“Corridas de R$ 5,87 são as que mais pagam – você anda 1,5 km e ganha R$ 5,87, é um ótimo custo benefício”, diz motorista de app

“Minha taxa de aceitação na Uber é 99%: não escolho, não olho o valor, não cancelo e não recuso corridas; trabalho a favor do algoritmo e faturo R$ 500 em menos de 8 horas”, diz motorista de app.

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem de óculos escuros sentado no banco do motorista de um carro, vestindo camiseta escura e calça clara, com cinto de segurança afivelado.
Foto: Júnior Correia para 55content


Júnior Correia é motorista de aplicativo há mais de 8 anos e defende um método que vai na contramão do senso comum: ele não escolhe corridas, não cancela e trabalha de forma estratégica para que o algoritmo jogue a seu favor. Nesta entrevista, ele explica como consegue manter uma taxa de aceitação de 99%, alcançar ganhos de até R$11 mil por mês e sustentar que há um limite de faturamento imposto pelas próprias plataformas. Para ele, muitos motoristas ganham menos não por causa das tarifas, mas por desconhecerem o sistema com o qual trabalham.

Então, minha primeira pergunta é: há quanto tempo você é motorista e por que você começou a realizar esse tipo de atividade?

Júnior: É, então, eu trabalho como motorista de aplicativo aqui na cidade de Belo Horizonte, né? Já tem pouco mais de 8 anos. Comecei em 2016, por necessidade mesmo, para pagar as contas. Eu tinha acabado de me formar e, na época, com a minha profissão, não estava conseguindo me sustentar. A Uber surgiu como uma alternativa, como uma fonte de renda principal no início, até eu conseguir amadurecer na minha área profissional.

Com o tempo, acabei ficando na plataforma. Tive alguns períodos em que fiquei inativo, mas sempre fazia algumas viagens. Hoje estou atuando bastante. No ano passado, por exemplo, trabalhei bastante com a Uber.

E eu gostaria agora de saber um pouquinho como que é a sua rotina de motorista trabalhando na cidade de Belo Horizonte. Então, de que horas a que horas você trabalha? Se você não trabalha algum dia de semana, se você folga, se você trabalha sendo guiado por alguma meta, tipo “só volto para casa depois de faturar 300, 350”. Como que é isso para você?

Júnior: Então, como eu tenho outro trabalho, às vezes preciso me dedicar também a ele, e a Uber acabou virando uma renda extra. Mas, mesmo sendo uma renda extra, eu já dediquei muito tempo como motorista de aplicativo, especialmente por causa dos meus estudos.

Nos últimos dois anos, tenho estudado a plataforma de forma mais aprofundada: indo para a rua, criando teorias e testando na prática, tentando entender o funcionamento da Uber. Isso começou porque os valores pagos caíram bastante, então eu quis entender o porquê dessas mudanças e se havia alguma forma de melhorar meus ganhos, dependendo apenas do meu trabalho.

Em relação à rotina, hoje eu trabalho mais no período da noite. Costumo começar no final da tarde, por volta das 14h, e vou até as 2h da manhã. Não é uma regra fixa, mas tenho sim uma meta diária. Minha meta é voltar para casa com pelo menos R$500. Mas não é só bater esse valor — eu prezo muito pelo tempo também. Não fico me matando na rua para conseguir esse valor a qualquer custo.

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Foto: Júnior Correia para 55content

E, bom, trabalhando da maneira que você trabalha, quanto você consegue faturar no final do mês? E quanto disso é realmente lucro? Porque a gente sabe que ser motorista de aplicativo envolve muitos custos. E já emendo nessa próxima pergunta: como você se organiza com combustível? Gosta de abastecer logo pela manhã e trabalhar com o tanque cheio? Ou abastece de noite, depois do expediente? Como funciona isso pra você?

Júnior: Nessa parte eu sou bem metódico. Gosto de organizar bem meus custos, principalmente para saber exatamente quanto estou ganhando e entender a viabilidade do trabalho.

Sobre o combustível, normalmente eu encho o tanque, trabalho, volto pra casa e já deixo o tanque cheio para o dia seguinte. Se for fazer alguma coisa fora dos aplicativos, eu completo o tanque de novo antes de começar. Sempre começo com o tanque cheio. Assim, no final do dia, consigo saber exatamente o quanto gastei só com o trabalho na Uber. Tento separar completamente os gastos de combustível pessoal dos gastos com o aplicativo.

Agora, sobre ganhos: vou te dar o parâmetro do ano passado, porque nesses quatro primeiros meses do ano quase não trabalhei tanto. Em 2024, quando me dediquei mais, faturei cerca de R$94.000 no ano.

Desses R$94.000, 20% foram gastos com combustível. Cerca de 6,5% foi para manutenção. Também tenho um fundo de reserva, que representou aproximadamente 3,5% do faturamento.

Falando sobre esse fundo de reserva: todo domingo eu coloco R$100 numa conta específica, com bloqueio de seis meses — ou seja, não posso mexer. Isso me força a manter o fundo intacto, servindo para cobrir emergências maiores, como suspensão, troca de pneus ou até mesmo se for preciso acionar o seguro em caso de acidente. Esse fundo é essencial.

Nos meses em que trabalho bem, chego a faturar entre R$10.000 e R$11.000. No aplicativo aparece um valor bruto de cerca de R$14.000, mas, depois das taxas, sobra isso pra mim. Com combustível, gasto em média R$2.500 a R$2.800 por mês — só com o trabalho no aplicativo.

As manutenções eu costumo fazer com frequência. Por exemplo, troco o óleo a cada 45 dias. Mesmo que eu considere a Uber uma renda extra, acabo trabalhando mais do que muitos motoristas que dependem exclusivamente disso. Acompanho muita gente na internet e percebo isso.

Inclusive, mesmo sendo uma renda extra, já faturei mais do que quem vive só de aplicativo. Meus custos também ficam bem abaixo da média, e isso tem muito a ver com minha forma de trabalho.

Antes de sair, eu traço um raio de atuação. Aqui em Belo Horizonte, mantenho sempre um raio entre 10 e 15 km. Me imponho essa regra: “Tenho que permanecer dentro dessa região”. Isso me ajuda a gastar menos combustível, rodar menos e, principalmente, aumenta minha segurança. Evito regiões ermas e fico sempre em áreas mais movimentadas da cidade, o que é essencial, principalmente por trabalhar à noite.

Evito corridas para lugares afastados da região metropolitana, porque não compensa. Essa estratégia de limitar a área de atuação ajuda muito no equilíbrio entre ganhos e custos. E tento passar esse conhecimento por meio de mentorias também.

 E, Júnior, minha próxima pergunta é: você é um motorista bastante seletivo nas viagens que aceita? Só pega corrida que paga R$2 por km, R$3 por km, R$1,50, R$1,60? Como isso funciona para você?

Júnior: Olha, entre os motoristas existe muito esse conceito de que corrida boa tem que pagar R$2 por km ou R$1 por minuto. Mas eu não trabalho dessa forma. Como te falei, nos últimos dois anos meu faturamento praticamente dobrou com o meu jeito de trabalhar.

Então, nas redes sociais, às vezes sou até “apedrejado” por defender uma ideia diferente: eu sou do time que não escolhe corrida, não olha valor da corrida, não cancela e não recusa corrida. Aí as pessoas perguntam: “Mas como assim? Como você consegue permanecer dentro da sua área de atuação se você não sabe qual corrida vai tocar? Vai acabar parando fora da área e tendo que cancelar”.

Foi aí que desenvolvi meu método de trabalho. Eu filtro as corridas que tocam para mim. Quando alguém pergunta se eu aceito todas as corridas, eu respondo: aceito todas as corridas que deixei tocar para mim, ou seja, aquelas que passaram pelo meu filtro.

Mas que tipo de filtro? Você usa algum aplicativo externo?

Júnior: Não. Eu uso a própria plataforma. A Uber, por exemplo, nos dá dois direcionadores por dia. E quem está no nível Diamante ainda tem uma opção a mais de escolha de regiões. Isso ajuda muito a filtrar as corridas e a manter dentro do meu perímetro de trabalho.

A corrida que toca para mim, na maioria das vezes, já está dentro do padrão que estabeleci. Isso veio com o entendimento do algoritmo. Eu pensei: “Poxa, eu trabalho para um programa de computador. Não tem um tiozinho na Uber ou na 99 mandando corrida para a gente aleatoriamente”. Então, por ser um sistema complexo, tem um algoritmo forte por trás, com várias variáveis.

Fui atrás de entender essas variáveis — principalmente as que definem o valor da corrida e para quem ela vai ser direcionada. Depois que entendi isso, ficou muito mais fácil trabalhar.

Hoje, consigo fazer meus R$500 em 8 horas — às vezes até menos. Enquanto isso, tem muita gente que precisa ficar 14 a 16 horas na rua para fazer esse mesmo valor. Isso porque ficam escolhendo corrida: “Essa não dá R$10, não vou”, “Essa é dentro do bairro, não quero”, “Essa corrida de R$5,87 não compensa”.

Mas, na minha visão, essas são as corridas que mais remuneram. Porque normalmente são percursos bem curtos — 1 km, 1,5 km — e você ganha R$5,87. Isso é um ótimo custo-benefício.

Agora, por exemplo, tem corrida para o aeroporto aqui da cidade que paga R$55 ou R$60, mas o aeroporto fica a 42 km do centro. Nem precisa ser gênio da matemática para ver que não compensa. Só o combustível já consome metade disso. E ainda corro o risco de voltar vazio. Ou seja, paguei para trabalhar.

Então, quando me perguntam se eu escolho corrida, eu respondo: não, eu trabalho a favor do algoritmo.

E o que você entende sobre esse funcionamento do algoritmo?

Júnior: Eu tenho uma teoria que chamo de “limite de ganhos”. Muita gente está discutindo o valor mínimo, falando em regulamentação com base de R$32, mas esquecem que pode existir um teto.

Você concorda comigo que não seria viável um motorista de aplicativo ganhar R$20.000 por mês, livre? Eu costumo brincar com o pessoal: “Se o motorista começar a ganhar isso, vai ter enfermeiro virando motorista, advogado, engenheiro… o país inteiro seria de motoristas de aplicativo.”

Então, acredito sim que existe um limite de ganhos. A plataforma tem que ter esse teto, senão ela mesma se torna insustentável. E eu fui atrás de entender qual é esse limite.

Hoje, percebo que o ganho máximo por hora para um motorista da categoria X é de R$50. Você pode fazer tudo certo, pode escolher corrida, trabalhar o dia inteiro, mas no final do mês, quando você faz a média, não ultrapassa esse valor.

Para a categoria Comfort, esse teto é R$60 por hora. E no Black, como não rodo, só tenho dados de terceiros, mas os resultados que vejo ficam em torno de R$70 por hora — e nunca passam disso.

Você trabalhasó no X e Comfort?

Júnior: Só no X e no Comfort. Meu carro não entra no Black. Então tudo o que sei sobre o Black vem de dados de terceiros — de motoristas que compartilham resultados, especialmente os influenciadores.

E, observando como trabalham, vejo que muitos poderiam ganhar muito mais se adotassem o meu método: entender o algoritmo, definir o limite de ganho por hora e trabalhar de forma inteligente dentro disso.

Esse limite de R$70 no Black, por exemplo, dá para atingir qualquer dia da semana, seja numa segunda-feira ou num domingo. Mas muitos motoristas acham que tudo é aleatório, que a plataforma não tem lógica. E aí começam a ignorar elementos importantes, como a taxa de aceitação.

Você acha que a taxa de aceitação influencia os ganhos, então?

Júnior: Com certeza! Muita gente acha que aquilo está lá só de enfeite. Mas pensa comigo: se eu sou programador de uma multinacional como essas empresas de aplicativo, você acha que eu vou colocar uma função que não serve para nada, gastando servidor, gastando dinheiro com dados, só para estar ali?

Foi aí que percebi: a taxa de aceitação é o nosso controle de produtividade, e é por meio dela que aumentamos nossos ganhos.

Hoje, estou há praticamente 1 ano com uma taxa de aceitação de 99%. E aposto que você nunca viu outro motorista com uma taxa assim.

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Foto: Júnior Correia para 55content

Não, realmente nunca vi! O máximo que já vi foi uns 70%.

Júnior: Pois é. E tem gente que até usa uns macetes ilegais para tentar aumentar a taxa, mas isso não adianta. O algoritmo não é burro, ele considera muito mais do que isso. Tem produtividade por trás, tem o padrão do motorista, o tempo de rua, a constância.

A partir do momento que entendi o algoritmo, comecei a ter meus melhores ganhos.

Então, eu defendo o seguinte: se você quer ser motorista de aplicativo, não é só entrar no carro, ligar o motor e sair para trabalhar. Como toda profissão, você precisa se qualificar, entender para quem você trabalha. Quando o motorista entender que ele trabalha para um programa de computador, ele vai parar de lutar contra esse programa. Porque tem muita gente achando que vai vencer o sistema escolhendo corrida, tentando burlar o algoritmo. E aí eu te falo, sou capaz de apostar de novo: você não vai encontrar outro motorista maluco como eu, com essas ideias. Todo mundo defende que tem que escolher corrida, e eu defendo o contrário.

O que muita gente fala é que a plataforma remunera mal porque existem motoristas como eu, que aceitam tudo. Mas, gente, não funciona assim.

Depois que eu entendi o limite de ganhos, eu percebi que a tendência dos preços da Uber, na minha opinião, é só cair. E eu já fiz as contas. Sou capaz de afirmar: um motorista, mesmo escolhendo corridas como a maioria faz, vai terminar o mês com um lucro líquido equivalente a cerca de três salários mínimos.

Ah, tem gente que vai dizer: “Mas eu tenho relatório aqui de R$14.000, R$15.000 no mês”. Só que os custos são muito altos. Quando coloca tudo na ponta do lápis, 60% do faturamento vai embora em despesas. No fim, sobra 40% — e isso em um cenário muito bem planejado.

Esse é o ganho líquido real. E, se você parar para analisar, é um valor que já supera várias profissões que exigem diploma, certificado, classe profissional, como os próprios enfermeiros, por exemplo. Até como advogado, eu posso te dizer: não existe piso salarial. Agora imagina para um motorista de aplicativo.

Então, tem que existir um parâmetro. Porque, se você for ver, esses motoristas que ganham três salários mínimos líquidos representam cerca de 15% da população brasileira, e olha lá. No meu último levantamento, com dados do Caged, esse número era de 12 e alguma coisa por cento.

A maioria dos brasileiros está na faixa de dois a dois salários e meio. Passar disso, já é exceção.

E aí, muitos motoristas ainda defendem que o ganho na plataforma tem que melhorar. Eu costumo dizer: o ganho melhor já está disponível na própria plataforma. Só que não é vantagem para ela divulgar isso.

Porque enquanto tiver motorista escolhendo corrida, e outros fazendo todas, a Uber vai continuar tendo gente aceitando viagens. Ela vai continuar operando com um exército de motoristas, entre aspas, “funcionários” disponíveis. Então, pra ela, não interessa mostrar que existe uma forma mais inteligente de trabalhar.

Júnior, você comentou aí que chegou a faturar R$11.000 em um dos meses, foi isso?

Júnior: Foi. No ano passado teve uns três meses em que eu trabalhei bastante, e cheguei a faturar cerca de R$11.000.

No meu extrato mensal aparece algo em torno de R$14.000, e na 99 uns R$1.000 e pouco. Tirando os meus custos, sobrava esse valor de R$10.000 a R$11.000 líquidos.

Mas, como te disse, eu não trabalho de forma contínua. Dependo muito da minha outra profissão, e do tempo livre que tenho para rodar na Uber.

Mas acredito que, se eu seguir uma rotina padrão de trabalho, rodando uns 24 dias no mês, daria para faturar muito mais do que isso.

E minha próxima pergunta é sobre a taxa que a Uber fica para ela. Você tem uma noção de quanto, em média, ela retém do que você fatura?

Júnior: Tenho sim. A Uber, normalmente, fica entre 16% e 18% de tudo que eu ganho. Isso desde sempre. Já venho monitorando isso com frequência, porque muita gente fala: “Ah, tem corrida que a Uber fica com 50%”. Mas, para mim, isso entra de novo na teoria do equilíbrio de ganhos, do limite de ganhos.

Na minha visão, foi uma jogada genial da plataforma.

Antigamente, a Uber cobrava uma taxa fixa de 25% em cima de tudo o que eu ganhava. Beleza. Ela tinha como manter um controle sobre o teto de ganhos.

Mas, com a taxa variável, além de limitar o quanto o motorista pode ganhar, ela lucra mais ainda. Porque agora ela ganha das duas pontas: do passageiro e do motorista.

Antes, a plataforma ganhava só do lado do passageiro, porque o valor pago ao motorista já era fixo, com 25% indo para a Uber.

Hoje não. Com a taxa variável, ela pode manipular melhor esse equilíbrio. Por exemplo: se o Júnior está fazendo R$80 por hora, o sistema pensa: “Não posso deixar isso continuar”. Então, na próxima corrida, a Uber fica com quase metade do valor, só para equilibrar esse ganho/hora.

E além de limitar o que eu ganho, ela lucrando mais ainda. Agora ela também lucra com a minha parte.

Por isso, quando vejo motorista dizendo que a Uber ficou com mais da metade, eu discordo. Isso é só percepção. É só pegar o extrato mensal, fazer as contas simples de matemática. Lá tem o valor total da Uber e o seu valor líquido. Você vai ver que nunca passa de 20%.

A minha, por exemplo, fica sempre entre 16% e 18%, mesmo usando todas essas estratégias, mesmo ganhando mais. A taxa está sempre dentro dessa faixa.

Minha próxima pergunta é: você trabalha apenas com a Uber ou também utiliza a 99, inDrive e outras plataformas?

Júnior: Atualmente, eu trabalho só com a Uber e a 99. Cheguei a testar a inDrive, mas é uma plataforma muito simples e, na minha visão, a chance de dar problema nela é maior. Por isso, optei por focar nessas duas.

Os sistemas da Uber e da 99 são praticamente iguais. Inclusive, passei os seis primeiros meses do ano passado estudando só a 99, para depois focar na Uber. No fim, cheguei à conclusão de que ambas são quase idênticas no que diz respeito à precificação de corridas e à forma de pagamento ao motorista.

E, Júnior, qual você diria que é a maior dificuldade do motorista de aplicativo hoje em dia?

Júnior: A maior dificuldade, na minha visão, é entender quanto realmente se ganha e criar uma rotina de trabalho com disciplina.

A maioria dos motoristas tem dificuldade com disciplina. Muitos pensam: “Eu sou meu próprio patrão”, e aí se perdem. E é aí que entram as minhas teorias malucas, como o pessoal costuma dizer. Porque a verdade é que a Uber domina completamente o motorista.

Ela provavelmente sabe até quais sites você pesquisa no seu celular. Ela faz de tudo para manipular seu horário de trabalho, sua jornada, até o quanto você descansa.

Um exemplo simples: se você ficar 3 ou 4 dias sem ligar o aplicativo, até mesmo quem não recebe promoções vai começar a receber. E essas promoções — dinâmico, turbo — são as três ferramentas principais que a plataforma usa para controlar o motorista.

Muitos acham que é a taxa de aceitação que manda, mas não é. O que realmente controla a jornada do motorista são esses “benefícios”, entre aspas. No final, essas vantagens não significam nada de fato, porque tudo volta à minha teoria do limite de ganhos.

Mesmo que a Uber me dê turbo, preço dinâmico e promoção, em algum momento do dia ela vai diluir tudo isso. Vai compensar de outro jeito, e no fim das contas, eu volto para o meu limite por hora.

Eu já entrevistei um motorista que só trabalhava com preço dinâmico. 

Júnior: Vi isso também. E ele falou que a taxa dele era de -37%, se não me engano. Mas veja bem: o motorista pensa que está ganhando muito, que está lucrando com isso, mas acaba ganhando menos.

Ele fica horas esperando um preço específico, perde tempo. E eu considero tempo parado como tempo de trabalho.

Se o motorista ligou o aplicativo e está disposto a trabalhar, mesmo que não esteja rodando, ele está trabalhando. Igual muitos que ficam debaixo de árvore, em grupos, jogando conversa fora enquanto esperam uma corrida boa.

Para mim, isso é tempo de trabalho também. Quando eu saio para trabalhar, faço minhas 8 horas diretas. Às vezes nem lembro do banheiro. Minha noiva vive brigando comigo: “Você comeu?”. E eu digo: “Passei num drive-thru rapidinho”, porque minha meta é fazer o que tenho que fazer e ir embora pra casa, ficar o mínimo de tempo possível na rua.

E, Júnior, para você, ainda vale a pena trabalhar com aplicativo em 2025? Mesmo com os custos altos, a plataforma ficando com uma parte, ainda é viável?

Júnior: Sim, ainda vale a pena. É possível um profissional do transporte por aplicativo ter um bom salário, mesmo nas condições atuais da Uber.

Mas quase ninguém conhece minha teoria. Eu venho passando isso só para alguns, em atendimentos individuais. E a mudança é imediata.

Hoje mesmo estou acompanhando um motorista Black da Grande São Paulo. Ele me procurou porque, mesmo ficando muito tempo na rua, o faturamento dele estava abaixo da média. Fui estudar o caso dele e vi que ele estava fazendo tudo como a maioria faz: horas rodando, escolhendo corrida, padrão de R$2 por KM, só corridas acima de R$30.

Além disso, ele usava plataformas que fazem cálculo de corrida. Para mim, essas ferramentas mais atrapalham do que ajudam. Elas são úteis só para cálculo rápido, mas muita gente trata aquilo como referência para definir se a corrida é boa ou ruim — e não é bem assim.

E se fosse para dar uma dica para quem está começando hoje, qual seria a principal?

Júnior: A primeira dica é: conheça a cidade onde você quer trabalhar. Antes de ligar o aplicativo, baixe um app que permita traçar um perímetro de atuação. Eu uso dois aplicativos, depois posso até te passar os nomes certinhos.

Com isso, você delimita a área onde vai atuar. E mais: entenda onde estão as diferentes classes sociais na sua cidade — classe média, classe alta, classe mais pobre.

Porque cada classe vive em determinada região, e isso influencia diretamente na demanda por categorias específicas. Em Belo Horizonte, por exemplo, a zona sul é mais rica, a zona norte é mais pobre.

Você precisa saber disso porque mais de 60% dos usuários estão na classe média baixa. Se você roda no Black, por exemplo, tem que saber: se pegar um passageiro da zona sul até a zona norte, qual a chance de alguém da zona norte pedir um Black para voltar?

É baixa. Então o motorista tem que pensar: “Qual é meu público-alvo? Onde ele está?”. Se ele souber disso, nunca vai ficar sem passageiro.

Depois de entender a cidade e o público, aí sim vem a próxima etapa: conhecer a plataforma. Entenda como ela funciona. Entenda o programa para o qual você está trabalhando.

Você é bem organizado com seus custos e faturamento, né? Eu gostaria de saber se você tem noção de quanto do seu faturamento é lucro real e quanto representa os custos.

Júnior: Sei sim. Meu lucro líquido está em 26,8%. Esse é o valor depois de tirar tudo — absolutamente tudo. Inclui fundo de reserva, prestação do veículo, manutenção, combustível… Eu considero a prestação como custo, mesmo sendo um investimento, porque no final das contas é um financiamento.

Financiado?

Júnior: Isso. Pago R$2.500 por mês de prestação. Esse valor entra no custo porque, embora eu vá ter um bem no fim do contrato, com a desvalorização, ele já não representa o valor de aquisição.

O carro, por exemplo, custou R$90.000, mas no fim do financiamento, provavelmente valerá no máximo R$60.000. Por isso, não considero esse retorno como benefício, e sim como um custo mesmo.

Então, por isso que meu ganho líquido é de 26,8%. É o valor livre de verdade, sem nenhum ônus. Isso já inclui até o custo do MEI, que eu também aconselho todos os motoristas a regularizarem — vale a pena pagar o MEI mensalmente.

Queria saber se você sentiu falta de algo que a gente não conversou, gostaria de acrescentar algo?

Júnior: Não, não. Venho acompanhando o trabalho de vocês, acho muito bacana. As entrevistas, as colunas, o conteúdo que vocês postam. Sempre vejo os motoristas compartilhando no canal de vocês. Queria até agradecer e perguntar como vocês chegaram até mim.

Ah, eu vi um comentário seu que achei muito legal, bem construtivo. Foi por isso que resolvi te chamar. Inclusive, eu vi que você comentou num post do Ian Rocha, né?

Júnior: Isso! O Ian é um influenciador aqui da minha cidade. Fiz uma pergunta para ele em um post, porque ele apresentou várias contas sobre o que seria uma boa remuneração para os motoristas de aplicativo, dentro de um cenário de regulamentação.

Minha pergunta foi justamente: “Qual seria o valor de salário ideal para um motorista de aplicativo?”. Ele disse que era uma pergunta difícil, que não sabia responder — e eu concordo. É realmente uma pergunta complexa.

Porque é aí que entra tudo que eu te falei até aqui. Dependendo do valor que definirem, da forma como estruturarem, a gente ia viver numa ‘Uberlândia’. Todo mundo ia querer ser motorista de aplicativo.

É complicado. É um trabalho necessário, extremamente digno, mas precisa ter um teto. Porque se todo mundo quiser entrar, vai saturar. E aí diminui o valor, aumenta a concorrência, vira um efeito dominó.

Então, eu sempre falo para os motoristas: tentem entender o todo, não só a parte dos ganhos. Todo mundo olha apenas para o que fatura, mas dificilmente alguém para pra pensar fora da caixa, olhar o sistema como um todo.

A maioria só exige, mas não entende os efeitos que algumas demandas podem causar — e isso pode até atrapalhar ou extinguir a profissão.

É verdade. Bom, eu acho que era isso, Júnior. Queria te agradecer muito pelo tempo, pela disponibilidade, pela paciência. 

Júnior: Aliás, tem uma coisa que esqueci de te mencionar e acho importante: uma ferramenta de previsão de ganhos que eu mesmo criei, é uma calculadora.

Com ela, eu já saio de casa sabendo quanto vou ganhar. Já sei exatamente quanto farei, antes mesmo de ligar o carro. Isso comprova tudo que venho dizendo — que nada ali é por acaso. Tudo é previsível. É só entender que estamos lidando com um programa de computador.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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