Allan Puga começou sua trajetória como motorista de aplicativo em 2016 e, desde então, tem se dedicado à luta pelos direitos da categoria. A necessidade de representação formal levou à criação da AMASC, associação que busca oferecer suporte e benefícios aos motoristas de Santa Catarina.
Nesta entrevista, ele compartilha sua experiência, os desafios enfrentados e as conquistas da entidade, além de destacar a importância da união e do conhecimento para garantir melhores condições de trabalho no setor.
Como você se tornou motorista de aplicativo e o que te levou até a associação?
Allan Puga: Eu comecei a fazer corridas por aplicativo em dezembro de 2016. Aqui no estado de Santa Catarina, a Uber iniciou suas operações em setembro de 2016, e eu comecei logo depois, em dezembro. Assim, fiz parte da primeira turma de motoristas de aplicativo no estado.
Em 2017, houve um grande debate sobre a regulamentação da atividade, pois surgiram diversas discussões sobre taxas e a possibilidade de proibição do serviço. Foi um ano intenso para essa questão, e até a própria Uber promoveu campanhas defendendo o direito de escolha. Nesse contexto, comecei a me envolver com outros motoristas para lutar contra a proibição da atividade.
No entanto, quando chegávamos à Câmara Municipal ou a outros órgãos públicos para discutir a regulamentação, sempre nos questionavam: “Quem vocês são?” Nossa resposta era que éramos motoristas de aplicativo, mas logo nos perguntavam se pertencíamos a alguma entidade ou instituição. Na época, nós apenas fazíamos parte de grupos no WhatsApp, como o grupo On, Caveres, Penélopes, entre outros. Ou seja, não tínhamos uma representatividade formal.
Diante dessa necessidade, em 2017 surgiu a ideia de criar uma entidade para dar suporte e representatividade aos motoristas. Trabalhamos nesse projeto e, em 2019, conseguimos formalizar a AMASC (Associação dos Motoristas de Aplicativo de Santa Catarina), com CNPJ, estatuto e toda a documentação necessária. Desde então, venho atuando junto com os motoristas na defesa dos nossos direitos e do direito de escolha.
Porém, manter uma associação é um desafio, pois a rotatividade dos motoristas é muito alta. Muitos entram no setor temporariamente e depois voltam para suas profissões de origem. Isso torna difícil a cobrança de mensalidades para sustentar a entidade. Para resolver essa questão, buscamos parcerias público-privadas, garantindo que a AMASC continue existindo e atuando em favor da categoria.
A AMASC foi idealizada em 2017, formalizada em 2019 e, desde então, estamos em constante evolução. Nossa missão é representar e defender os interesses dos motoristas de aplicativo e seus associados. Nossa visão é estar presente em todo o estado de Santa Catarina, por isso criamos uma associação estadual. Começamos na Grande Florianópolis, mas hoje temos regionais em Balneário Camboriú, Itapema, Vale do Itajaí e até em Joinville, a maior cidade do estado. Também já tivemos atuação no sul de Santa Catarina e estamos buscando ampliação para o interior e o oeste do estado.
Nosso principal valor é a união, pois percebemos que os motoristas muitas vezes possuem interesses individuais. Trabalhamos para fortalecer essa união, pois entendemos que ela é essencial para conquistar melhores condições de trabalho, redução de custos e maior representatividade junto aos órgãos públicos.
Entre nossos objetivos principais estão a redução de custos e gastos, considerando que o aumento do preço dos combustíveis e da manutenção é constante, enquanto os repasses das plataformas para os motoristas não acompanham essas elevações. Também trabalhamos com qualificação profissional, pois acreditamos que a valorização da nossa profissão passa pela capacitação. Por fim, buscamos melhorar a qualidade de vida dos nossos associados e de suas famílias.
Você continua trabalhando como motorista de aplicativo?
Allan Puga: Sim, sempre. Desde que iniciei, lá em dezembro de 2016, eu continuo trabalhando como motorista de aplicativo. É claro que hoje eu não faço tantas corridas como antes, mas utilizo as estratégias que aprendi ao longo do tempo. No início, trabalhava 8 a 10 horas seguidas, aceitando todas as corridas, sem estratégia. Com o tempo, aprimorei meus horários, locais de trabalho e formas de operar para otimizar meus ganhos.
Uma das iniciativas da AMASC, junto com influenciadores como Fernando Floripa, é promover palestras para motoristas sobre estratégias de trabalho, redução de custos e maximização de ganhos. Realizamos eventos regularmente, muitas vezes nos auditórios dos Sest Senat, instituição do Sistema S voltada a trabalhadores do transporte. No próximo mês, estamos organizando um novo grande encontro para continuar esse trabalho educativo.
Quais foram as principais conquistas da AMASC?
Allan Puga: Desde 2017, uma das nossas principais conquistas tem sido a participação nas regulamentações municipais, evitando que as leis proibissem ou dificultassem a atividade dos motoristas de aplicativo. Em algumas cidades, como Florianópolis, a regulamentação ainda precisa de ajustes, mas em outras, como Joinville e Balneário Camboriú, conseguimos modificar textos para beneficiar os motoristas.
Outro grande avanço foi o diálogo com instituições como o Floripa Airport. Antigamente, os motoristas ficavam sem um local adequado para aguardar corridas, mas negociamos um espaço exclusivo, com contrato firmado entre o aeroporto e a Uber, garantindo uma área de espera estruturada, com banheiros, iluminação e limpeza.
Também conquistamos espaços exclusivos para embarque e desembarque de passageiros, como o ponto localizado na frente do terminal central de Florianópolis. Antes, os motoristas precisavam parar em locais inseguros, sujeitos a multas e riscos. Em parceria com as secretarias municipais de mobilidade, criamos áreas dedicadas ao embarque e desembarque de passageiros por aplicativo.
Outra conquista importante foi a participação no Conselho Municipal de Trânsito. Isso nos permite influenciar decisões sobre grandes eventos na cidade e no estado, garantindo espaços para motoristas de aplicativo e melhor fluidez no trânsito.
Além disso, firmamos parcerias privadas que oferecem descontos em serviços essenciais para os motoristas, como manutenção de veículos, pneus, seguros e troca de óleo. Essas parcerias ajudam a reduzir custos e tornar a atividade mais rentável para nossos associados.
Acredito que essas são as principais conquistas da AMASC. Se lembrar de mais alguma, menciono ao longo da conversa.
Qual a diferença entre uma associação e um sindicato de motoristas de aplicativo? E como o motorista pode se associar à AMASC?
Allan Puga: A associação representa diretamente seus associados de forma associativa. Já um sindicato representa uma categoria profissional como um todo. Hoje, não temos uma categoria formal de motoristas de aplicativo, mas existe um projeto de lei tramitando em nível nacional para criar essa categoria. Se isso acontecer, os sindicatos passarão a ter representatividade sobre todos os motoristas, independentemente de serem sindicalizados ou não.
A diferença essencial é que a associação luta pelos interesses de seus associados diretamente, enquanto o sindicato tem o respaldo constitucional para representar toda uma categoria. No entanto, a AMASC busca oferecer benefícios e fortalecer a representação dos motoristas, proporcionando vantagens e apoiando seus associados em diversas questões.
Como o motorista pode se associar?
Allan Puga: Hoje, a AMASC tem um site no ar, onde os motoristas podem se associar. Atualmente, contamos com uma base de aproximadamente 3.800 a 4.000 associados cadastrados. O site é amasc.org.br. Lá, além de informações sobre a história da associação, também há um link de cadastro para novos associados.
Por meio da AMASC, os motoristas também podem ter acesso a iniciativas como o programa CNH Emprego na Pista, em parceria com o governo estadual. Esse projeto permite que os associados solicitem uma declaração pelo site da associação para participar do programa, que tem foco na CNH. É uma das vantagens oferecidas, e muitas outras estão sendo buscadas.
Nosso objetivo é atingir o maior número possível de motoristas no estado. Estimamos que existam cerca de 100 mil motoristas de aplicativo em Santa Catarina, e nossa meta é alcançar pelo menos 50% desse total. Buscamos constantemente novos benefícios e oportunidades para nossos associados, fortalecendo nossa presença em todo o estado.
Quais são as principais dificuldades da categoria hoje? E que conselho você daria para quem está começando?
Allan Puga: A principal dificuldade enfrentada pelos motoristas de aplicativo é o aumento constante dos custos para manter a atividade. O combustível, por exemplo, é um dos principais gastos, e seu aumento reduz significativamente a margem de lucro dos motoristas.
Para quem está começando, é essencial entender que não basta apenas rodar muito e fazer um alto faturamento bruto. Se um motorista faz R$ 500 em um dia, mas roda 500 quilômetros para isso, ele pode estar tendo altos custos e, consequentemente, um lucro muito reduzido. O segredo está em otimizar os ganhos, reduzindo custos e trabalhando com estratégias eficientes. A AMASC também busca orientar os motoristas nesse sentido, ajudando-os a entender melhor sua própria rentabilidade.
Outra dica que damos para quem está começando estão relacionadas à redução de custos e à otimização do lucro líquido. Realizamos palestras para ensinar os motoristas a trabalhar de maneira mais eficiente, convertendo melhor as horas trabalhadas em ganho real.
Um dos maiores desafios é entender que não basta apenas calcular o faturamento bruto. Muitos motoristas acreditam que, se fizeram R$ 300 em um dia e gastaram R$ 50 de combustível, o lucro foi de R$ 250. Mas isso não é verdade, pois existem outros custos envolvidos, como manutenção do veículo, pneus, troca de óleo, plano de celular e depreciação do carro.
Uma grande dificuldade é fazer com que os motoristas compreendam essa conta. Muitos só percebem o real custo quando surge um problema mecânico, como a necessidade de trocar pneus ou amortecedores, e se veem com um prejuízo de R$ 2.000 a R$ 3.000. É nesse momento que a ficha cai e eles percebem que não estavam considerando todos os custos ao calcular seus ganhos.
Para contornar essas dificuldades, a AMASC também orienta os motoristas sobre alternativas para reduzir gastos. Entre elas, está a escolha de veículos mais econômicos ou mesmo a migração para carros elétricos. Um dos projetos que estamos desenvolvendo é a instalação de pontos de recarga para veículos elétricos. Estamos dialogando com uma grande empresa que possui espaços de estacionamento para viabilizar esses pontos de carregamento e também áreas de apoio aos motoristas de aplicativo. Ainda não está implementado, mas faz parte do nosso planejamento futuro.
Sobre a regulamentação que está em pauta, houve audiências públicas em dezembro. Você foi convidado para essas discussões? O que os motoristas podem esperar dessa regulamentação?
Allan Puga: Atualmente, há um projeto em tramitação no Congresso Nacional, o PLP 12/24. Em 2023, tive a oportunidade de participar, junto com motoristas de todo o Brasil, da elaboração de um texto para regulamentação nacional da categoria. Esse texto teve apoio do deputado Daniel Agrobom, que faz parte da Frente Parlamentar dos Motoristas de Aplicativo.
Além disso, participei de audiências públicas em Brasília para dialogar sobre o tema. Nossa principal luta foi contra as falhas do texto protocolado pelo governo, que continha pontos inconstitucionais. Nossa pressão teve como objetivo garantir que a regulamentação seja justa para os motoristas.
As associações não são contra a profissionalização da categoria, como alguns alegam. No entanto, um dos problemas do PLP 12 foi a forma como ele foi elaborado, sem uma participação adequada dos motoristas. Formou-se um grupo de trabalho governamental sem a devida inclusão de quem realmente entende e vive a realidade da profissão.
Seguimos acompanhando as discussões e defendendo um modelo de regulamentação que traga segurança jurídica e benefícios reais para os motoristas de aplicativo.
Qual foi o papel das associações na tramitação da PLP-12?
Allan Puga: A PLP-12 foi elaborada entre governos, sindicatos e a associação das empresas, a Amobitec, sem a devida participação das associações de motoristas. Essas entidades acabaram elaborando um texto que não refletia os interesses dos motoristas. Por isso, as associações criaram um texto alternativo, protocolado pelo deputado Daniel Agrobom, que deu origem ao PL 536/24.
Sabemos que um projeto vindo do executivo tem mais força para tramitar. No entanto, trabalhamos fortemente para substituir o texto da PLP-12 pelo do PL 536, que defende um modelo mais justo para os motoristas. A discussão se dividiu entre aqueles que defendem um contrato de trabalho semelhante ao modelo CLT e aqueles que buscam um modelo intermediário. É um debate extenso, mas o principal é que as associações lutaram para barrar o texto da PLP-12 antes que ele chegasse à votação. Como resultado dessa articulação, o projeto foi retirado de pauta no dia 2 de julho de 2024.
A AMASC participou ativamente dessa articulação. Defendemos não apenas a regulamentação justa da atividade, mas também a valorização do quilômetro rodado. O PL 536 propõe uma abordagem baseada no markup, um mecanismo que calcula os custos operacionais do motorista e estabelece uma margem de lucro justa.
O que é o markup e por que ele é importante para os motoristas?
Allan Puga: O markup é um sistema de precificação que considera todos os custos envolvidos na prestação do serviço e adiciona uma margem de lucro justa. Isso é essencial para garantir que os motoristas tenham uma remuneração adequada pelo trabalho realizado.
A associação das plataformas não recebeu bem essa proposta, pois ela exigiria um custo para implementar esse modelo, incluindo a contratação de uma empresa especializada para fazer esse levantamento e a criação de um cadastro nacional de motoristas. No entanto, acreditamos que esse cadastro é fundamental para a implementação de políticas públicas eficazes, como a redução do IPVA para motoristas de aplicativo e incentivos para a renovação da frota com veículos sustentáveis.
O PL 536 também aborda a necessidade de saber quantos motoristas atuam no setor para que possam ser implementadas políticas públicas direcionadas, como descontos em impostos e programas de apoio à categoria.
Qual é a sua mensagem final para os motoristas de aplicativo?
Allan Puga: Para quem está começando, minha principal dica é buscar informação e aprender com outros motoristas experientes. Não seja um lobo solitário. Conecte-se com grupos, associações e profissionais que possam orientar você.
Para quem já está na atividade há mais tempo, é fundamental acolher e compartilhar conhecimento com os novos motoristas. Eles não são concorrentes, são parceiros. Quando todos trabalham de forma mais eficiente, a categoria se fortalece e os ganhos melhoram para todos.
Minha mensagem é clara: informem-se, unam-se e colaborem entre si. Assim, poderemos conquistar melhores condições de trabalho e garantir um setor mais justo para todos.