Paulo Roberto Oliva tem quase 30 anos de experiência no transporte de passageiros. Ex-taxista por duas décadas, ele migrou para os aplicativos em 2017, acreditando em uma nova oportunidade de renda. Oito anos depois, ele relata que a realidade é outra: tarifas defasadas, custos elevados e uma rotina exaustiva tornam a atividade cada vez menos viável.
“Se eu paro, não ganho. Mas, mesmo trabalhando 12 horas por dia, não consigo atingir a meta para cobrir meus custos”, desabafa. Segundo ele, os ganhos caíram cerca de 70% nos últimos anos, enquanto as despesas, como combustível e manutenção, só aumentam.
Além do impacto financeiro, Paulo alerta para o desgaste físico e mental dos motoristas. “O estresse é constante. Estamos sacrificando nossos veículos e a nós mesmos.” Confira a entrevista completa a seguir:
Gostaria de saber há quanto tempo você trabalha com esse serviço e como você começou a atuar com os apps?
Paulo: Eu trabalhei como taxista por 20 anos, de 1997 a 2017. Em dezembro de 2017, deixei o táxi e automaticamente migrei para os aplicativos, sendo o Uber o primeiro.
Antes disso, eu já usava o EasyTaxi e a 99 para trabalhar com o táxi. Quando decidi atuar exclusivamente nos aplicativos, comecei a rodar apenas com o Uber. Agora, em 2025, no final do ano, completarei oito anos na plataforma.
E Paulo, como é a sua rotina de trabalho? Você tem dias específicos ou um horário fixo?
Paulo: Meu horário é comercial. Começo entre 5h e 6h da manhã e vou até as 16h ou 17h.
Você tira folgas?
Paulo: Na verdade, não temos direito a folga. Se paramos, deixamos de ganhar. Os valores pagos hoje não são compatíveis com o mercado, há uma defasagem muito grande.
Comparando com minha renda como taxista em 2017, perdi cerca de 70%. Então, mesmo sabendo que em algum momento preciso parar, cada dia parado representa um grande prejuízo. Por exemplo, ontem parei por conta do ar-condicionado do carro e, entre ontem e hoje, não trabalhei nada. Foram dois dias sem faturamento, e quando eu voltar a trabalhar amanhã, mesmo cumprindo as 12 horas permitidas pelos aplicativos, nunca conseguirei recuperar o valor perdido nesses dias. Simplesmente não existem tarifas que permitam compensar essas perdas ao longo do tempo. São dois dias perdidos.
Durante seu horário de trabalho, você tem alguma meta de faturamento diário? Algo como R$ 300, R$ 350 ou R$ 400?
Paulo: O valor ideal hoje seria R$ 500 por dia. Isso cobre os custos operacionais do carro e o custo do meu tempo de trabalho, o que chamamos de homem-hora (HAH). Mas esse valor é impossível de ser atingido no tempo disponível.
Por que não dá tempo de atingir esse valor, se você trabalha 12 horas?
Paulo: Porque as tarifas são muito baixas. É inadmissível trabalhar com um preço de R$ 1,10 ou R$ 1,20 por quilômetro rodado. Muitas corridas chegam a ter quase 60% de desconto, favorecendo o Uber. Os passageiros frequentemente comentam quanto estão pagando, e quando comparo com o que recebo, é uma afronta.
Isso se chama “dumping”. Sabe o que é dumping? É quando uma empresa coloca os preços muito abaixo do mercado para eliminar a concorrência. O Uber entrou com tarifas muito reduzidas para enfraquecer o setor de táxis, mas esses valores não cobrem os custos operacionais do motorista.
Entendi. Então, sua meta é faturar R$ 500, mas na prática, quanto você consegue?
Paulo: Minha meta é R$ 500, mas raramente consigo chegar a R$ 300. Dependendo da época do mês, é ainda pior. O final do mês, por exemplo, é um período ruim, pois as pessoas estão sem dinheiro. O mercado começa a melhorar entre o dia 30 e o quinto dia do mês seguinte. Dura cerca de 10 dias e depois volta a cair. Isso impede que a gente tenha estabilidade e consiga cumprir nossas metas para manter a casa e os custos do carro.
Agora, falando sobre custos: você abastece todos os dias com um valor fixo? Começa o dia abastecendo R$ 50, por exemplo?
Paulo: Não tenho uma regra fixa. Tanto posso abastecer pela manhã como no final da tarde, dependendo do meu estado físico e emocional. Meu carro é GNV, é o combustível que mais uso. Hoje, gasto entre R$ 100 e R$ 120 por dia com abastecimento.
Entendi. E sobre a seleção de corridas, você usa algum aplicativo para filtrar? Aceita apenas corridas de determinado valor ou calcula o custo por quilômetro?
Paulo: Não utilizo nenhum aplicativo para isso. Trabalho pelo instinto e pela experiência de 27 anos no transporte. Geralmente, deixo as corridas chegarem e analiso na hora.
Se a corrida for de R$ 6 ou R$ 7, eu não pego. Corridas precisam ser acima de R$ 13. Dependendo da distância, aceito corridas de R$ 10. Mas corrida de R$ 6,50, levando quatro passageiros, é um absurdo! Aqui em Salvador, a tarifa do ônibus é R$ 5,20. Se essas quatro pessoas fossem de ônibus, gastariam juntas mais de R$ 20. Nós, motoristas, acabamos transportando pelo preço de um ônibus, sem ter os benefícios que ele tem. Isso é um desrespeito à nossa classe.
E, bom, você comentou comigo que 70% dos seus ganhos diminuíram nos últimos oito anos. Como isso impactou seu faturamento?
Paulo: Para exemplificar, no táxi eu faturava R$ 7.000 brutos. Faço sempre um paralelo com os preços dos produtos: um litro de leite custava R$ 1,00, hoje custa R$ 7,80 aqui em Salvador. O café que antes era R$ 5,00, agora está entre R$ 15,00 e R$ 20,00. O pão, que custava R$ 1,00 por 10 unidades, hoje custa R$ 6,00. Assim, a defasagem é evidente.
Enquanto tudo aumentou, a Uber não corrigiu as tarifas. O combustível é um exemplo claro: em 2017, o GNV custava cerca de R$ 1,80. Hoje, o mais barato está a R$ 4,00, mas a maioria dos postos cobra R$ 4,23. Esse desequilíbrio torna inviável a conta para nós, motoristas. Estamos sacrificando nossos veículos e a nós mesmos.
Muitos motoristas comentam que o faturamento bruto não mudou tanto, mas que o lucro caiu drasticamente devido ao aumento dos custos. Você concorda com essa tese?
Paulo: Concordo plenamente. Continuamos faturando valores similares, mas os custos aumentaram muito. Se antes era possível tirar R$ 3.000 líquidos já pagando todas as despesas, hoje isso é inviável.
Você mencionou que faturava R$ 7.000. Atualmente, você ainda atinge esse faturamento, mas com um lucro menor?
Paulo: Sim, continuo com esse faturamento, mas meu lucro é muito menor. Na verdade, trabalho no negativo. Não tenho mais lucro, apenas cubro os custos passados. Estou há três anos operando no vermelho.
Atualmente, você trabalha apenas com a Uber ou também utiliza outros aplicativos, como a inDrive?
Paulo: Eu desinstalei a inDrive por questões operacionais e pela falta de consideração com o motorista. A plataforma não assume responsabilidade alguma pelo passageiro. Se uma corrida não é paga, o prejuízo fica com o motorista. Muitas vezes, o passageiro promete pagar via Pix e simplesmente desaparece no final da corrida. Por isso, desinstalei o aplicativo.
Atualmente, trabalho com a 99, mas de forma esporádica. Meus principais aplicativos são Uber e 99.
Você mencionou que trabalhou por 20 anos no transporte. Quando exatamente começou a utilizar aplicativos?
Paulo: No táxi, comecei a usar aplicativos por volta de 2013 ou 2014, talvez um pouco antes, em 2010. Na época, usava o EasyTaxi e o 99Taxi.
Em relação às taxas repassadas pelas plataformas, você percebeu uma redução ao longo dos anos?
Paulo: Sim, houve uma redução abrupta. Antigamente, o valor por quilômetro chegava a R$ 2,00 ou R$ 2,10. Hoje, caiu para R$ 1,10 ou R$ 1,20, dependendo da corrida, no máximo R$ 1,40.
Não consigo calcular um valor superior a isso. O ideal seria um valor entre R$ 2,50 e R$ 2,80 para que o trabalho voltasse a ser sustentável. Se houvesse esse reajuste, com o tempo, a sociedade se acostumaria e os motoristas poderiam voltar a ter lucro. Sem essa correção, continuaremos trabalhando no negativo.
Com tarifas tão baixas, como isso afeta a condição dos carros?
Paulo: A frota está deteriorada. Basta olhar os carros que rodam nos aplicativos: muitos estão batidos, com pintura desgastada, pneus carecas e amortecedores danificados. Ninguém quer rodar com um carro em más condições, mas os motoristas são forçados a escolher entre sustentar a casa ou manter o carro. Se gastam para consertar o carro, falta dinheiro para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.
Na sua opinião, qual é a maior dificuldade enfrentada pelos motoristas de aplicativo hoje?
Paulo: A maior dificuldade é sustentar o próprio veículo.
Você ainda acha que vale a pena trabalhar com aplicativos? E qual dica daria para quem está começando?
Paulo: Olha, primeiro, não compensa mais trabalhar com aplicativos. Eu estou tentando sair aos poucos e, em breve, devo deixar a atividade porque não há sustentabilidade no setor.
Não recomendo que ninguém entre nessa profissão com os valores que estão sendo pagos hoje. Não é nem uma questão de risco, porque risco existe em qualquer lugar: no táxi, no ônibus, no metrô. O problema é que o retorno financeiro não justifica o desgaste. Você aumenta seu risco sem uma compensação financeira adequada. O resultado é só cansaço e prejuízo para o motorista e para o carro.
Perfeito. Paulo, você sentiu falta de falar sobre algum assunto?
Paulo: Acho que cobrimos os temas principais: a sustentabilidade do trabalho, o desgaste do homem-hora e as consequências disso na vida do motorista.
E quais são essas consequências para o motorista?
Paulo: O estresse é um dos principais problemas. O trânsito funciona como uma “gota d’água” caindo num copo cheio: uma hora ele transborda. O motorista está cansado, estressado e fadigado, mas não pode parar porque precisa sustentar a família. Esse ciclo leva a brigas no trânsito, acidentes e um estado de esgotamento físico e mental.
Os aplicativos ignoram esse problema. Desde que a Uber surgiu, sempre ficou claro qual é o objetivo final: a autonomia total dos veículos. Eles querem substituir motoristas por carros autônomos. Por isso, cada corrida que fazemos ajuda a mapear a cidade para eles. Motoristas são usados como “mapeadores urbanos” sem qualquer benefício.
As plataformas exploram os motoristas, e o governo também não se preocupa com a categoria.
Paulo, você já sofreu algum bloqueio ou sanção das plataformas?
Paulo: Nunca sofri bloqueio. Minha nota na Uber é 4,99 e na 99 é 4,96.
Entendi. Para finalizar, você gostaria de deixar uma mensagem?
Paulo: Sim. Minha mensagem é que todos os motoristas se unam para lutar por tarifas mais justas. Uma andorinha sozinha não faz verão. Eu posso reclamar e conversar sobre isso, mas se os outros motoristas continuarem aceitando trabalhar por esses valores, nada mudará.
Se houvesse uma união geral, poderíamos pressionar por um aumento justo nas tarifas. Os motivos para isso são reais e matemáticos: ninguém pode ganhar R$ 1,00 se está pagando R$ 2,00 em custos. A conta nunca vai fechar. Todos os motoristas que eu conheço compartilham desse sentimento de desilusão e desgaste.
Uma resposta
Concordo plenamente com a entrevista, estou a 6 meses na Uber, e vejo que estou pagando pra trabalhar, meu carro é semi-novo, ano de 2023. E vejo que como o sistema está será inviável continuar na Uber. Infelizmente. Precisamos nos unir.