Pesquisar

“Na minha cidade a Uber cobra 5%, 9%, 10%, 14% por corrida”, conta motorista de app

“Corridas curtas também geram valor, porque você faz várias com menor distância percorrida. [...] Muitas vezes é mais vantajoso do que uma longa, mesmo que esta pague mais", relata motorista de app.

ponto de exclamacao .png
Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem de óculos escuros e boné com logotipo da marca Kibon, em ambiente coberto com telhado de madeira.
Foto: Osnei Santos para 55content

Osnei Santos, motorista da Uber, iniciou na profissão aos 60 anos após perder o emprego e já acumulou mais de 10 mil corridas. O motorista atua na cidade de Catanduva e viu nos aplicativos de transporte uma saída para continuar gerando renda. Mas, ao tentar se manter dentro da lei, descobriu um sistema que o empurrava na direção oposta. Nesta entrevista, ele revela como a prefeitura da cidade se recusa a credenciar motoristas vinculados à Uber, forçando-os à informalidade, e como a Decar, plataforma local, cobra taxas abusivas de quem não aceita exclusividade. Entre a ética e a sobrevivência, ele desabafa: “Sou honesto, não quero mentir para trabalhar”.

Há quanto tempo o senhor é motorista e como veio parar nessa profissão?

Bom, eu comecei em novembro de 2023, quando perdi o emprego no qual trabalhei durante 15 anos. Eu sempre atuei com vendas, porém viajava para fora da minha região. Em 2023, o contrato foi encerrado e fiquei sem opção. A cidade tem cerca de 120 mil habitantes e, com a minha faixa etária — acima dos 60 anos —, é difícil conseguir uma colocação condizente com o meu antigo salário, que cai bastante.

Através de amigos, ingressei em um aplicativo local, o Decar, que ainda está ativo, mas com o qual eu não trabalho mais. Iniciei com eles e fiquei por apenas dois meses. Nesse período, tive algumas decepções com a plataforma e acabei migrando para a Uber, que é a única com a qual estou até hoje. Já faz quase dois anos.

Hoje então o senhor roda só na Uber?

Só na Uber, no momento.

Quais são os aplicativos aí que o pessoal costuma rodar na cidade?

Tem a Uber, a Decar, a 77 Car e, agora, um novo chamado Vamo Simbora.

E todos eles estão no mesmo patamar de competição? Tem algum que toca mais corrida? Como é a concorrência entre esses quatro?

No início, a Decar era pioneira aqui, por isso mesmo fui para lá. Porém, hoje não é mais assim. Posso assegurar firmemente que a Uber tem mais corridas do que todas as outras. A Uber tomou conta do mercado da região, muito em função do preço — o valor das corridas para o passageiro. 

Entrando agora nessas questões, quais são as principais dores e reclamações dos motoristas da região?

No meu caso, vejo como uma falta de investimento da própria Uber. O preço que eles estipulam aqui é mais baixo que o dos concorrentes, e não sei se haveria necessidade de ser tão baixo. Como há público e demanda, se o valor fosse semelhante ao dos outros, a Uber estaria ainda mais evidente no mercado. Com isso, mais motoristas poderiam se interessar em trabalhar com eles.

A plataforma até oferece algumas vantagens. Uma delas é o sistema em nuvem, que atende quem for mais competente e quem tiver mais habilidade para realizar as corridas — o que não ocorre com os outros aplicativos. Nos demais, infelizmente, existe o que chamamos aqui de “panelinha”, em que alguns são favorecidos, e o restante fica com o que sobra. Esse foi um dos motivos pelos quais saí da Decar.

O senhor observou que existe algum tipo de favorecimento?

Tem sim, para determinados motoristas. Isso eu comprovei por meio de ações minhas próprias e, de fato, constatei essa situação.

E hoje, como é o formato que o senhor trabalha? O senhor trabalha com alguma meta de ganhos diários, semanais?

Minha meta diária é de 30 atendimentos. Trabalho das 5h30 da manhã até 18h ou 19h, dependendo do dia.
Às vezes passo um pouco dessa meta, mas preciso controlar porque a Uber só permite 12 horas de trabalho. Depois disso, o sistema trava o aplicativo. Então é necessário coordenar bem. Mas, sim, minha meta é de 30 corridas por dia.

Independente do valor que o senhor vai ganhar?

Sim, 30 corridas para garantir um valor razoável, para não ficar no prejuízo.

E, em média, essas 30 corridas geram quanto de ganho bruto?

Depende da ocasião. Se eu pego muitas corridas curtas, essas 30 corridas vão render cerca de R$300 brutos. Se forem corridas de um bairro a outro, posso chegar a R$330 ou R$350. Já cheguei até a R$400, mas não passa disso.

E para fazer essas 30 corridas, o senhor demora mais ou menos quanto tempo?

Eu trabalho o dia todo. A média de duração das corridas aqui é de 10 minutos. Considerando os horários de descanso, posso dizer que trabalho de 10 a 12 horas seguidas, sem sombra de dúvida.

Falando agora sobre as taxas dos aplicativos: hoje o senhor está rodando só na Uber. Qual é a média que fica com a Uber?

Há variações. Já chegou a 5%, 9%, 10%, 14%, mas não passa disso atualmente. Eles nos passam o relatório semanal. A semana começa no domingo e termina no sábado seguinte. Já chegou a 5%, mas às vezes dá 10%. Pode considerar seguramente uma média de 10%, que varia para mais ou para menos.

É curioso, porque em algumas cidades o pessoal chega a dizer que a Uber fica com 50%…

Eu não vejo isso, não. Eu tenho controle do que faço, e nunca vi 50%. Quem me cobrou 50% foi a Decar. O administrador descobriu que eu usava tanto o Decar quanto a Uber, e disse que, para trabalhar na plataforma dele e em outra ao mesmo tempo, teria que pagar 50 centavos de taxa por corrida. Foi por isso que parei de usar. Como havia pouca procura no aplicativo deles e eu precisava trabalhar, abri outro aplicativo. Eles descobriram de alguma forma e começaram a cobrar 50% de taxa nas minhas corridas. Aí parei, né? Não tem cabimento.

Então, pelo que o senhor está falando, há quanto tempo a Uber chegou na cidade?

Ah, eu não sei exatamente quando chegou. Eu estou desde 2023, mas sei que ela já estava aqui antes disso.

Mas o senhor sente que essa escalada da Uber foi de um tempo para cá, que ela começou a realmente dominar a cidade?

Percebi que sim. Eles fizeram esse movimento: colocaram os preços das corridas lá embaixo, e as corridas migraram todas para a Uber.
Aí os motoristas que trabalhavam em outros aplicativos começaram a sentir a queda na demanda e disseram: “Cara, a gente vai ter que trabalhar para a Uber”.
É isso mesmo. Mesmo com as taxas, é melhor trabalhar do que ficar parado, né?

E ainda sobre isso, o senhor acha que, mesmo com esse movimento agressivo da Uber, há espaço para outros aplicativos na cidade, ou o mercado está totalmente dominado por ela?

Olha, sou franco em dizer que ouço muitas reclamações sobre demora no atendimento. Pode ser que haja espaço, sim, mas desde que o trabalho seja bem feito. Muita gente reclama que demora para chegar o carro, que ele está distante, mas não há o que fazer. Quem quiser, tem que esperar.

O que o senhor acha que um novo aplicativo precisaria ter para atrair motoristas? Porque o senhor falou que a Uber paga menos, mas dá mais corrida. Então, como é que se equaciona isso? O senhor acha que, se chegasse um aplicativo que pagasse mais, o pessoal migraria ou eles vão mesmo é onde tem mais corrida, independentemente do valor?

Olha, eu tenho a opinião de que corridas pequenas também geram valor, porque você faz várias com menor distância percorrida.
A corrida mais longa paga um valor maior, porém o gasto também é maior, então não é uma equação simples. Você precisa fazer essa conta muito rapidamente, na hora de aceitar a corrida.

Por exemplo, se você pega uma corrida para um bairro distante, o valor agregado é bom, mas a possibilidade de não conseguir uma corrida de volta é grande.
Se isso acontecer, você vai ter que retornar por conta própria, com mais gasto.
Então, pegar duas corridas próximas muitas vezes é mais vantajoso do que uma longa, mesmo que esta pague mais.

Quanto ao que precisaria ser feito, esse novo aplicativo, o “Vamos Simbora”, está oferecendo vários incentivos para atrair motoristas — inclusive isenção de taxa no início. Depois, é lógico, vai ter que cobrar alguma taxa, porque ninguém sobrevive sem receita. Mas o valor que ele cobra do passageiro, isso eu já não sei, porque não tenho acesso a essa informação.

O que eles estão fazendo para atrair motoristas é isentar a taxa por um ou dois meses. Além disso, os próprios motoristas estão divulgando, com adesivos nos carros — já vi vários na cidade — e distribuindo cartãozinho por todo lado para avisar que tem um novo aplicativo operando.

A 99 não conseguiu entrar aí?

Não.

E como é o funcionamento da cidade em si? Qual a característica dessas corridas?
É uma cidade com vida noturna? Tem muitos estudantes? Como são os passageiros?


Sim, há universidades na cidade, várias, que pertencem ao UNIFIP, à Fundação Padre Albino. Ela tem três campi localizados em regiões distantes, o que gera bastante corrida, especialmente no período da noite.

Durante o dia, o fluxo é mais voltado ao comércio. Pessoas indo para o trabalho, para a escola. A vida comercial é bem centralizada, mas há pontos mais distantes, como os distritos industriais, onde as corridas são menores.

Além disso, muitas empresas disponibilizam transporte próprio para os funcionários, com ônibus da empresa. Tem também as usinas, que oferecem ônibus fretados. Esses casos acabam não gerando trabalho para a gente.

E, para a gente finalizar: o que o senhor acha que os aplicativos precisam fazer para melhorar a vida do motorista?

Falo por experiência própria. Vou te citar um exemplo. A Uber é mundialmente conhecida, é uma multinacional, e tem os seus processos. A gente tem acesso ao suporte — eu, por exemplo, sou motorista Diamante, tenho mais de 10 mil corridas —, mas o suporte deles é muito básico. Se for uma situação mais complexa, você não tem acesso a ninguém. E também não tem retorno.

Vou te dar um exemplo de algo que estou vivendo agora. Quando comecei a trabalhar com aplicativo, precisei fazer o credenciamento junto à prefeitura, que é obrigatório. Na época, a Decar me forneceu uma declaração de que eu trabalhava com eles, e deu tudo certo. A adesão foi feita, sem problemas.

Agora, na renovação, eu não estou mais nem na Decar nem na 77 Car — estou apenas com a Uber. Apresentei toda a documentação exigida para renovar o cadastro, mas a solicitação foi negada. O motivo? A Uber não é reconhecida aqui como aplicativo de transporte de passageiros.

Eles não estão regulamentados aí na cidade?

É, eles dizem que não, mas eu não sei que tipo de regulamentação é essa, porque a Uber tem regulamentação para todo lugar, né? Agora, não sei de onde vem isso, nem de que forma. Não me apresentaram nenhuma lei, nada. Eu simplesmente entreguei a documentação e eles recusaram para o credenciamento.

Aí eu falei: “Então eu vou trabalhar na informalidade, fazer o quê? Vou continuar trabalhando com a Uber.” Eles disseram: “Ah, mas o senhor tem que estar trabalhando com mais de um aplicativo.” E eu respondi: “Não, eu trabalho com um só.”

Até o agente que me atendeu comentou: “Quando o senhor estava na Decar e eles descobriram que também trabalhava com a Uber, começaram a cobrar 50% de taxa. O senhor acha isso certo?” Eu respondi: “Então quer dizer que eu tenho que trazer uma declaração falsa aqui, dizendo que estou trabalhando com a Decar ou com outro aplicativo, só para ser credenciado? Eu sou honesto, não quero isso. Quero trabalhar corretamente. Tenho seguro do carro, seguro para o passageiro, tenho tudo o que é exigido. Mas o credenciamento da prefeitura, que eu preciso para continuar operando, vocês não querem fazer. Então a gente tem que ficar na informalidade, não tem outro jeito. Parar, eu não vou.”

Então, pelo que o senhor está falando, temos dois grandes aplicativos na cidade: a Uber e a Decar. A Uber, sendo multinacional, e a Decar, regional.
Na Uber, o senhor vê como principal questão o suporte robotizado, e na Decar, a exigência de exclusividade?


É isso mesmo. A Uber tem um suporte muito automatizado, justamente por ser multinacional. Já a Decar exige exclusividade: se você trabalhar com outro aplicativo, não tem conversa, eles cobram mesmo.

Então, o ideal seria um aplicativo que desse liberdade para o motorista e, ao mesmo tempo, oferecesse um suporte humanizado, mais próximo?

Exatamente. Até porque eu já fui atrás de advogado, e, como motorista de aplicativo, você não é obrigado a ter exclusividade com nenhuma plataforma — isso está na lei. Você pode trabalhar com quem quiser.

A Uber nunca me disse que eu só posso trabalhar com eles. Já a Decar exige isso, então não tem como. Foi por isso que saí de lá.
Acho um absurdo. Inclusive o próprio agente da prefeitura falou: “Mas todos os motoristas trabalham com mais de um aplicativo.” E eu disse: “Todos não. Eu não trabalho.”
Não vejo motivo para misturar as coisas. Está nesse patamar: ou trabalha certo ou não. E eu vou continuar trabalhando do jeito certo.

Então, hoje, nenhum motorista da Uber está credenciado na cidade?

Pelo visto, não. Do jeito que ele falou, se você colocar “Uber” no requerimento, eles não aceitam. Pode até ter motorista da Uber credenciado, mas não pela Uber. Pode ser que esteja credenciado pela Decar ou pela 77. Se você leva uma declaração da 77, eles aceitam. Da própria Decar, também aceitam. Agora, se levar uma declaração da Uber, eles não aceitam renovar o credenciamento.

E se a pessoa estiver com declaração da Uber e da Decar?

Aí eles aceitam. Mas aí entra essa questão da exclusividade. E não tem cabimento.
Eu falei: “Moça, não tem como eu fazer isso. Se eu trabalhar com a Decar, eles vão me cobrar 50% de taxa por corrida. Isso não tem lógica, considerando o custo que eu já tenho. Quer dizer então que o meu trabalho não vale nada?”

E como foi esse processo na prefeitura?

Eu fiz o requerimento lá no Departamento de Trânsito. Solicitei o credenciamento pela Uber. Pedi que o agente encaminhasse meu processo ao coordenador dele e disse: “Olha, isso aqui é um órgão público. Toda a documentação que entreguei está protocolada. Então, se for negado, eu quero a recusa por escrito. Não aceito só a palavra.”

Ele ficou meio preocupado. Eu disse: “Tenho direito. É um órgão público. Tudo que entra aqui é documentado, então a negação também tem que vir por escrito — ou eu estou credenciado ou não estou, e por quê.” Não sei se vão me dar essa declaração, mas, se derem, vou procurar outras instâncias.

Pesquisar