Entre enfrentar o trânsito caótico e driblar a insegurança da vida de entregador, Bruno Silva encontrou uma forma de deixar o dia a dia mais leve e tirar um sorriso das pessoas ao seu redor: produzindo conteúdos de humor durante suas entregas na capital paulista. Seus vídeos misturam humor, crítica e mostram a realidade de quem depende dos apps para trabalhar.
A história de Bruno começou há sete anos, quando trocou a carreira como correspondente bancário por uma proposta para ser entregador de uma empresa. De lá pra cá, rodou milhares de quilômetros por São Paulo, sobreviveu a acidentes, enfrentou bloqueios nas redes sociais e, mesmo assim, se reinventou como criador de conteúdo.
Em entrevista ao 55content, ele conta como equilibra o corre nas ruas com a vida digital, opina sobre as condições de trabalho dos entregadores e reflete sobre os perigos — e a liberdade — que só quem vive sobre duas rodas conhece.
Quando e como você começou a trabalhar como motorista de aplicativo?
Eu trabalhava com empréstimo consignado, era correspondente bancário. Acho que já faz uns sete anos, então foi em 2018, no comecinho do ano. Foi quando tudo começou. Recebi uma proposta de uma empresa, virei motoboy e acabei largando o correspondente bancário. Ali foi o pontapé inicial.
Comecei a fazer entregas para essa empresa, era muita viagem e os aplicativos estavam começando a ganhar força aqui em São Paulo — Uber Eats, iFood, Rappi, Borzo, vários outros. Aí percebi que, na empresa, eu estava meio que limitado a um valor fixo, enquanto nos aplicativos eu conseguia ter uma renda melhor. Então eu saí da empresa e foquei só nos aplicativo por conta própria
E você trabalha aqui em São Paulo capital mesmo? Chega a sair para outras cidades próximas?
Sim, sim. Trabalho em São Paulo, mas também rodo por Guarulhos, Osasco, Embu das Artes. Às vezes até para o interior, tipo Campinas. Quando algum cliente solicita uma viagem, a gente vai para onde for necessário. Onde chamar, a gente tá indo.
E além das entregas, você também faz serviço tipo Uber, mototáxi?
Então, comecei agora essa semana a fazer um teste mesmo. Tá uma confusão de pode ou não pode, mas durou dois dias, né? Durou dois dias. Mas os aplicativos ainda não desistiram, ainda estão funcionando direitinho. Então, por enquanto, a gente só tá fugindo da polícia mesmo.
E quando foi que você começou a criar conteúdo para a internet? Vi que você faz uns vídeos de humor, criou um personagem, como surgiu essa ideia?
Foi no ano passado que dei o pontapé de verdade. Sempre gravava alguma coisa, mas nada sério — um vídeo por mês, ou a cada três meses. No ano passado, comecei a pegar firme. Só que aí o Instagram acabou me bloqueando, começou a limitar a entrega dos meus conteúdos e entrei numa série de restrições. Isso me desanimou demais.
Eu teria que criar outro perfil, e no nosso ramo de motoboy é difícil conquistar seguidores. Tem muito motoboy, mas nem todos usam redes sociais. Quando desbloqueou, eu estava junto com um parceiro que já gravava vídeos e já tinha uns que tinham viralizado. Ele falava: “Não, Bruno, você tem que continuar”. E foi aí que eu virei a chavinha e resolvi seguir firme.
Muitos dos meus vídeos nem subiam, mas foi aí que achei uma pegada autêntica: brincar com os clientes, fazer piada no trânsito. Porque a nossa vida é muito corrida, cheia de sustos o dia inteiro. Então, se a gente puder trazer um sorriso para alguém, deixar o dia mais leve, já vale a pena. Ainda mais nessa loucura que é São Paulo.
E hoje você vive só das entregas e tá testando o mototáxi, né?
Isso. O mototáxi ainda é só um teste. As entregas continuam sendo minha principal fonte de renda.
Agora estou começando a viver do Instagram. Já tá começando a dar retorno, graças a Deus. Mas não penso em abandonar as entregas. Acho que a gente nunca vai poder deixar de lado. Até porque nosso público gosta de ver isso. Mas se eu conseguir diminuir um pouco o tempo na rua e passar mais tempo com a família, isso é mil vezes melhor. O risco é diário. A gente só sabe que vai sair para trabalhar, mas a volta nunca é garantida.
Em quais aplicativos você trabalha?
Atualmente só no iFood mesmo.
E como é sua rotina? Que horário você trabalha?
Não tenho uma rotina fixa. Normalmente tiro uma folga por semana, mas se o dia tá ruim, volto pra casa e descanso. É mais questão de bater a meta financeira mesmo.
Então você tem uma meta diária? Só volta pra casa depois de bater aquele valor?
Exatamente. A média no iFood é de uns R$ 300 a R$ 350 por dia. No fim de semana é melhor ainda — dá para fazer uns R$ 500, se trabalhar bem.
Eu fico de 12 a 15 horas por dia na rua, mais ou menos. No fim de semana dá pra puxar um pouco menos, porque tem mais demanda, aí dá pra bater a meta mais rápido.
Qual é sua média mensal de faturamento?
Depende, né? Tem gente que bate a meta de R$ 1.000 na semana e vai pra casa. Mas eu tento ficar numa faixa entre R$ 5.000 e R$ 8.000 por mês, o que dá para viver bem.
Esse valor é bruto?
É, bruto. A moto quase não dá manutenção, então dá pra tirar uma média legal. Se fizer R$ 8.000, uns R$ 7.000 são meus.
E sobre combustível? Você abastece todo dia?
Eu encho o tanque e vou rodando. No iFood, um tanque bem trabalhado dura uns três dias. Então abasteço a cada três dias, mais ou menos.
Quantos quilômetros você roda por dia?
Uns 200 km por dia. De 100 a 200 km é a média, sim. Já ouvi outros entregadores falarem a mesma coisa.
E sobre promoções nos aplicativos, como funciona?
Depende do dia. Quando chove, é certeza que vai ter promoção. Depende muito da demanda também. Se estiver boa, o app lança promoção. Agora todo mundo tá migrando pro 99, porque eles querem atrair entregadores e estão jogando as promoções lá em cima — quase o dia todo.
Qual tipo de corrida você prefere? Curta ou longa?
Quando tem promoção, prefiro as mais curtas, porque dá para girar mais rápido. Sem promoção, prefiro as longas, porque o extrato sobe mais.
Já teve alguma entrega ou corrida marcante, algo inusitado?
Essas últimas que eu fiz estouraram no Instagram, até saíram na rede Metrópoles. Então essas agora marcaram bastante, sem dúvida.
Na última vez fiquei com medo. A moça se irritou muito com meu personagem e eu até avisei que tava gravando, mas ela ficou bem brava. Foi um dos vídeos que mais bombou.
Como você acha que os aplicativos poderiam melhorar para vocês entregadores?
Acho que os apps deveriam valorizar mais o motoboy. A gente é a peça fundamental para o funcionamento deles. Sem a gente, não tem serviço. A renda principal deles vem da gente. O motoboy não ganha mal, mas também não pode se fazer de coitado. A verdade é que é o transporte mais perigoso do mundo. A gente é o para-choque. E os aplicativos deviam reconhecer isso.
E qual é a maior dor que você ouve falar dos seus seguidores?
A rua. A rua é complicada. Tenho vários amigos que desistiram por conta de acidentes. Eu mesmo já sofri vários. A maior dificuldade é essa: chuva, trânsito, gente mexendo no celular, trocando de faixa sem olhar… Deve ter até estatística disso. A rua em si já é um desafio diário.
Você já sofreu acidente? O que aconteceu?
Já sofri vários. O pior foi quando fraturei os dois joelhos. Estouraram os ligamentos. Passei por uma valeta, a moto subiu e eu caí. Quando fui levantar, os dois joelhos saíram do lugar. Fiquei de repouso um tempo. Até hoje tenho sequelas. Mas, sinceramente, hoje não conseguiria trabalhar registrado para alguém. Só sairia da moto se fosse pra comprar um caminhãozinho ou algo que complementasse minha renda. Fora isso, não compensa. A liberdade que a moto dá é incomparável.
E financeiramente, como você se organiza? Guarda dinheiro para manutenção da moto?
Minha organização é o cartão de crédito mesmo. Pago e vejo depois. Mas é sempre bom ter uma reserva. Nada na moto é tão absurdo que não dê pra se organizar. O mais caro é motor, uns dois, dois e meio, mas a moto dá sinais antes. Dá pra se preparar. Pneus e relação também dá pra organizar direitinho.
Ainda vale a pena ser entregador em 2025? Que dicas você daria pra quem tá começando?
Vale super a pena. Um salário mínimo hoje tá em R$ 1.514, e na rua dá pra fazer isso em uma semana. Não é fácil, não é mil maravilhas. O importante é sair de casa com a cabeça no lugar. Nada de levar problema pra rua, porque ela é traiçoeira. Mas a rua tá aí pra todos. Quem tiver disposto, vai conseguir.