Durante a pandemia, com a queda do serviço de passageiros, motoristas de app passaram a realizar entregas de mercadorias.
Nos últimos anos, o crescimento das plataformas de transporte e entrega por aplicativo transformou profundamente o mercado de trabalho brasileiro.
Segundo dados do IBGE, no último trimestre de 2022 havia 721 mil motoristas de aplicativo em atividade no Brasil. Isso significa que milhares de brasileiros passaram a utilizar seus veículos particulares como fonte de renda, tanto para o transporte de passageiros quanto para a realização de entregas.
Inspirados em modelos internacionais, como o Amazon Flex, e-commerces passaram a “uberizar” suas entregas no Brasil, cadastrando motoristas para realizarem a última milha da logística: do centro de distribuição até a casa do cliente.
Por outro lado, alguns motoristas optaram por realizar entregas utilizando carros ao invés de motos, aproveitando as vantagens que esta modalidade oferece, como maior capacidade de carga e proteção contra condições climáticas adversas.
Essa escolha também facilita a combinação do trabalho de entregador com o de motorista de aplicativo, permitindo que os profissionais maximizem seus ganhos e diversifiquem suas fontes de renda. A flexibilidade proporcionada pelo uso do carro permite que esses trabalhadores alternem entre diferentes tipos de serviços conforme a demanda.
Essa flexibilidade do trabalho como entregador e motorista de aplicativo é um ponto destacado por pessoas que exercem esse tipo de trabalho. Wellington Raimundo, motorista de aplicativo que começou a fazer entregas durante a pandemia devido à baixa demanda de passageiros, destaca que a flexibilidade de horários é um dos principais atrativos do trabalho: “É bem tranquilo, pois eu que administro isso”, diz. A liberdade de definir seus próprios horários permite uma melhor conciliação com outras atividades e compromissos pessoais.
Segurança é um desafio comum a ambas modalidades
A segurança, no entanto, é uma preocupação constante entre os entregadores e motoristas de aplicativos. Enio Teotônio, que trabalha há 18 anos na área de transporte, menciona que nunca enfrentou situações de risco significativas, atribuindo isso ao fato de operar em áreas mais seguras. Já Débora Brezolino, que trabalha como entregadora, relata uma experiência direta com a insegurança: “Já fui assaltada, quebraram o vidro do meu carro e levaram meus dois celulares”, conta. Ela relata que, após esse incidente, tomou medidas adicionais, como a instalação de películas antivandalismo nos vidros do carro. Ela também menciona que evita certas áreas mais perigosas para minimizar os riscos, mas ressalta que a segurança continua sendo uma preocupação constante em seu trabalho diário.
Wellington critica a falta de suporte adequado dos aplicativos de entrega em situações de risco: “Todos os apps, seja de entrega, seja de passageiros, são falhos na questão de segurança”. Ele destaca a dificuldade de comunicação imediata com a empresa em casos de emergência e menciona que, enquanto os aplicativos de transporte de passageiros oferecem um suporte um pouco melhor, a segurança durante as entregas ainda é insuficiente, com procedimentos inadequados para lidar com situações de risco.
Ganhos
As entregas e corridas apresentam grandes disparidades na questão dos ganhos financeiros, com diferentes desafios e recompensas associadas a cada atividade. Débora relata que, após um período de desemprego, encontrou nas entregas uma oportunidade de renda: “Já cheguei a fazer 56 entregas em um dia e 27 no mínimo, mas a média é de 40 entregas”, diz. Ela relata que atualmente ganha entre R$ 6,00 e R$ 8,00 por entrega.
Shana Tenório, que alterna entre corridas e entregas, destaca que as entregas oferecem uma remuneração mais previsível, com ganhos fixos que facilitam o planejamento financeiro. “Faço em média umas 10 corridas e 50 entregas, respectivamente”, explica. Ela também diz que, nos aplicativos de transporte de passageiros, a remuneração já foi melhor: “Os apps já pagaram de forma melhor ao motorista; as entregas são melhores, pois já são valores fixos, o que nos dá uma base melhor de ganhos.”
Helena Lizo, diretora da Lalamove Brasil, explica que a tarifa do serviço é baseada em vários fatores, como situação do tráfego, volume de pedidos, disponibilidade de parceiros de entrega, pedágios aplicáveis, sobretaxas e assim por diante. Cada categoria de veículo possui uma tarifa base por km rodado. Para Carreto, por exemplo, a tarifa base é de R$ 100 para trajetos de até 3 km. Entretanto, o valor total pago por corrida também leva em consideração o número de paradas adicionais e serviços especiais contratados pelo cliente (como ajuda do motorista, adicional de período noturno, serviço de fila, etc). Ela reitera que fazer entregas pela empresa pode representar uma oportunidade: “Os entregadores conectam produtos a consumidores de forma rápida e eficiente, e através desta conexão impulsionam a economia local e geram novas oportunidades de renda.”
Motoristas se dividem sobre o que é mais lucrativo, mas preferem as entregas
Os trabalhadores apresentaram diversas sugestões para melhorar as condições de trabalho de entregadores e motoristas de aplicativos, focando-se principalmente em segurança, regulamentação e infraestrutura. Enio enfatizou a necessidade de isenção do rodízio para veículos de aluguel com placa vermelha: “Gostaria muito que conseguíssemos liberar para quem tem carro de aluguel, para a gente não ficar parado nos dois períodos que o rodízio nos segura, que é na parte da manhã e na parte da tarde. Isso limita muito o nosso horário”, argumenta. Ele destaca como essa mudança poderia otimizar a jornada de trabalho e aumentar a produtividade dos entregadores.
Shana menciona que uma das maiores dificuldades enfrentadas nas entregas é a questão dos endereços e da acessibilidade: “Muitos têm numerações ausentes e em condomínios muitas vezes é complicado fazer as entregas”, explica. Ela sugere que plataformas de entrega e as administrações de condomínios trabalhem juntas para encontrar soluções que facilitem o acesso e reduzam o tempo gasto procurando endereços, melhorando assim a eficiência do trabalho.
Tanto Shana quanto Wellington trabalham com entregas e corridas por aplicativo e relatam experiências divergentes. Enquanto Shana afirma que a recompensa financeira das entregas é maior, Wellington afirma que o transporte de passageiros é mais lucrativo. No entanto, ambos afirmam que, caso fosse possível fazer apenas um, escolheriam as entregas.