensação é de que a gente está ganhando menos. Então, se você aceita tudo, piora ainda mais essa situação.
A minha outra pergunta, Paulo, é em relação às corridas. Você falou que não aceita muitas, então acredito que seja bastante seletivo. Você tem alguma média? Você aceita corridas que pagam R$1,90 por km, R$1,60? Como é isso?
Paulo: Por quilômetro, eu só aceito acima de R$2,00. A média que eu aceito é de R$2,50 a R$3,00. No período da manhã, por exemplo, a 99 paga acima de R$3,00, até acima de R$4,00, dependendo do dia, quando está com muita procura.
Então, o que eu faço? Aproveito ao máximo esse valor no período da manhã, para não precisar me esforçar tanto no período da tarde, quando o valor das corridas cai. Mesmo à tarde, das duas até as quatro, que é o horário sem pico, e das quatro às oito, que é o horário de pico — principalmente das seis às oito, quando entra o dinâmico —, eu ainda continuo não aceitando corridas abaixo de R$2,00 por km. De jeito nenhum.
Entendi. E Paulo, eu gostaria de saber quais dicas você daria para quem está começando agora como motorista de aplicativo. O que você falaria para quem está começando nesse serviço?
Paulo: Olha, primeiro, o conselho que eu daria é: não se vender por qualquer ninharia de moedas que o aplicativo oferece.
Segundo, trabalhar com o máximo de aplicativos possível para montar uma boa meta.
Terceiro, deixar o carro sempre organizado. Porque, quando surgir aquela corrida excelente, uma viagem boa, você já está pronto. Por exemplo, no meu caso, eu não trabalho com carro sem reserva.
Um dia desses, eu estava trabalhando na Alameda Santos, na Paulista, e recebi uma corrida saindo de um hotel ali para levar uma pessoa até Limeira, pagando R$487,00. Mas só consegui pegar essa corrida porque eu tinha o Sem Parar instalado no carro e o tanque estava cheio. Eu trabalho sempre com essa meta. Se eu tivesse que parar para abastecer, o passageiro não ia esperar. Se tivesse que me preocupar em pagar pedágio, ele também não ia esperar. Tem que ser imediato, é instantâneo.
Então, eu daria essa dica: trabalhe sempre com o carro pronto e abastecido, e fique atento às boas corridas.
Escolha bem antes de aceitar. Depois que aceitou, não adianta mais ficar cancelando, porque aí vai acabar bloqueado e com problemas.
Outra dica que eu dou: pode levar alguma coisinha para vender no carro, para oferecer ao passageiro. Um fone de ouvido, por exemplo. Se puder fazer como eu, oferecer algum serviço — instalação de câmera, lâmpada, chuveiro, torneira —, tenha uma maletinha pronta. Dá para levar dentro do carro sem atrapalhar o trabalho e já estar pronto para essas oportunidades.
E, por fim, seja sempre cordial com o passageiro.
A gente vê que a maioria dos motoristas não é cordial. Eu já vi passageiro tendo dificuldade para colocar uma cadeira de rodas no porta-malas porque o motorista não desce do carro. Não é minha obrigação, mas, por exemplo, no aeroporto de Viracopos, eu já desci para ajudar a colocar uma cadeira de rodas no carro. Hoje, por conta disso, conquistei a família toda de médicos.
Tenho duas viagens por semana saindo de São Paulo para o interior só com essa família, tudo por conta daquele gesto. Imagina quanto eu ganho com essas viagens?
Então, é uma ignorância do motorista dizer: “Ah, não sou pago para colocar cadeira de rodas no carro.” Seja cordial e as portas vão se abrir.
Nesses anos todos, sempre trabalhei com meu carro limpo, organizado, perfumado e sendo cordial. Dali surgem muitas oportunidades. Como eu disse, é o caso dessa família de médicos: atendo eles duas vezes por semana, o dia todo, indo e voltando para o interior.
Os motoristas novos precisam parar de copiar o que é ruim e focar nas boas práticas, porque assim vão conseguir avançar.
Você trabalha no Uber Black, Uber Comfort? Qual categoria?
Paulo: Não, não. Categoria X. Eu trabalho com um Ford Ka e também no Pop. Só que qual é o diferencial? Carro limpo, perfumado, sempre organizado, tudo bem pronto, ar-condicionado ligado, tudo certinho.
Por isso que eu falo: quando comecei a acompanhar o 55content, comecei a observar a dinâmica dos motoristas e percebi que estavam completamente errados. Eles acham que, para conquistar um passageiro, é preciso ter carro de luxo, estar bem vestido, essas coisas. Não, não tem nada disso. Basta tratar bem, ser gentil, educado, respeitoso.
Para mim, não tem problema nenhum parar num farol, comprar uma água para mim e oferecer uma para o passageiro. Pode ter certeza que, dali, surgem outras coisas boas. Eu penso assim: a gente precisa deixar de ser mesquinho e começar a olhar para o próximo da forma como gostaríamos de ser tratados.
Aí as coisas vão acontecer. Eu formei duas filhas trabalhando com aplicativo e com outras atividades. A primeira filha foi só com aplicativo. Hoje, as duas estão formadas, casadas. Inclusive, no casamento da segunda agora, a festa foi até tarde e eu parei de trabalhar com aplicativo naquele dia para curtir.
Então, dá para você trabalhar direitinho sem se matar, sem acabar com o carro. Se você olhar o meu carro, ele é de 2020. Mas quem vê, pensa que é de 2025. Sempre bem lavado, organizado, com cheiro de pneu novo, higienizado internamente. A cada três meses, eu faço a higienização.
Ou seja, se eu quero trabalhar nesse ramo, eu tenho que me dedicar, né?
Porque meu objetivo não é só o passageiro que está entrando agora. É o que ele vai se tornar para mim depois que entrar no carro. A plataforma me indica você, mas o que vai acontecer depois que você entrar, aí já depende de mim. Vai depender de mim.
Entendi. E, Paulo, para você, qual a maior dificuldade do motorista de aplicativo hoje?
Paulo: A principal dificuldade é não ter condição financeira para ter o próprio carro e acabar tendo que alugar. As operadoras estão cobrando valores muito altos. Por exemplo, a Kovi está cobrando R$1.030 por semana por um carro sedã.
Como uma pessoa consegue pagar um valor desses só com o aplicativo? Outro ponto: muita gente está largando um trabalho certo para virar motorista de aplicativo, quando na verdade deveriam ficar com os dois — usando o aplicativo como complemento de renda.
Então, acho que as pessoas estão muito iludidas com essas promessas dos aplicativos. Vão lá, alugam, e depois de dois, três meses acabam desistindo. Não aguentam, porque ficam focados só no aplicativo, sem outra visão para expandir para outras coisas, e acabam sofrendo.
Sim. Paulo, acho que conversamos bastante, estou chegando ao final. Você sentiu falta de comentar algo? Quer deixar uma última mensagem?
Paulo: Então, desejo boa sorte para os novos motoristas que estão chegando. Para os que já estão há mais tempo, é importante buscar se aperfeiçoar para fazer algo a mais, particular, para não ficar totalmente dependente.
E também fechar realmente as portas: se não estiver dentro daquilo que você espera, não aceite. Porque só assim…
Para você ter uma ideia, a 99, por exemplo — a Uber não —, quando você não aceita a primeira corrida de R$10, na próxima toca o mesmo perfil por R$12. Se você não aceitar de novo, na terceira vai tocar por R$14. Ou seja, se você for “dedo nervoso”, vai acabar aceitando logo por R$10. Mas, se esperar um pouco, vai conseguir pegar por R$14, um aumento de mais de 30%.
Então, é possível ter cautela, paciência, para não perder dinheiro