Aplicativo regional que opera em Santa Catarina, conta com uma média de 700 a 800 corridas diárias.
Há quatro anos, Ernani Matos, em mais um de seus trabalhos com campanhas eleitorais, teve a oportunidade de conhecer de perto o trabalho dos motoristas de app e suas respectivas queixas em relação às grandes plataformas.
Observando o descontentamento da classe, o gestor e idealizador do projeto desenvolveu o aplicativo regional Vapt Vupt, que atua em São José, Palhoça, Biguaçu, e mais 20 cidades do estado de Santa Catarina.
Com uma frota de 2.300 motoristas, o app conta com 50 mil passageiros cadastrados, atendendo uma média de 700 a 800 corridas diárias.
Depois de conversas e reuniões com motoristas da Associação dos Motoristas de Aplicativo de Santa Catarina (Amasc), Ernani decidiu criar uma solução viável para o trabalho das viagens: “A cada reunião que a gente tinha, os motoristas vinham com a mesma situação, que até hoje perdura: ‘Eu fiz uma corrida e a Uber me cobrou 40% do valor, ficou para eles. Ah, porque eu fiz uma corrida com a 99 e a 99 ficou com, naquela época, acho que 19%.’”
Com uma plataforma em mãos e um White Label pronto, ele convocou os motoristas, convidando-os para participar do projeto.
Matos conta que seu investimento foi alto, mas um de seus maiores custos foi com a mídia: “O problema hoje é justamente a aquisição de mídia, manter isso no ar, atrativo, o tempo todo. Um dos grandes problemas que temos nesse negócio de mídia é que você não consegue achar uma mídia especializada nisso. Você consegue mídia especializada em vender roupa, qualquer coisa no comércio. Mas a mídia especializada em mobilidade, isso é difícil, muito difícil. Você tem que trabalhar e desenvolver um modelo.”
Como é que você faz essa definição de preço de corrida, de taxa para o motorista?
“A minha ideia inicial era fazer um preço fixo. Eu sempre citava para os motoristas, como uma Netflix: você vai lá, paga uma mensalidade e vai assistir filme o mês inteiro. Se você vai assistir uma hora, um dia ou 30 dias do mês, esse é problema seu, você pagou, usou. Essa era a ideia inicial.
Mas o negócio não se sustentava: ‘Como é que eu vou pagar uma mensalidade de, por exemplo, R$200 por mês, se o aplicativo não tem chamadas suficientes?’
Então, mudei isso para um custo fixo. Hoje a minha plataforma cobra 7,9% do valor da corrida. É, que eu conheço, a plataforma mais barata no mercado nacional. Até porque a ideia não é ficar rico com isso, não é. Já tenho um negócio estabilizado. Não há necessidade de enriquecer de uma hora para outra.
E os valores das corridas são melhores que os da Uber para o motorista. A gente procura manter em torno de R$2 por km. E, em certas situações, até mais do que isso.
Minha plataforma tem algumas funcionalidades que outras empresas não têm, como a parte do ‘da maçaneta’. Você consegue abrir uma corrida com o cliente já sabendo qual é o preço final. O cliente aceita, você inicia a corrida. E ele nem precisa ter o aplicativo instalado no celular. Isso me dá alguns benefícios ao longo do tempo.”
Quais são os números da operação do app?
“Estamos com 2.300 motoristas. No total, quase 50 mil clientes cadastrados. E estamos trabalhando em uma base de mais ou menos 700 a 800 corridas por dia.
Atuamos hoje na Grande Florianópolis e em alguns grandes municípios de Santa Catarina. Mas agora mudei um pouco o modelo de negócio, estou mudando os planos do negócio, com franquias. Não é exatamente uma franquia, estou licenciando o aplicativo para outros municípios.”
Qual é o principal desafio de concorrer em um mercado com grandes multinacionais?
“Acho que o principal desafio do mercado é a conscientização do motorista. Ele precisa se conscientizar do que realmente quer. Esse, para mim, é o grande desafio. Hoje, o motorista senta no carro e fica aguardando uma corrida. Essa espera pode trazer boas corridas, mas também corridas ruins. Ou seja, o motorista deveria vender o seu serviço e não esperar que o serviço venha até ele. Essa é uma situação que enfrentamos muito.
Uma das coisas que vejo no mercado é que, na minha opinião, a Uber se tornou uma empresa de leilão, não mais uma empresa de aplicativo. Deixa eu explicar: você está no Leblon e quer ir para Copacabana. Abre o aplicativo e coloca o destino. A Uber informa que a corrida custará R$100. Quando você dá o ‘ok’, ela lança essa corrida para os motoristas próximos por R$50.
Alguns aceitam, outros não. Motoristas mais experientes sabem quanto vale a corrida, mas muitos aceitam qualquer valor porque não conhecem os custos do seu próprio carro. A política da Uber é ‘quanto pior, melhor’.
Muitos motoristas começam a dirigir por necessidade, após perderem o emprego, por exemplo. Instalam o aplicativo, começam a aceitar corridas e, no começo, o dinheiro entra. Mas, em poucos meses, surgem os custos: seguro, bateria, pneus, manutenção, lavagem. Esses motoristas não têm consciência dos custos e, quando precisam pagar esses boletos, já estão fora do mercado formal e dependentes do aplicativo.
O resultado é a degradação não só dos motoristas, mas de toda a cadeia. Motoristas que não ganham dinheiro procuram serviços mais baratos, como lava- jatos de baixa qualidade, ou compram pneus usados. Toda a cadeia se degrada. Chegará um momento em que empresas que vendem peças, pneus e serviços automotivos também sentirão esse impacto, porque os motoristas não terão como pagar por qualidade.
Quanto mais as grandes plataformas apertam os motoristas, pior a situação se torna. A degradação na qualidade dos serviços e a precarização do trabalho geram uma bola de neve que afeta toda a economia ao redor do transporte por aplicativo.”
Que tipo de conhecimento ou habilidade você acredita que é essencial para um gestor de um aplicativo de transporte?
“Primeiro, é fundamental conhecer muito bem as necessidades do seu público. Um motorista mal pago acaba sendo um motorista que cuida mal do carro e que não se sente responsável. Ele acaba tendo menos consideração pelo outro porque se sente desvalorizado. Então, por exemplo, eu tenho as mesmas categorias que a Uber possui: Uber X, Comfort e Black, mas com nomes diferentes.
No entanto, criei uma categoria diferente, chamada motorista premium. Na minha visão, todas as plataformas contratam motoristas baseando-se no carro que eles possuem. Por exemplo, o Uber X aceita carros mais simples, o Comfort exige um carro com porta-malas maior, e o Black requer um modelo mais sofisticado. Mas isso não significa que um motorista com um Corolla híbrido seja melhor do que outro com um Gol.
Por isso, fiz uma parceria com o SESC Senad para oferecer treinamento aos meus motoristas. Criei uma categoria diferenciada, que não é Comfort, mas também não chega a ser Black. Em termos de valores, ela se encontra entre essas duas categorias. O motorista premium é tratado como executivo em valor, mas acima do VIP, pois é treinado e capacitado.
Desenvolvi um portfólio com oito cursos voltados para motoristas de aplicativos. Eles abordam desde manutenção do carro e direção defensiva até temas mais específicos, como o tratamento de passageiros autistas, pessoas com deficiências ocultas, idosos e mulheres. A ideia surgiu quando meu filho, que tem um filho autista, falou sobre a dificuldade de manter uma rotina com motoristas sem treinamento adequado.
A solução foi simples: treinar motoristas que pudessem lidar com essas particularidades e criar uma relação de confiança com os clientes. Eles aprenderam sobre o que podem ou não fazer, sobre o que a lei permite, como lidar com um cão-guia, entre outras coisas. Dessa forma, o cliente sabe que, ao chamar um motorista, ele terá um serviço de qualidade, com água disponível, um carro limpo e um motorista preparado.
Isso independe do modelo do carro. Seja um Corolla ou um Gol, o que importa é o atendimento. O motorista deve primar pelo respeito ao cliente, agir de forma profissional, abrir a porta quando possível, dar bom dia, boa tarde.
Ele deve entender que, naquele momento, o passageiro está alugando o carro e o motorista para ser levado a um determinado lugar. Assim como o dono de uma casa não pode entrar em uma residência alugada sem permissão, o motorista deve respeitar o espaço e o tempo do passageiro, porque é ele quem está pagando por isso.”
Quais são os planos para o Vapt Vupt? O que você imagina do futuro do aplicativo?
“A ideia não é atingir todo o país, mas, com essa história de fazer agora, já terminamos o plano de negócios para fazer essa franquia, essa licença, não sei aonde isso realmente vai parar. O objetivo é ter um franqueado, um licenciado em um município para que ele possa dar um atendimento humanizado ao motorista e ao passageiro.
Para que lá no município dele, ele faça aquilo que eu, como dono, faço. Atenda o passageiro, atenda o motorista. Porque uma das coisas que as plataformas regionais têm de bom é a humanização do sistema.
Por quê? Porque eu não vou conseguir dormir se eu ficar olhando meu WhatsApp e souber que um motoqueiro se acidentou na BR.
Então, a gente tem essa parte muito humanizada. Eu já paguei consulta para o motorista porque ele estava com problema de coluna, não conseguia sair da cama. Já arrumei bengala, andador, para o motorista que precisava.
Eu acho que isso é uma das grandes vantagens das plataformas regionais, dos aplicativos regionais. Se todos os donos de aplicativos tiverem essa parte humanizada, essa parte de atendimento, de acolhimento, de estar junto.
E é isso que eu pretendo fazer com as licenças. Quem quiser ser um licenciado para a Vapt Vupt, vai ter que sentir na pele o que acontece. Vai ter que ser humano, vai ter que dar o atendimento, e atender o telefone na hora que o motorista precisa.”