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“Já faturei R$ 1.000 a mais após trocar carro a combustão por elétrico — e o mês ainda não acabou”, afirma motorista de app

"Corrida que paga R$ 30 em 10km parece boa mas aí vc vê e vai ficar 1 hora e meia no trânsito. Temos que equilibrar ganho por km e hora", diz motorista de app.

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem com óculos escuros sorrindo dentro de um carro, vestindo uma camiseta cinza.
Foto: Lucas Guerra para 55content

Desde 2019, Lucas Guerra conhece de perto cada rua, dinâmica e desafio do trânsito de Belém do Pará. Mas seu ponto de partida foi bem diferente: antes de entrar para o universo dos aplicativos de mobilidade, ele construiu uma carreira sólida no setor bancário, onde chegou ao cargo de gerente administrativo. Após um acidente de moto e o desgaste com a rotina exaustiva no banco, decidiu virar a chave — literalmente — e transformar sua paixão por dirigir em profissão.

Seis anos depois, Guerra não apenas consolidou sua atuação como motorista de aplicativo, mas também se tornou uma das principais vozes da categoria na região Norte. Com uma linguagem direta, prática e bem-humorada, ele acumula mais de 100 mil seguidores em suas redes sociais, onde compartilha experiências, estratégias financeiras, tutoriais e bastidores da rotina nas ruas.

Nesta entrevista, Lucas detalha como fez a transição de carreira, comenta os aprendizados que trouxe do setor corporativo, explica como organiza suas finanças, fala sobre o impacto de ter adquirido um carro elétrico e reflete sobre os riscos e as recompensas da profissão. Com sinceridade, ele também dá conselhos a quem está pensando em entrar nesse mercado: “Não é fácil. Mas, com planejamento, estudo e foco, dá pra crescer.”

Como e quando começou a trabalhar nos aplicativos? 

Lucas: Sou motorista de aplicativo desde 2019. Vou completar 6 anos agora em junho e sempre gostei de trabalhar. Tenho 40 anos, fiz agora em abril. Trabalho desde os 12 ou 13 anos com a família e comecei a receber meu primeiro salário aos 15. Sempre quis ter minha independência financeira.

Trabalhei em shopping, em cartório, e depois entrei na faculdade de Administração. Na época, eu trabalhava numa loja de calçados, consegui crescer na empresa graças ao meu curso e cheguei a trabalhar com os diretores. Depois surgiu uma oportunidade única: trabalhar em banco. Em 2007, entrei no banco como escriturário. Juntando com minha formação em Administração, toquei minha vida. Na mesma época, conheci minha esposa. Já tinha vontade de casar e ter minha casa. Casamos cedo. Cresci no banco: fui caixa, supervisor e, por fim, gerente administrativo.

Mas junto com esse crescimento veio a pressão. A cobrança era diária, o expediente era exaustivo. Apesar dos bons salários e benefícios, era muito complicado. No auge e declínio da minha carreira, sofri um acidente de moto perto de casa e fraturei parte da face. Fiquei dois meses afastado. Quando voltei, fiquei só mais uma semana e a carta de demissão estava na mesa. Entendi que ali era meu limite.

Meses depois, um amigo que também era do banco já estava na Uber. Ele me incentivou: “Tu gosta de dirigir, gosta de celular, é bom em atendimento. Tu vai arrebentar na Uber.” E eu entrei. Fiz a primeira corrida e viciei. Era aquilo. Peguei minha experiência de banco e apliquei tudo nos apps: atendimento, análise de mapas, horários, dinâmica da cidade. Estudei tudo. O negócio realmente dava retorno.

Nove meses depois, troquei meu carro que era um pouco problemático por um zero, arrisquei mesmo. Peguei um Kwid, desafiador também, mas aprendi mecânica, troquei experiência com colegas. E estou aí desde então.

E como surgiu a ideia de começar a criar conteúdo para internet?

Lucas: Então, eu já estava bem entrosado nos grupos de WhatsApp de motoristas, trocando informação, aprendendo e compartilhando o que eu sabia. Um dia, um colega me pediu ajuda para entender o funcionamento de um aplicativo. Como eu estava indisponível naquele momento para encontrá-lo pessoalmente, sugeri: “Vou fazer um vídeo explicando, pode ser?” Ele topou.

Gravei o vídeo e enviei para ele. Depois que assistiu, ele me respondeu: “Cara, adorei tua explicação. Tua didática é excelente, tu explicou tudo direitinho.” Em seguida, veio a sugestão que mudou muita coisa: “Por que tu não coloca esse vídeo no YouTube? É o YouTube, cara! Tu tá me ajudando e esse vídeo pode ajudar muitos outros motoristas também. Quando alguém tiver dúvida sobre esse aplicativo, tu já manda teu link direto.”

Pensei a respeito e resolvi postar o vídeo. E não é que começou a ter curtidas, comentários, gente elogiando? A gente passou até a usar esse mesmo vídeo como referência dentro do grupo para ajudar os novos colegas que estavam chegando. Com o tempo, empolgado com a receptividade, comecei a fazer outros vídeos. Fui pegando gosto pela coisa, e sem perceber, virei influenciador.

Como eu costumo dizer, “no meio dessa correria maluca”, acabei me tornando um criador de conteúdo. Comecei até pouco antes da pandemia, mas ainda não tinha assumido esse título com convicção. Eu queria primeiro consolidar minha base, construir algo sólido, colocar realmente o meu nome no mercado.

Comecei no YouTube, gravando vídeos voltados para o nosso dia a dia de motorista. O que eu fazia muito era assistir vídeos de influenciadores de outras regiões, principalmente do Rio de Janeiro e do Sul do país, e interpretava aquilo com o nosso olhar, com a nossa realidade aqui de Belém — porque, como você sabe, cada capital tem sua dinâmica própria, e a nossa é bem diferente.

E o pessoal daqui começou a se identificar. Curtiram, compartilharam, porque realmente não havia nenhuma referência local. Ninguém falava com propriedade sobre a vida do motorista de aplicativo em Belém do Pará. Outros até tentaram produzir conteúdo, mas acabaram desistindo.

Foram dois anos de dedicação só ao YouTube, criando bastante vídeo e formando uma base consistente. Depois, fui expandindo para outras redes: entrei no Instagram, no TikTok e também no Facebook. Hoje, sou motorista de aplicativo e sou influenciador digital.

Todo dia recebo mensagens de agradecimento, pedidos de ajuda, dúvidas. E eu faço questão de responder todos. Digo sempre que não gosto de deixar ninguém sem resposta. E fico muito feliz porque, no fim das contas, tudo aquilo que aprendi nas minhas experiências profissionais formais consegui aplicar dentro do universo dos aplicativos — e deu certo.

Você trabalha só com a Uber ou também faz 99?

Lucas: Faço Uber e 99. Mas eu trabalho por dinheiro, não por marca. Se um aplicativo está melhor, fico nele. Com o carro elétrico, decidi não fazer mais viagens em espécie. A Uber toca corridas no cartão o dia inteiro. Já a 99 é mais periferia, muito dinheiro em espécie, o que não me atende mais. Mas fico de olho nos dois.

Tem algum app regional que funcione bem aí?

Lucas: Já chegaram alguns, sim. Mas não têm força na capital. São mais fortes no interior. Em Belém, eles tentam, mas não conseguem se firmar.

Você roda só na capital ou também vai para cidades próximas?

Lucas: Na verdade eu moro em Ananindeua, na região metropolitana de Belém. Costumo rodar em Belém, Ananindeua e até Benevides. É um raio de 35 a 40 km. Castanhal já é mais longe, uns 60 km, então não costumo ir. Aqui tudo é perto comparado a cidades como São Paulo.

E sua rotina? Quantas horas trabalha por dia? Tem alguma folga?

Lucas: Minha rotina é bem corrida. Segunda a sexta eu acordo às 5h, no máximo 5h30, já estou de pé. Rodo até 9h ou 10h, aí eu faço uma pausa porque faço academia, preso muito pela minha saúde física. Depois levo meu filho pra escola e volto a rodar entre 13h e 14h até umas 18h ou 19h. Não rodo à noite. Aos fins de semana, intercalo com eventos e compromissos familiares. E nesse tempo também gravo conteúdo. Quase tudo é feito no carro — falo que lá é meu estúdio. Minha esposa até brinca com isso.

E voltando no assunto do carro, que carro você tem hoje?

Lucas: Depois do Kwid, acabei trocando de carro e peguei um Sandero, que já era um veículo um pouco mais resistente, mais robusto, com mais conforto. Fiz essa escolha justamente por causa das exigências da Uber pra ser Comfort. Só que, algum tempo depois, a Uber descredenciou o Sandero. Foi aí que eu pensei: “Beleza, mais um desafio. Isso aí é um obstáculo, mas também é uma oportunidade. Vou ficar mais um tempo com esse carro e, em seguida, partir para um upgrade de verdade, buscar um veículo ainda melhor.”

E graças a Deus, há dois meses, consegui conquistar esse objetivo. Adquiri um Dolphin, meu primeiro carro 100% elétrico. E posso dizer com toda certeza: foi um divisor de águas na minha vida, tanto no lado pessoal quanto no profissional. Eu, que dirijo desde criança, senti que estava me presenteando com algo que representa não só um avanço tecnológico, mas também um marco na minha trajetória.

Você trabalha com metas diárias? Só volta pra casa depois de fazer um certo valor?

Lucas: Sim. Tenho, na verdade, uma meta da manhã, entre 6h e 10h, geralmente R$ 150 brutos. Se bato, sei que à tarde posso fechar o dia entre R$ 300 e R$ 350. Hoje, por exemplo, foi fraco. Quarta aqui é “quarta do galo duro” que a gente chama, porque tem baixa demanda. A salvação foram os serviços extras. Só aplicativo não teria dado.

E por semana, quanto você fatura?

Lucas: Depende. Em semanas normais, R$ 1.700 a R$ 1.800. Em boas, até R$ 2.500 ou R$ 3.000. Mas não me esforço muito.

Não gosto de falar muito sobre ganhos nas minhas redes sociais. Porque, veja bem, se eu chego lá e falo que faço R$ 2.000 por semana, isso pode ter dois efeitos: ou vou motivar alguém a tentar alcançar o mesmo, ou vou desmotivar, caso a pessoa não consiga chegar perto disso. E talvez ela não consiga mesmo, não por falta de esforço, mas porque talvez ela não tenha a mesma disponibilidade de tempo que eu tenho para rodar ou não tenha as mesmas condições.

Então, por conta disso, prefiro manter uma postura neutra. Eu passo informações bem objetivas e diretas, tipo assim: “Olha, esse aqui é o valor médio. Se você trabalhar tantas horas por dia, vai conseguir algo em torno disso.” E pronto. Sem criar expectativa irreal.

Sobre os meus ganhos, o pessoal acha que eu ganho horrores. Só porque hoje eu tô num carro elétrico, muita gente já vem com aquela ideia: “Ah, agora tu tá fazendo R$ 500 por dia, né?” E a verdade é que não. Nunca foi essa a minha realidade. Eu continuo fazendo a mesma média que sempre fiz, entre R$ 300 e R$ 350 por dia, no máximo. Sempre mantive esse padrão. E, inclusive, é com base nessa média que construo o conteúdo que compartilho nas redes.

Meu conteúdo serve tanto para quem precisa tirar R$ 100 por dia, porque tem outro trabalho fixo, quanto para aquele que quer tentar fazer os R$ 500. Aí cada um analisa, adapta conforme sua necessidade, sua rotina e segue o próprio caminho.

Você prioriza ganho por hora ou quilômetro?

Lucas: Eu sempre digo que o ideal é trabalhar na média, manter equilíbrio entre as duas coisas. Na semana passada mesmo, destaquei isso em uma das minhas publicações. Aqui em Belém a cidade está toda em obras por conta da COP30 — que é o evento climático da ONU que vai acontecer no fim do ano. Tá tudo virado de cabeça pra baixo. Uma bagunça mesmo. Mas é uma bagunça boa, porque são obras importantes: revitalização de pontos turísticos, construção de elevados, novas avenidas.

Com essas obras, o tempo das corridas ficou muito comprometido. Durante a dinâmica, por exemplo, a gente vê muita corrida pagando bem por quilômetro, especialmente na 99, que mostra o ganho por KM direto no card da corrida. Aí o motorista vê ali: “Nossa, R$ 3 por quilômetro, essa corrida tá boa!” A corrida dá R$ 30, beleza. Mas aí ele vai ver, vai ficar uma hora e meia preso no trânsito. Ele não sabe para onde é a corrida, não conhece a melhor rota, não sabe como está o trânsito naquele trecho.

E é por isso que, quando me perguntam: “Lucas, prioriza ganho por tempo ou por quilômetro?”, eu sempre respondo: equilíbrio. Cada momento exige um olhar diferente. Hoje, por exemplo, foi um dia de baixa demanda — a famosa “quarta do galo duro”, como a gente chama aqui. Vai aparecer corrida pagando bem por quilômetro? Vai, com certeza. Mas vai ser uma corrida curta, muito curta. Porque quando a demanda tá baixa, não tem passageiro suficiente, não tem dinâmica forte.

Aí o pessoal chega em mim e diz: “Ah, Lucas, eu só aceito corrida de R$ 2 por KM.” Beleza, mas se só tá aceitando isso agora, na baixa demanda, não tem como estar fazendo corrida longa. Vai estar pegando só as de R$ 5,80, que é o valor mínimo da Uber aqui em Belém. Porque nesse período não toca corrida longa pagando bem por quilômetro. 

E aí é que entra a importância de olhar para o tempo. Quando o trânsito está mais livre, você consegue cortar a cidade, atravessar a região metropolitana, ir do centro até os bairros em tempo recorde. Nessas horas, o ganho por tempo se sobressai. Talvez a corrida não pague bem por KM, mas vai te permitir rodar mais em menos tempo, com menos gasto de combustível — no meu caso, de bateria. Só que vai ser ruim por quilômetro.

E aí, no final do dia, chega aquele momento em que o motorista olha os números e vê: “Fiz R$ 300, mas rodei 200 km.” Por isso eu bato tanto nessa tecla: o segredo está no equilíbrio. Se focar só no ganho por quilômetro, quebra. Se focar só no tempo, não fecha a conta. O ideal é sempre buscar o ponto de equilíbrio entre os dois. Esse é o jogo.

Você é seletivo com as corridas?

Lucas: Demais. Eu sou muito seletivo, sim. Uma coisa que muita gente já veio me falar é: “Ah, agora que tu tá de carro elétrico, virou ‘dedo nervoso’, né? Aceita tudo porque não gasta combustível.” Mas não é assim. Eu prezo muito pelo meu trabalho. Prezo por tudo o que aprendi nesses anos, por tudo o que ensino para os outros motoristas. E, acima de tudo, penso pela minha ausência de casa, que é diária. Eu passo o dia todo longe da minha família. Então, se eu tô na rua eu tô sacrificando meu tempo com eles.

E onde é que eu coloco esse zelo todo? No meu aceite. É ali que eu me posiciono. E, por isso, as minhas taxas são consideradas horríveis. Minha taxa de aceitação é baixíssima. Porque eu sou seletivo, sim. Tenho essa prática, essa experiência de quem já tem, pelas minhas contas, entre 35 mil e 40 mil corridas nas costas. Então, quando a corrida toca, quando o card aparece na tela, em menos de 10 segundos eu já consigo ver se é boa ou não.

Agora, é claro que eu evito cancelar depois de aceitar. Isso é uma coisa que levo muito a sério. Quando acontece, eu fico chateado comigo mesmo. Me cobro de verdade, porque encaro isso como um erro. Aceitar e depois cancelar, para mim, é falha. Eu me conheço, e quando faço isso, até me repreendo mentalmente.

Se tu aceitou, tem que cumprir. Então, essa é a minha filosofia. Melhor rejeitar de cara do que aceitar algo que depois você vai se arrepender e acabar voltando atrás.

Como está sendo a experiência com o carro elétrico? Qual a mudança nos custos?

Lucas: O gasto que eu tinha antes com gasolina, eu praticamente transferi para a prestação do meu carro elétrico. Aí muita gente pergunta: “Ué, Lucas, então tu só trocou uma dívida por outra?” Mas não é bem assim. Não é só uma troca direta de custo, porque o carro elétrico quase não dá manutenção. Se eu ainda estivesse com o meu carro a combustão, por exemplo, essa semana ou na próxima eu já teria que fazer a troca de óleo, porque tinha que trocar a cada 10.000 km rodados.

Só essa manutenção, no mínimo, me custaria uns R$ 200 — entre óleo, filtro e o serviço. Então, além de economizar nesse tipo de manutenção, ainda tive outro benefício enorme em relação ao carregamento do carro. Aqui em casa, a gente fez meio que um planejamento. Temos energia solar há mais de um ano — acho que um ano e pouquinho. Quando instalamos, foi minha esposa quem assinou o contrato. E ela já sabia que eu tinha a intenção de ter um carro elétrico um dia. Eu já vinha pesquisando muito, assistindo vários vídeos, estudando o assunto, e ela acompanhava tudo isso.

A gente mora em apartamento, e como não dá para instalar energia solar aqui, a gente colocou o sistema na casa do pai dela. E aí fizemos um rateio do consumo. Aí parte da produção de energia de lá é direcionada para a nossa conta de luz aqui em casa. Ou seja, mesmo morando em apartamento, conseguimos usar energia solar de forma indireta para abastecer o carro.

E como é que eu faço o carregamento? O carro vem com um carregador fixo, o chamado Wallbox. Só que, como sou o primeiro morador do condomínio a ter um carro elétrico, se eu fosse entrar na burocracia do condomínio para instalar esse carregador, seria uma dor de cabeça, mais para mim do que para eles. Então optei pelo plano B: comprei um carregador portátil. Ele é um pouco mais lento, mas resolve o meu problema perfeitamente.

Como eu não trabalho à noite, costumo chegar em casa entre 18h e 19h. Daí já conecto o carro para carregar. No dia seguinte, por volta das 5h ou 6h da manhã, ele já está com a carga completa. E tem outro detalhe que me ajuda muito: moro no terceiro andar, e minha sacada fica de frente para a vaga onde deixo o carro. Então fiz uma tomada própria ali e passei uma extensão até o carro. 

Eventualmente, quando é um dia mais corrido, como em datas comemorativas ou em épocas de alta demanda, eu faço o carregamento na rua. Já temos pontos de recarga espalhados pela cidade — em supermercados, lojas, shoppings — que atendem bem à quantidade de carros elétricos que circulam atualmente.

E o legal é que a gente consegue acompanhar tudo pelo aplicativo: dá para ver a localização dos pontos de recarga, os valores, se os equipamentos estão disponíveis, se tem fila. Assim, chego no local já sabendo que vou conseguir abastecer com tranquilidade. E nesses casos de carregamento externo, geralmente coloco R$ 20 ou R$ 30 só para completar a carga. 

E quanto custa esse carregamento?

Lucas: A unidade de medida que a gente usa para o carregamento do carro elétrico é o quilowatt-hora (kWh) que é o mesmo cálculo utilizado para o consumo de energia residencial. Só para dar uma ideia, salvo engano, aí no Sudeste o preço do quilowatt-hora gira em torno de R$ 1,00 a R$ 1,20, mais ou menos. Já aqui, ironicamente — e eu digo ironicamente porque a gente tem uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo —, a nossa energia é uma das mais caras do estado, talvez até do Brasil.

O valor do kWh residencial por aqui varia entre R$ 1,20 e R$ 1,40. E, nos postos de carregamento públicos, como os que ficam em supermercados ou lojas, o valor pode subir bastante: vai de R$ 1,70 até R$ 2,50 por quilowatt-hora. Ou seja, é uma diferença significativa — uma disparidade bem grande mesmo.

Mas, ainda assim, quando a gente coloca tudo na ponta do lápis, fazendo as contas direitinho, o carro elétrico compensa. Mesmo com essa energia mais cara, ainda vale a pena, sim. Para quem roda o dia inteiro, como é o meu caso, compensa com certeza. O custo-benefício continua sendo positivo, principalmente se comparado ao que eu gastava antes com combustível e manutenção em carro a combustão.

Quanto do seu faturamento é realmente lucro?

Lucas: Eu ainda não tenho uma base boa com esse carro, mas tirando com o carro anterior que eu tinha, eu tinha um faturamento médio de 6 a 7 mil por mês. De aplicativo! De 6 a 7 mil. E aí eu tinha uns dois e pouco de gasolina, me sobrava mais manutenção, acho que me sobrava a metade. Acho que me sobrava, geralmente uns 60%.

Aí 40% era combustível e manutenção. Então é uns 3.000, 4.000 médio que me sobrava, né? Aí tinha que ter os extras, porque só pelos aplicativos não dava não, para manter o custo de vida aqui, para manter o conforto, a alimentação, lazer, vestuário. Tem que fazer os extras senão não dá.

Você sabe qual sua taxa da Uber recentemente? Aquela porcentagem que fica pro app.

Lucas: Então, essa questão da taxa que a Uber retira das corridas, sinceramente, é uma das coisas que eu procuro não olhar muito. Para ser bem franco, eu evito mesmo, porque acaba gerando muito estresse. Às vezes, eu vejo a galera nos grupos mandando print: “Nossa, a Uber tirou 35% dessa corrida!”, “Tirou 40%, olha isso!”, e aí começa aquele desespero geral. E eu falo: “Gente, se vocês ficarem olhando isso todo dia, vocês vão surtar. Não adianta.”

A última vez que eu parei para olhar um relatório mais detalhado, a própria Uber me mandou um e-mail dizendo que a média da minha taxa estava entre 6% e 7%. Mas, sinceramente? É difícil de acreditar. Eles dizem que é uma média, mas até a gente entender exatamente como esse cálculo é feito, a gente teria que parar por dois dias só para tentar decifrar a matemática deles. E, nesse tempo, a gente deixa de rodar, deixa de faturar. Então, acabo deixando isso de lado, porque senão vira um labirinto. É estresse desnecessário.

E Quantos km você roda por dia?

Lucas: Eu rodo, em média, entre 150 e 200 km por dia. Em dias mais puxados, quando a demanda é maior ou o dia exige, chego a rodar no máximo 250 km. Mas, com a chegada do carro elétrico, uma das minhas metas pessoais passou a ser justamente reduzir essa quilometragem diária. Eu quero rodar menos, aproveitar melhor o tempo, trabalhar de forma mais eficiente. Mesmo assim, no fim do mês, acabo fechando com uma média total entre 5.000 e 5.500 km rodados.

E sobre as corridas, prefere as curtas ou mais longas?

Lucas: Tudo depende do momento, né? Por exemplo, a gente está passando por uma fase de baixa demanda. Nesse tipo de cenário, eu costumo priorizar mais as corridas longas. Primeiro, porque o trânsito costuma estar mais tranquilo, então dá para aproveitar bem. E segundo, porque nesses períodos eu tento compensar com mais firmeza realizando serviços extras — então quanto mais rápido eu conseguir levantar o dinheiro, melhor.

As viagens longas ajudam bastante nesse ponto. E, com o carro elétrico que estou usando atualmente, fica ainda mais vantajoso. Ele desenvolve bem na cidade, é econômico, então eu consigo rodar essas distâncias maiores sem ter um gasto alto. Por isso, quando a demanda está baixa, fico de olho nas corridas longas.

Agora, quando entra o período de alta demanda, aí a lógica muda completamente. Se vier alguma promoção, incentivo, ou bônus agregado — o que costuma acontecer —, aí sem dúvida nenhuma o foco vai para as corridas curtas. E é aí que a minha região se destaca. O lugar onde eu moro é excelente para corrida curta.

Como você se organiza financeiramente?

Lucas: Desde que comecei a rodar como motorista de aplicativo, sempre usei o app Rebuj para controlar meus ganhos e despesas. Com o tempo, fui simplificando as anotações, porque tudo já entrou no automático — eu sei quanto entra, quanto sai, já tá tudo mais controlado. Hoje, o meu foco principal é anotar o faturamento, porque quero entender se o carro elétrico realmente tem trazido um retorno melhor do que o carro a combustão.

Trabalho com metas diárias, semanais e mensais, sempre tentando superar o dia ou a semana anterior. Neste mês, por exemplo, já faturei uns R$ 1.000 a mais do que no mês passado — e ainda falta quase uma semana para fechar. Minha expectativa é terminar com um aumento de R$ 2.000 no faturamento. Isso reforça a sensação de que fiz uma boa escolha com o carro elétrico.

Como o licenciamento desse carro é caro — aqui no Pará fica em torno de R$ 3.500 —, criei uma conta só para isso. Todo dia eu deposito um pouco, R$ 15, R$ 20, o que der. Já fazia isso antes, quando tinha o carro a combustão: mantinha uma “conta da oficina” para cobrir qualquer manutenção sem precisar mexer na conta principal.

Acho que todo motorista precisa ser um pouco contador e economista. A gente tem que olhar para os números todos os dias. Porque, vou te dizer, quando a conta tá zerada, bate uma tristeza pesada. Então, uso meus próprios relatórios e saldos como motivação. Se foi um mês bom, ótimo — quero melhorar ainda mais. Se foi ruim, bora correr atrás. Com essa mentalidade, que veio lá da época em que eu trabalhava no banco, tenho conseguido manter tudo em ordem nesses seis anos na estrada.

Com base nessa curta experiência com o carro elétrico até aqui, vale a pena investir? Mesmo sem ter energia solar ou estrutura?

Lucas: Pois é, vale arriscar. Hoje, eu considero que vale sim, mas com muita cautela. Eu venho do setor bancário, então entendo bem o que é lidar com risco. E posso dizer com tranquilidade: a compra desse carro elétrico ainda é, para mim, um risco alto. Ainda é. Eu cuido dele todo dia como se fosse um bebê, como se fosse meu segundo filho, mesmo. Porque, querendo ou não, é tudo muito novo, tudo ainda bastante desconhecido para a maioria de nós.

Nas redes sociais, nos grupos de motoristas, você vê de tudo. Muita gente critica, muita gente tenta desanimar, diz que não vai dar certo, que carro elétrico não presta, que dá problema, que a bateria é mais cara que o carro. Por isso, antes de tomar qualquer decisão, eu pesquisei muito. Foram dois, três anos de pesquisa, desde que os primeiros modelos começaram a chegar ao Brasil. Eu precisava estar seguro do passo que ia dar.

E nesse tempo, eu aprendi a filtrar as informações. Eu não dou ouvidos para o hater, para o cara que só quer falar mal por falar. Eu vou atrás da informação certa, da fonte confiável. Sigo engenheiros, vejo vídeos de pessoas que realmente têm o carro e falam com propriedade. Porque, sinceramente, a maioria dos que criticam nunca nem dirigiu um. 

E a cada dia que passa, esse risco que eu sentia vai diminuindo. As notícias são animadoras. Por exemplo, a montadora BYD está mandando agora, no fim do mês, um navio com 8.000 carros para o Brasil. E se eu não estiver enganado, em abril a BYD foi a marca que mais vendeu no país. Isso mostra que o mercado está crescendo e se consolidando, o que me dá mais segurança de que estou no caminho certo.

Mas é claro, ter um carro elétrico hoje ainda exige base. Nem toda cidade tem estrutura para isso. Tem lugar que não tem nem ponto de recarga. Mas, se o motorista mora em casa, por exemplo, já dá para considerar o plano B: carregar o carro em casa. Muita gente acha que não dá — muitos passageiros me perguntam isso. É igual carregar um celular. Só que maior.

Basta fazer um planejamento com os pés no chão. Entender onde você vai carregar, como vai fazer isso, comprar um carregador portátil se precisar. Depois, pensar: “Beleza, agora como é que eu vou comprar esse carro?” Tem dinheiro para dar de entrada? Vai usar o carro atual como parte do pagamento? Quanto vai ficar a parcela mensal? Essa parcela cabe no seu orçamento?

O problema é que muita gente compra no impulso. E, geralmente, quem compra assim nem trabalha com aplicativo. Já o motorista de aplicativo precisa calcular tudo. E muito. Eu, por exemplo, usei muito o ChatGPT nesse processo. Joguei todas as variáveis ali: “Meu carro é esse, gasto tanto com isso, aquilo, rodo tanto, quero trocar por esse carro elétrico, vou abastecer nesses horários… dá certo?” Foram meses de cálculo. Só depois que eu vi que o plano fazia sentido, segui adiante.

Então, para quem está pensando em entrar no mundo dos aplicativos, o carro elétrico pode sim ser uma boa opção. Primeiro, porque o custo de manutenção é muito mais baixo — e a gente roda bastante. Porque, dependendo da situação, em dois ou três anos esse carro se paga sozinho, só com o que você vai deixar de gastar com combustível e manutenção. Ele se paga tranquilamente.

E, por fim: ainda vale a pena ser motorista em 2025? Que dicas você dá para quem está começando ou quer começar?

Lucas: Responder se ainda vale a pena ser motorista de aplicativo é muito difícil, porque depende muito da realidade de cada um — principalmente da rede de apoio que a pessoa tem quando decide começar. Quando eu comecei, graças a Deus, estava com as contas em dia, tinha uma gordurinha financeira vinda do tempo de banco. Isso fez toda a diferença, porque minha cabeça não estava sobrecarregada com dívidas.

Agora, se chega alguém e me diz: “Lucas, tô endividado, o Serasa tá me perseguindo, agiota na cola… será que dá certo entrar nos aplicativos?”, eu sou bem sincero. Talvez não seja a melhor escolha pra ele. Porque não é fácil. Tem que gostar de dirigir, e não é pouca coisa — são 12 horas na rua, enfrentando trânsito, acidentes, passageiros difíceis, problemas, até risco de assalto. Tem que ter muito jogo de cintura.

No meu caso, depois de seis anos, ainda digo que vale a pena. Porque eu cresci. Não fiquei estagnado, não regredi. Mas cada um tem que fazer sua autoavaliação e ver se está pronto para isso.

E para quem está começando, as dicas são bem claras. Antigamente, bastava aceitar corrida e sair rodando. A gasolina era barata, o ganho era bom. Hoje, tudo é mais caro, a concorrência aumentou, tem muito mais moto no mercado. Então precisa estudar. Tem muito conteúdo bom na internet. Sempre digo: pesquisa! Está tudo lá.

Tem que ser seletivo, rigoroso. Se todo mundo botasse um valor mínimo, tipo R$ 10 ou R$ 15, os algoritmos dos aplicativos teriam que se mexer. Talvez para melhor, talvez para pior — mas alguma coisa ia acontecer. A gente precisa mostrar que existe resistência.

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