“Ganho muito mais no transporte executivo do que no Uber Black, mas isso envolve acordar às 3 da manhã para buscar um cliente no interior de São Paulo”, diz motorista 

Motorista revela: “As tarifas dos aplicativos estão muito ruins e defasadas, mas isso não justifica andar com o carro sujo, atender de chinelo, ou ser displicente no atendimento.”

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Mulher de cabelos castanhos escuros lisos, usando uma camisa listrada branca e cinto de segurança, sorri suavemente enquanto olha para a câmera dentro de um carro, com uma das mãos apoiando o queixo.
Foto: Andreia Ribeiro para 55content

A motorista Andréia Ribeiro conta como começou no Uber em meio à violência entre taxistas e motoristas de aplicativo, relembra a falta de segurança nas primeiras viagens e critica a postura de motoristas que hoje culpam apenas as tarifas pelas dificuldades do setor. Para ela, a falta de profissionalismo, como atender de chinelo e manter o carro sujo, prejudica ainda mais a profissão. Andreia também relata por que prefere recusar trabalhos de empresas que pagam valores equivalentes aos de aplicativo e defende que o transporte executivo exige estratégia, formalidade e disciplina — perfis com os quais nem todos os motoristas se identificam.

Há quanto tempo você trabalha como motorista? Você não é mais motorista de aplicativo, mas sim motorista particular. Então, há quanto tempo você realiza esse serviço? O que te levou a ser motorista de aplicativo e, depois, o que te levou a ser motorista particular?

Andréia: Bom, eu comecei no aplicativo em julho de 2016. Eu venho do comércio — tinha uma loja. Quando fiquei viúva, não quis dar continuidade ao comércio e precisei recomeçar a vida. Fechei a loja, queria sair daquele ambiente, enfim, foi uma fase muito traumática para mim.

Na época, eu já tinha três filhos pequenos e, depois de fechar a loja, me perguntei: “O que eu vou fazer para gerar renda em casa?” A Uber já estava no Brasil há mais ou menos um ano e pouco, e uma pessoa me convidou: “Você não quer fazer Uber? Você tem carro, dirige bem…” Achei a ideia interessante, apesar de ter muito medo, porque naquela época havia muita briga entre taxistas e motoristas de aplicativo, além de muita apreensão geral. Era uma verdadeira bagunça.

Mesmo assim, me inscrevi e comecei a trabalhar no aplicativo. No início, foi bem difícil porque eu não conhecia o mercado. Eu sempre gostei muito de dirigir — inclusive, já rodava bastante com meu filho, que fazia propaganda e precisava se deslocar por São Paulo —, mas dirigir profissionalmente é outra história: colocar um estranho no seu carro é complicado.

Naquela época, a gente não tinha informação sobre as viagens: aceitava no escuro, sem saber quem era o passageiro, só com o nome e o local de retirada. O que me ajudou bastante foi um grupo de WhatsApp que me acolheu e me orientou nesse começo.

Com o tempo, fui tomando gosto pela atividade e aprimorando o trabalho. Sempre fui muito dedicada. Antes de começar, fui pessoalmente ao aeroporto de Congonhas e de Guarulhos para conhecer o funcionamento: onde entra, onde desembarca, qual terminal é qual. Queria parecer profissional, não amadora. Também procurava informações no site da Uber, porque queria entender o serviço — que, naquela época, ainda tinha uma imagem mais glamorizada, mesmo com a chegada recente do UberX.

Sempre fui curiosa e me aprofundei no serviço, e acabei gostando bastante. O aplicativo é viciante. Nesse tempo, conquistei vários clientes que gostavam da minha condução e atendimento: diziam que eu transmitia muita calma no trânsito, o que eles valorizavam bastante.

A partir daí, comecei a me interessar por outras áreas. Esse mesmo grupo de apoio que me ajudou no começo tinha membros que já atuavam no transporte executivo. Eles conversavam comigo: “Andreia, você leva jeito, tem postura, troca de carro, vai para o Black que a gente te ajuda a entrar no executivo.” Isso me motivou a querer migrar para esse mercado.

Fiquei dois anos e meio fazendo UberX e Black. Em 2018, troquei de carro para migrar definitivamente para o Black. Foi outro desafio, porque sabia que o perfil dos passageiros era diferente. Então comecei a me informar mais: lia notícias para poder conversar sobre temas do cotidiano, política, etc. Isso também me ajudava a criar laços com os passageiros.

Com o tempo, fiz mais clientes. Alguns se interessavam pelo meu trabalho e perguntavam se eu fazia atendimento particular. Eu passava meu contato apenas para aqueles que demonstravam um real interesse por um serviço diferenciado.

Três meses depois de iniciar no Black, fui indicada para uma empresa de transporte executivo. Comecei a atendê-los e não parei mais. De uma empresa, fui sendo indicada para outra, e fui também fazendo amigos no setor, o que sempre me gerava novas oportunidades.

O meu perfil no Instagram também começou a me ajudar: pessoas de outros estados e até de fora do Brasil viam o meu trabalho e me indicavam. Hoje atendo passageiros de vários lugares do Brasil e do exterior que chegam em São Paulo.

Então, hoje você é motorista particular, certo? Embora autônoma, você trabalha para empresas, não apenas por conta própria, certo?

Andréia: Isso mesmo. Eu presto serviço para empresas de transporte executivo. Trabalho principalmente em ambientes corporativos, que exigem uma apresentação formal: camisa branca, terno, carro preto — toda uma formalidade no atendimento.

Além disso, fui sendo indicada para outros trabalhos que, embora menos formais, ainda fazem parte do mercado executivo e têm um perfil bastante profissional.

Hoje em dia, como é sua rotina de trabalho? De que horas a que horas você trabalha? Você ainda roda com aplicativo ou parou completamente? Você folga algum dia da semana?

Andreia: Bom, aplicativo eu quase não faço mais, não consigo conciliar com a agenda do executivo. Mas não tenho o menor problema em fazer quando estou sem agenda, por exemplo.

No começo, eu trabalhava de forma híbrida: fazia aplicativo e atendia empresas. As empresas me passavam os trabalhos, e eu montava minha agenda conforme podia. Depois, o negócio foi ficando mais sério, com mais demandas no executivo, e aí o que eu fazia era ligar o aplicativo apenas para chegar até o local onde atenderia o cliente.

Com o aumento da demanda, nem isso consegui mais: um trabalho emenda no outro e não sobra tempo para ligar o aplicativo nem para deslocamento.

Eu não tenho uma rotina de horário fixa. Os trabalhos vão aparecendo e eu vou encaixando na minha agenda, seja às 3h da manhã, seja no sábado, domingo ou feriado.

Atualmente, meu carro está sujeito ao rodízio em São Paulo e meu dia de rodízio é sexta-feira, então, teoricamente, esse seria meu dia de folga. Mas se aparece algum trabalho fora do rodízio que eu consiga atender, eu faço. Às vezes também sou solicitada para dirigir carros blindados de empresas ou clientes, então alugamos ou negociamos o serviço e eu atendo.

Ou seja, é uma folga, mas, se surgir oportunidade, claro que eu vou. Trabalho full-time.

E há quanto tempo você “largou” a Uber e os apps?

Andréia: Olha, de sair na rua só para fazer aplicativo já faz uns bons anos. Eu comecei no executivo em 2018, mas tem cerca de quatro anos que não dependo mais do aplicativo.

Trabalhava de forma híbrida antes, mas já era bem pouco aplicativo. E faz mais de dois anos que é só executivo mesmo: nem para deslocamento consigo ligar o app porque não dá tempo.

Mas sempre deixo claro — falo muito no meu perfil — que eu vejo o aplicativo como uma fonte de renda extra. Se estou sem agenda, ligo o aplicativo para fazer a gasolina da semana ou até para captar clientes, que é um bom meio para isso.

Não tenho nenhum preconceito quanto a isso. Já recebi mensagens do tipo: “Nossa, ela faz executivo e ainda fala de aplicativo ou ainda faz aplicativo.” Eu não vejo problema. Trabalho é trabalho. O importante é ser profissional. Com postura profissional, você abre portas.

Infelizmente, muitos motoristas hoje trabalham de forma descuidada, sem profissionalismo e sem respeito, e colocam a culpa nas tarifas. Sim, as tarifas dos aplicativos estão muito ruins e defasadas, mas isso não justifica andar com o carro sujo, atender de chinelo, ou ser displicente no atendimento.

Se as tarifas estão ruins, seria ainda mais motivo para prestar um serviço adequado e tentar abrir novas portas. Eu sempre falo: no banco de trás pode estar uma oportunidade para você. Você nunca sabe quem está ali observando a sua postura, seu modo de dirigir, sua educação. Já recebi muitas propostas assim: para atender famílias, empresas, fazer transporte executivo particular.

Ainda mais sendo mulher, né? Muitas famílias devem confiar mais em você para levar filhos, por exemplo.

Andréia: Sim! Recebo muitas propostas desse tipo. Muitas vezes me procuram porque a esposa viaja a trabalho de madrugada, e querem alguém de confiança para fazer o transporte. Atendo muito esses casos.

E é impressionante: é raro o dia em que eu ligo o aplicativo para atender que não receba alguma pergunta do passageiro tipo: “Você faz aplicativo mesmo?” As pessoas percebem a diferença de postura.

Explico que hoje atendo empresas, tenho empresa aberta e faço atendimentos agendados. E muitos passageiros dizem: “Eu percebi pela sua postura, é diferente!”

Se sinto que a pessoa está realmente interessada num serviço diferenciado, passo meu contato. Se não, informo que atendo apenas empresas.

Você recomenda que todos os motoristas tentem seguir para o transporte executivo?

Andréia: Não necessariamente. São perfis diferentes. Vamos considerar: quando comecei no aplicativo, existiam apenas as categorias X e Bag. Logo depois entrou o Select, que hoje virou Comfort. Eu atendia X, Bag e Select. O Black já existia.

Eu via o Black como uma oportunidade para outros caminhos, como o transporte executivo. Porque eu me identificava com isso. Desde o começo eu sabia que não queria ficar apenas no básico. Sentia que podia fazer mais.

Mas nem todo mundo se identifica. Escutava muitos motoristas falando: “Ah, não quero ir para o Black, não me adapto.” E era verdade: o Black sempre exigiu estratégia — você precisa se posicionar bem para receber boas chamadas, diferente do X, que toca em qualquer lugar.

Mesmo hoje, ainda exige estratégia, mas antes era muito mais. Muitos motoristas não se adaptavam porque achavam o Black “muito frescura” — usar terno, pegar mala do cliente, atender com formalidade.

No meu trabalho, tem que pegar mala, tem que ter formalidade, sim. Mas eu gosto disso. Para mim, faz parte do serviço.

A minha dica é: o aplicativo pode ser uma ponte para outros caminhos, não algo para você se acomodar. Porque, sinceramente, não vejo as tarifas melhorando num futuro próximo.

Se você tiver uma postura profissional, abre portas. Pode receber propostas de trabalho em empresas, convites para atuar no executivo.

Mas isso só acontece com quem trabalha com profissionalismo: carro limpo, direção defensiva, atendimento respeitoso. Se o motorista é descuidado, agressivo na direção, o cliente não vai querer indicá-lo para nada.

As oportunidades surgem para quem está preparado.

Agora falando um pouquinho sobre ganhos, que é uma coisa que o pessoal do nosso site geralmente gosta de saber: gostaria que você falasse um pouco, se lembrar, sobre a comparação entre quanto você conseguia ganhar com aplicativo e quanto ganha hoje no transporte executivo. É uma diferença muito significativa ou nem tanto? Você ganha mais qualidade de vida, mais segurança?

Andréia: Esse motorista que você mencionou tem razão no que falou. Eu, no meu perfil, não costumo entrar em valores explicitamente, mas para dar uma visão para vocês, eu concordo com ele.

Falando primeiro do aplicativo, entre o X e o Black: hoje eu não tenho mais esse parâmetro atualizado, mas na época em que eu fazia aplicativo, às vezes o ganho do X e do Black se equiparava, sim. Tudo depende da estratégia do motorista e do tempo que ele fica na rua.

Vejo muita confusão sobre ganhos: o motorista aceita todas as viagens, acha que está produzindo, mas, na prática, pode estar apenas acumulando prejuízo. Rodar sem estratégia e conhecimento é prejuízo. Se você aceita uma viagem em horário de pico para um lugar sem retorno e gasta muito tempo e combustível para chegar lá, mesmo com tarifa dinâmica, você perdeu.

O Black trazia mais qualidade: você não depreciava tanto o carro como no X, fazia viagens melhores com menos rodagem e, com estratégia, conseguia um bom equilíbrio. Hoje, inclusive, existem várias ferramentas que ajudam: na hora que toca a viagem, já mostra o valor, ajudando a decidir se compensa ou não.

Agora, falando de Black para o transporte executivo: hoje eu ganho muito mais no executivo do que ganhava no Black. Além dos atendimentos para empresas, tenho meus próprios clientes, onde ganho mais, porque é contato direto, sem repasse. Então, cada atendimento que eu fecho, eu ganho muito mais do que ganhava no aplicativo.

Não é tudo flores: é preciso trabalhar muito. Por exemplo, neste fim de semana agora, de sexta para sábado, eu vou acordar às 3 da manhã para buscar um cliente no interior de São Paulo. Então, não é que eu trabalho pouco — eu trabalho bastante, mas ganho bem para isso.

No aplicativo, sem estratégia, você trabalha muito tempo nas ruas e não rende bem. Muitas pessoas se perdem nisso.

E no transporte executivo, todas as corridas são vantajosas ou você recusa algumas?

Andréia Recuso várias.

Clientes fixos meus já conhecem meu trabalho e meus valores. Eles me procuram pela qualidade que eu entrego. Mas hoje atendo muito menos empresas porque muitas oferecem valores de aplicativo.

Hoje mesmo apareceu uma proposta de atendimento e, quando olhei o valor, era valor de aplicativo. Então, pensei: “Qual a vantagem de eu sair da minha casa, atravessar 30 km para buscar um cliente e levá-lo ao aeroporto por um valor tão baixo?”

Tem acontecido muito isso: empresas oferecendo valores de aplicativo. Prefiro não fazer. Se for para receber como no aplicativo, prefiro ligar o próprio app. Pelo menos não gasto com deslocamento e não preciso estar com o carro impecável ou de terno. E além disso, um trabalho como esse, mesmo sendo simples, acaba tomando 3 horas ou mais entre saída, busca e finalização.

Então sim, recuso vários atendimentos cujos valores acho uma afronta ao profissional.

Então, se for para fazer uma corrida que paga o mesmo valor do Uber Black, você prefere realmente fazer pelo app?

Andréia Prefiro, sim.

Por conta do deslocamento, do tempo gasto, da exigência de apresentação e da manutenção do carro. Pelo custo-benefício, prefiro ligar o aplicativo.

E, para você, qual é a maior dificuldade do motorista hoje?

Andréia: A maior dificuldade que eu vejo é equilibrar os ganhos para cobrir os custos altíssimos que um carro de trabalho exige.

Quando você trabalha da forma correta, seu carro tem custos altos: IPVA, seguro, manutenção. E com as tarifas dos aplicativos muito ruins, o desafio de equilibrar o trabalho e cobrir todos esses custos é enorme.

Outro grande desafio é a segurança. A cidade está muito perigosa. Vejo muitos motoristas esperando corrida distraídos, olhando para o celular, e isso é muito arriscado. A questão da segurança nas ruas está cada vez mais complicada.

O que você gostaria de ter ouvido quando começou?

Andréia: Nossa, eu sou péssima com essas respostas! (risos) Caramba…

Eu acho que a principal dica para quem está começando no aplicativo é conhecer a cidade. Conheça a cidade onde você vai trabalhar.

Estamos aqui em São Paulo, por exemplo. É fundamental saber quais são os pontos mais críticos da cidade, conhecer os bairros. São Paulo é muito grande? Sim. Mas eu abria o Maps e ia vendo os bairros, mapeava mentalmente algumas regiões.

Isso ajuda muito a não se colocar em situações difíceis. Então, a dica que eu dou é: conheça a sua cidade, saiba para onde você está indo e se aquela região te passa segurança.

O que é ruim para mim pode não ser para você. Por exemplo, a região onde moro é considerada complicada por muitos motoristas, mas eu me sinto super segura nela. Então não dá para generalizar e dizer: “Tal lugar é ruim, não vá.”

Conheça sua região, saiba onde estão os melhores lugares para trabalhar, fique atento aos eventos que estão acontecendo — a saída de eventos costuma ter alta demanda e isso ajuda muito nos ganhos.

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