Rui Bezerra é motorista de aplicativo em São Paulo desde 2020 e já chegou a estar entre os 25% que mais faturavam na Uber. Hoje, com uma média semanal de R$2.500, ele vê a realidade da categoria se deteriorar. Trabalha das 5h às 20h, roda até 300 km por dia e sente no bolso o impacto do aumento dos custos e da queda nos repasses da plataforma.
Crítico das mudanças no setor, Rui é direto: “Antes, trabalhava menos e ganhava mais. Agora, só trocamos figurinha”. Nesta entrevista, ele fala sobre desgaste, estratégia e por que não recomenda mais a profissão para quem tem um emprego estável.
Então, hein, nossa primeira pergunta é saber há quanto tempo você é motorista de aplicativo e o que te levou a começar a realizar esse tipo de atividade.
Rui: Eu sou motorista desde o dia 20 de fevereiro de 2020, faz cinco anos.
E você começou a trabalhar como motorista por quais motivos, qual motivo?
Rui: Ah, antes eu era caminhoneiro, né? Aí eu comecei a trabalhar de motorista porque era uma saída prática, uma solução rápida — e tô até hoje.
E, Rui, a minha próxima pergunta: você é um motorista que tá aí há cinco anos e pouquinho, né? Você deve ter adaptado a sua rotina de trabalho com o tempo, mas eu gostaria de saber hoje como que é a sua rotina de trabalho. Então, de que horas a que horas você trabalha? Se você pausa, folga, algum dia da semana? Se você tem horários preferenciais pra trabalhar? Como é que é isso?
Rui: Eu começo a trabalhar às cinco horas da manhã e vou até sete, oito horas da noite. Paro pro almoço, depois tiro mais ou menos uma hora de descanso e vamos que vamos.
Geralmente, eu folgo na segunda-feira e às vezes também no domingo.
E, Rui, você é guiado por alguma meta no sentido de “só volto pra casa se eu faturar determinado valor”?
Rui: Não, não trabalho assim.Eu acho que o importante é você sair de casa, trabalhar e voltar pra casa com saúde. Esse é o mais importante. A meta, na verdade, acaba sendo um reflexo da sua dedicação. Se você se dedica, você vai ganhar. Se não se dedica, não vai ganhar.
Você se considera um motorista seletivo na maneira que você trabalha? Como que é isso pra você?
Rui: Eu me considero um motorista normal. Não faço nenhuma seleção, não.
Você é um motorista que aceita as corridas, que tem a taxa de aceitação alta, vamos dizer assim?
Rui: Não, minha taxa de aceitação é baixa, sim. Eu pensei que você estava falando em termos de pessoas com quem eu trabalho, mas se for em termos de valores, aí sim: eu faço seleção. Porque às vezes a Uber quer pagar R$1,20 ou R$1,30 o KM. Quando comecei, em 2020, a Uber pagava em média R$1,70 o KM. Como é que pode hoje quererem pagar R$1,20? A inflação comeu tudo. Naquela época, qualquer conserto do carro custava R$300, R$400. Hoje em dia, qualquer manutençãozinha é R$1.000, R$1.500.
Muitos motoristas falam — não sei se você concorda — mas a gente acabou de sair de uma entrevista com um motorista que disse que antes se trabalhava menos e ganhava mais.
Rui: Isso é verdade. Trabalhava menos, ganhava mais e sobrava mais dinheiro no bolso.
Por causa dos custos, né? Os custos aumentaram demais.
Hoje em dia, por exemplo, quando comecei a trabalhar, eu sempre almocei no mesmo restaurante ali na Vila Guilherme, bem próximo da ponte. Na época, o almoço era R$17. Hoje está R$26. E isso nos pratos básicos, não estou nem falando dos pratos mais requintados. Um refrigerante era R$7, hoje está R$10. Tudo aumentou demais: manutenção do carro, combustível… E o nosso ganho não acompanhou a inflação.
E minha próxima pergunta, Rui: esqueci de perguntar no começo, em qual cidade você trabalha mesmo?
Rui: São Paulo, São Paulo capital.
Ah, legal. Gostaria de saber agora se você tem uma média de faturamento diário, semanal, mensal, trabalhando aí da maneira que você trabalha.
Rui: Quando está sem promoção, sem nada — que nem agora — a minha média geralmente é R$2.500 por semana. Mas eu já cheguei a estar entre os 25% que mais faturam na Uber por vários meses, quando a plataforma incentivava mais a gente.
Só que isso vai desgastando. Você rala demais, a manutenção do carro aumenta muito e no fim das contas você só está trocando figurinha. Aí a gente pisa um pouco no freio e passa a trabalhar só pelo essencial. Eu já cheguei a trabalhar começando às 8 da manhã e voltando todo dia 10, 11 horas da noite. Mas aí eu percebia que estava me acabando comigo mesmo.
E você tem alguma média de corridas que você aceita? Tipo, 60, 70, 80? Você seleciona por KM? Como é que é a sua seleção?
Rui: Tem que juntar os dois: o KM e o tempo. Porque só olhar o KM não adianta. Às vezes você pega uma corrida de 10 KM, mas que demora uma hora pra fazer, por R$18 — eu não vou mais de jeito nenhum.
A Uber tem feito muito isso, principalmente de manhã. De manhã, ela só manda corrida promocional. Por exemplo: pegar um passageiro em Santana e levar pro Itaim. Uma corrida que vai durar uma hora, uma hora e dez. Aí a Uber tem a cara de pau de mandar essa corrida por R$34, R$35. Sendo que, antigamente, essa mesma corrida vinha por R$54, R$55.Aí você termina a corrida, vai lá ver no aplicativo quanto o passageiro pagou… O passageiro pagou R$80. A Uber está te pagando R$35 e ficando com R$45. Isso é um absurdo. Mais da metade. Eu já peguei corrida e, depois de ver no app, percebi que a Uber estava comendo mais da metade do valor.
E você tem uma ideia daquela taxa semanal que a Uber geralmente manda pra vocês? Alguns motoristas falam que não é bem assim, que ela dá uma maquinada nos valores.
Rui: Lógico que dá. É certeza.
Tem semana que ela diz que ganhou 19% em cima de você. Mas quando você vai lá no espelho das corridas, passa corrida por corrida e dá uma olhada, a Uber está ganhando muito mais do que isso. Só que às vezes acontece dela pegar algumas corridas em horário de pico, e aí é onde ela começa a perder. No horário de pico, ela melhora o valor das corridas, já pra te segurar até tarde da noite. Principalmente depois das quatro horas da tarde.É uma jogada que eles fazem: melhoram os valores pra fazer todo mundo ficar na rua até o final do dia.
Entendi. Então, você acredita que eles te obrigam a ficar até o final do dia, aumentando um pouquinho o valor pra atender a demanda da noite, né?
Rui: Exatamente. Pra atender a demanda da noite. Porque na parte da manhã, eles só mandam osso. É só osso mesmo. Aí quando chega à noite, vêm com um filezinho, só pra te forçar a ficar até o final do dia.
E você atua no Comfort, no X, no Black?
Rui: No meu caso, só no X.
Só no X. E por que você não trocou de carro até agora?
Rui: Eu não troquei de carro até agora também por causa do governo. O governo sempre quer se meter onde não é chamado. Esse problema da Uber baixar o valor das corridas começou depois daquela reunião do governo, querendo regulamentar a categoria pra R$32,10 a hora. Depois disso, a Uber ficou confortável pra praticar esse valor. Antes, ela não trabalhava dessa maneira.
Pelo cálculo deles, a gente ia ganhar R$8,00, e o restante ia ser pra manutenção do carro, combustível e todos os nossos custos. Pra trabalhar o mês inteiro na Uber e ganhar um salário mínimo, melhor ser frentista de posto de gasolina — você vai ter muito mais benefícios.
Acredito que se o governo não tivesse se metido naquela época… O governo anterior, por exemplo, queria que o pessoal tivesse MEI — Microempreendedor Individual. Se fosse isso, teria sido muito melhor. A gente emitiria nota pra Uber e não teria os problemas que estamos tendo agora. Foi ali onde começou tudo.
Existe uma tática antiga que é assim: pra eu te fazer aceitar algo, eu tenho que te dar algo pior. Aí você aceita aquilo que achava ruim, porque agora parece bom perto do que está pior.
Isso é uma técnica antiga. Na história, você encontra muito isso aí.
Minha próxima pergunta é: você tem alguma preferência por determinado tipo de corrida? Claro que a melhor corrida pra vocês é aquela que paga melhor. Mas tem alguma preferência por corrida longa, curta, ou pra determinado local?
Rui: Eu não tenho preferência, não. Eu sou muito focado no valor. Se for uma corrida que me paga bem, pode até ser longa. Mas, se for curta e também pagar bem, tudo bem.
Às vezes, uma corrida de sete reais é melhor do que uma longa.Tipo, a pessoa está a 500 metros ou 1 KM de distância, e eu deixo ela a dois KM depois.Uma corrida dessa de sete reais é melhor que muita corrida longa. A Uber, às vezes, tem a pachorra de mandar corrida de 25 KM por R$33. Qual é a lógica disso? Sai quase R$1,00 o KM. Não tem como. Não vou. Prefiro ficar parado, lendo um livro.
Minha próxima pergunta é: você tem alguma ideia de quantos KM roda por dia e como funciona seu abastecimento?
Rui: Eu abasteço, em média, por dia entre R$140 a R$200. Depende muito. Tem dias com muito trânsito — São Paulo tá totalmente parada — e isso consome mais combustível.
As próprias corridas também influenciam. Às vezes são mais longas. Mas minha média de abastecimento fica nessa faixa: entre R$140 a R$200 por dia. Às vezes chega a R$190. E eu faço, em média, uns R$500 por dia, R$500 e pouco. Só que, como falei, quando você vai ver, você está gastando muito e ficando muito tempo na rua.
E, Rui, você recomenda essa profissão pra quem esteja precisando de um novo trabalho? Quem esteja precisando de um bico? Ou até, não sei, queira sair do CLT?
Rui: Olha, se a pessoa estiver no CLT, se ela tiver um trabalho razoável, ganhando um salário de uns R$2.500 por mês, eu não aconselho sair do CLT pra ir pra Uber. Vai dar um tiro no pé. E se for com carro alugado, pior ainda. Tenho amigos que trabalham com carro alugado e falam: “cara, tô trabalhando o mês inteiro pra ganhar R$1.800”. Essa pessoa não tem direito a nada. Quando sai, sai com uma mão na frente e outra atrás.
E, detalhe: se Deus me livre acontecer algum acidente com o carro alugado, quando vai pagar a franquia, perdeu o mês. Então, não aconselho mesmo sair do CLT pra Uber, do jeito que tá hoje. Se fosse há cinco anos, minha opinião seria diferente. Como te falei, há cinco anos a Uber pagava muito melhor.Eu era caminhoneiro. Deixei de ser caminhoneiro, fiz um teste na Uber, gostei, vendi meu caminhão e vim trabalhar aqui. Hoje, eu não faria mais isso.
Entendi. E… seu carro é próprio ou alugado?
Rui: Meu carro é próprio.
Aí dá uma aliviada, né? Porque pra quem aluga, deve ser mais puxado.
Rui: Dá uma aliviada sim. O pessoal que aluga carro hoje paga R$800 por semana. É um valor absurdo, eu acho.Mas tudo bem, quem aluga também precisa ganhar o seu. Fica com a manutenção, com o seguro, com todos os custos da operação do motorista. Mas, mesmo com carro próprio, como é o meu caso, meu carro está praticamente detonado.Mesmo fazendo manutenção, é um carro com mais de 350 mil KM rodados. Tem dia que eu rodo entre 250 a 300 KM por dia. Imagina quanto ele vai valer quando eu for vender… Só se eu encontrar um tiozinho de bengala, que não enxerga muito bem. Aí consigo um valor bom. Fora isso, esquece.
Entendi. E, Rui, quais dicas você daria pra quem tá começando esse trabalho como motorista de aplicativo?
Rui: Pra quem tá começando, a dica é dedicação. É saber que é um trabalho que não dá pra fazer corpo mole. Tem que ralar mesmo, ter compromisso com o horário. Estabelecer uma rotina. No meu caso, eu não estabeleço mais meta de valor, porque pra mim isso é ilusório. No final, dá sempre certo.
Mas se a pessoa quiser estabelecer uma meta, que seja de horário: “Vou começar às 5 da manhã, tirar o horário de almoço e ir até às 6, 7 da noite.” Tem que fazer essa meta.
O dinheiro vai vir. É um benefício do seu próprio suor. Você vai ganhar. Mas, como eu digo, não se ganha mais como antigamente.