A meta é fixa: R$300 por dia. E desses R$300, cerca de R$100 vão para combustível. Ou seja, meu lucro líquido diário gira em torno de R$200

Se eu conseguir bater minha meta de R$300 em 10 horas, tudo bem, vou pra casa. Mas se eu conseguir bater essa meta em 7 horas, vou embora também.

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem de expressão séria posando para a câmera em ambiente interno, com parede branca ao fundo.
Foto: Evando Levita para 55content

Motorista de aplicativo há mais de três anos em Fortaleza, Evando Levita compartilha, nesta entrevista ao 55content, uma visão direta sobre os desafios da categoria. Ele detalha sua rotina de metas diárias, os custos crescentes da operação, e os critérios que adota para aceitar corridas. Entre os pontos mais críticos, fala sobre a falta de transparência dos aplicativos, corridas com paradas ocultas, a ausência de compensação para o uso do ar-condicionado e a defasagem nas tarifas. Com exemplos do dia a dia, Evando levanta questões importantes sobre a viabilidade financeira e operacional da atividade em 2025.

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Então, você é de Fortaleza?

Evando: Sim, eu moro em Fortaleza.

Então, minha primeira pergunta: há quanto tempo você é motorista de carro elétrico e o que te levou a realizar esse tipo de atividade?

Evando: Pronto, eu sou motorista de aplicativo há aproximadamente 3 anos e meio. O que me levou a isso foi uma questão de investimento. Eu tinha financiado um apartamento, e na época, trabalhava como motorista de caminhão. Foram cerca de 6 anos nessa função, e mais ou menos 1 ano antes de sair foi quando financei o imóvel.

Com o financiamento, vieram os custos extras: cartório para transferência, colocar móveis novos no apartamento… E o que eu ganhava como caminhoneiro já não cobria esses gastos. Como meu carro na época era novo e não exigia muita manutenção, decidi sair do caminhão e entrar nos apps para tentar um ganho maior.

Agora eu gostaria de saber um pouquinho sobre a sua rotina como motorista de aplicativo. De que horas a que horas você trabalha? Você folga algum dia da semana?

Evando: A rotina não é muito leve, é até puxada. Eu trabalho de 8 a 10 horas por dia, dependendo do dia e da movimentação. Mas o meu foco é em meta de ganho, não em quantidade de horas.

Se eu conseguir bater minha meta de R$300 em 10 horas, tudo bem, vou pra casa. Mas se eu conseguir bater essa meta em 7 horas, vou embora também. A meta é fixa: R$300 por dia. E desses R$300, cerca de R$100 vão para combustível. Ou seja, meu lucro líquido diário gira em torno de R$200.

Então, no final do mês, esse lucro representa quanto mais ou menos?

Evando: Dá por volta de R$4.000 a R$4.400 líquidos. Por exemplo, no mês de março eu faturei R$10.307, mas claro que isso não ficou todo no bolso.

Só de taxa da Uber foram R$2.500. Combustível, R$2.800. E ainda fiz manutenção no carro — troca de óleo, correia dentada… Também incluo no custo o financiamento do veículo, que é R$1.050 por mês. Então, desses R$10 mil, sobrou líquido mais ou menos R$3.000 a R$3.500.

E agora, Evando, como funciona para você essa questão de selecionar as corridas? Você é um motorista que aceita quase tudo ou escolhe bastante? Só pega corrida que paga, por exemplo, R$1,50 ou R$1,60 por KM?

Evando: Não, eu seleciono bastante as corridas. Teve uma época em que não precisava escolher tanto, porque as corridas eram bem pagas. Mas os aplicativos não acompanharam os aumentos de custos: combustível, aluguel de carro, alimentação, tudo subiu.

Quando comecei, em 2021, praticamente toda corrida pagava acima de R$1,80 por KM. Hoje, a corrida toca a R$1,00… R$1,30, R$1,40. E como eu não quero passar 12 horas na rua — porque isso é arriscado, tem perigo de acidente, multa, assalto, além do estresse —, eu só aceito corrida acima de R$1,80 por KM.

Mas como hoje tá bem ruim, às vezes fico 20, 30, até 40 minutos parado esperando uma corrida que valha a pena. Quando estou em bairros mais distantes, que têm pouco fluxo, às vezes aceito corridas a R$1,60 só pra conseguir me deslocar. Mas meu piso ideal é R$1,80 por KM.

Minha próxima pergunta: você sabe mais ou menos quantos quilômetros você roda por dia?

Evando: Sim, eu rodo entre 150 e 170 km por dia, não passa disso. A média é essa, 160 km diários.

E, Evando, como você já está nas ruas há 3 anos e meio, queria que fizesse um comparativo para mim: como era ser motorista naquela época e como é hoje? Na sua visão, melhorou ou piorou? Muitos motoristas falam que os valores repassados continuam os mesmos, mas os custos aumentaram — e isso reduz o lucro no bolso do motorista. Você concorda? Qual a sua visão sobre isso?

Evando: Exatamente isso. As taxas não acompanharam a inflação nem os aumentos de custo. Por exemplo: há 3 anos e meio, eu trocava as bieletas do carro por R$30 cada lado. Hoje, estão cobrando R$70, R$80.

Mas os valores que a Uber repassa continuam os mesmos. O que mudou? A nossa carga horária. O que eu fazia em 6 ou 7 horas lá atrás, hoje eu só consigo fazer em 9 ou 10 horas.

Você entendeu? O ganho bruto até pode parecer o mesmo, mas o tempo e o custo para chegar nele aumentaram muito.

Os custos aumentaram bastante. Alimentação, combustível, manutenção… tudo. A minha meta de ganho continua a mesma, mas os gastos e a carga horária aumentaram muito.

E, Evando, minha próxima pergunta: você trabalha só com a Uber ou também com a 99 e o inDrive?

Evando: O aplicativo que eu mais uso é a Uber. Mas não é porque ela paga mais, ou algo assim. É porque, na minha opinião, o gráfico do aplicativo é melhor de entender, o mapa é mais claro, e o sistema trava menos. Então, por praticidade, eu acabo rodando mais com a Uber.

Mas eu também rodo com a 99 e o inDrive. Nessa ordem: Uber em primeiro, 99 em segundo e inDrive em terceiro.

E, para você, qual é o melhor tipo de corrida — e qual o pior?

Evando: O melhor tipo de corrida, claro, é aquela que paga bem por quilômetro e que acontece em horário de dinâmica. Mas também depende da localização. Por exemplo, eu não gosto de pegar uma corrida que paga R$50, mas me tira da área de dinâmica.

Prefiro continuar rodando na região da cidade que tem mais opções, mais demanda e onde o aplicativo paga melhor. Eu moro em Fortaleza, no Meireles. Se toca uma corrida do Meireles para o bairro de Fátima, por 5 km e R$20, tá ótimo!

Agora, se toca uma corrida de 15 km do Meireles para o Conjunto Ceará, por R$60, parece boa, mas não compensa. Quando eu chegar lá, vai ser mais difícil pegar outra corrida, o valor vai cair… então prefiro evitar.

O melhor tipo de corrida, pra mim, é em horário de dinâmica, com embarque em local de grande demanda, trânsito leve e boa tarifa por km.

E agora, Evando, pra você: qual é a maior dificuldade enfrentada hoje pelos motoristas de aplicativo?

Evando: A maior dificuldade, com certeza, são as taxas. Mas tem outra coisa que me estressa muito: a manipulação do aplicativo.

O app sempre coloca algum obstáculo. Antes, por exemplo, ele indicava quando a corrida tinha paradas. Hoje, não indica mais. Acho que isso aconteceu porque, quando começaram a mostrar, a aceitação dessas corridas com paradas caiu demais.

Então, acredito que a Uber tirou essa informação de propósito. E eu não gosto de corridas com paradas, principalmente porque a parada intermediária não aparece. Só mostra o início e o destino final — e eu não sei onde vou parar no meio do caminho. Isso me atrapalha.

Você tem dificuldade de avaliar se a corrida é boa ou não?

Evando: Não. Quando a corrida toca, eu sempre olho distância, valor, bairro, se é área de risco, se é uma região sem demanda… também observo os minutos. Mas essa questão das paradas ocultas dificulta bastante.

Outro exemplo: às vezes aceito uma corrida esperando levar duas ou três pessoas, mas aí o passageiro diz que são cinco — três adultos e duas crianças. Eu sou obrigado a cancelar, porque não posso transportar seis pessoas no carro.

Ou então chego e a pessoa está com um animal de grande porte, ou com um objeto que não cabe no carro.

Te dou um exemplo real: essa semana peguei uma corrida com um cadeirante. A Uber diz que a gente não pode cancelar esse tipo de corrida — é contra as normas do aplicativo. Quando cheguei lá, era um cadeirante indo para a UPA e ele queria levar a cadeira elétrica dele.

A corrida estava marcada para durar 12 minutos. Mas com toda a situação — tentar colocar a cadeira, desmontar bateria, assento, tentar fechar —, acabou durando 35 minutos. E a Uber recalculou R$4 a mais no valor.

A mulher que o acompanhava insistia dizendo que já tinha colocado essa cadeira em carro igual ao meu. Tentamos, por gentileza mesmo, mas a cadeira era muito pesada. Ela queria colocá-la nos bancos traseiros, mas eu expliquei que isso dá multa se a fiscalização pegar.

No fim, consegui convencê-los de que lá na UPA havia cadeira disponível, e fomos com ele sem a elétrica. Mas veja: uma corrida de 12 minutos virou 35 minutos e a Uber só aumentou o valor em R$4. Isso mostra a falta de compensação real pelo tempo e esforço.

Então, nesse caso, você saiu perdendo, né? Porque foram mais de 23 minutos a mais e a Uber só te recompensou com R$4.

Evando: Isso. Nossa maior dificuldade é justamente essa. Outra questão é o mapa do aplicativo, que muitas vezes é impreciso. Por exemplo: estou de um lado da BR — você sabe que BR tem um canteiro central — e, para acessar o outro lado, tenho que fazer um retorno de 2 ou 3 km.

Então acontece o seguinte: a corrida toca dizendo que o passageiro está a 700 metros de distância e o destino é a 3 km, por R$8. Mas quando eu aceito e abro o GPS, descubro que, para buscar o passageiro, vou precisar rodar 2 ou 3 km. Ou seja, no total, farei uma corrida de quase 7 ou 8 km por R$8. Não compensa.

O aplicativo ainda não calcula isso corretamente. E tem outros problemas, como ele não estar atualizado com as mudanças das prefeituras. Às vezes, a rua virou mão única e o app não mostra, aí o motorista acaba entrando na contramão e pode levar multa.

Os desafios são muitos, Giulia. Não é fácil. Tem gente que fala “ah, eu ganho R$120 mil ou R$130 mil por ano”, mas não explicam o que enfrentam no dia a dia. Falam só do valor, mas ignoram o estresse, os custos, as limitações. Não é tão simples assim.

E minha próxima pergunta tem a ver com isso: na sua opinião, vale a pena ser motorista de aplicativo em 2025 para alguém que esteja precisando de renda? E que dicas você daria para quem está começando agora?

Evando: Olha, Giulia, vale a pena, sim. Por exemplo, se eu estivesse trabalhando como motorista de caminhão hoje, ganharia algo entre R$2.000 e R$2.300 por mês — isso aqui na cidade, sem pegar estrada.

Como motorista de aplicativo, consigo fazer R$3.500, R$4.000. E além disso, tenho algo que valorizo muito: flexibilidade de horário.

Consigo levar minha filha na escola de manhã, ajudar minha esposa, ir com ela ao médico, fazer compras… Tenho as manhãs livres. Se eu quiser folgar sexta, sábado e domingo, consigo — só preciso compensar nos outros dias. Isso é algo que nenhum outro trabalho me proporcionava.

Inclusive, já incentivei amigos a entrarem. Um vizinho meu aqui do condomínio começou a rodar. Ele ainda não faz isso em tempo integral, porque tem outro trabalho, mas me procurou interessado. Eu sempre fui honesto: falei sobre os benefícios, mas também sobre os desafios.

Se a pessoa tem carro próprio — e melhor ainda se já estiver quitado — os ganhos são bem mais altos. No meu caso, o meu carro é financiado, então o desafio é bem maior. Além do combustível e da manutenção, ainda tenho que pagar a parcela do financiamento.

E quando o carro é próprio, vem também aquela ansiedade: “E se o carro quebrar e eu não tiver reserva? Como vou trabalhar amanhã?” É um risco constante.

Agora, imagina quem trabalha com carro alugado. Eu tenho 49 anos, não tenho mais o pique de quando tinha 30. Imagina uma pessoa da minha idade pagando R$700 ou R$800 por semana de aluguel? Mesmo que pegue um carro mais simples por R$600, isso dá cerca de R$2.400 por mês só de aluguel.

Fazendo as contas: se a pessoa trabalha seis dias por semana, ganhando R$300 por dia, faz R$1.800 por semana. Tirando R$600 de aluguel e R$600 de combustível, sobram R$600. Ou seja, o lucro é baixo para o esforço envolvido.

Então sim, vale a pena, mas só se você souber calcular, ter uma meta de ganho diária e respeitar sua estratégia. Não adianta sair para rodar de qualquer jeito, ou trabalhar um dia sim e outro não. Quando eu comecei, até era assim. Mas quando percebi que se tornaria minha renda principal, sentei com minha esposa e falei: “A partir de agora, vou rodar todos os dias até bater minha meta.”

Hoje, eu só volto para casa quando bato R$300. Saio entre meio-dia e 13h, e só paro quando atingi a meta. Em baixa estação, já levei até 11 horas para alcançar isso. Os desafios são grandes.

A prefeitura também não ajuda. No centro da cidade, é difícil encontrar um lugar permitido para parar. O passageiro não quer saber se é proibido estacionar — ele só quer que você pare onde ele está. Muitas vezes, eu tenho que parar dentro de estacionamento de loja para poder desembarcar alguém.

Os desafios são grandes. Mas é isso. Os ganhos são bons, porém não são fáceis.

Evando, eu acho que da minha parte é isso. Gostaria de saber se tem algo que você gostaria de acrescentar, algo que a gente não abordou e que você acha importante.

Evando: Sim. A gente sempre pede melhorias nos aplicativos, sabe? Principalmente na parte das avaliações. Por exemplo: quando fazemos uma avaliação no app, acho que deveria existir duas opções separadas — uma avaliação para o motorista e outra para o próprio aplicativo.

Te dou um exemplo recente: peguei uma corrida com um passageiro que estava num hotel e colocou como parada um supermercado Pão de Açúcar. Mas ele não especificou qual unidade. O sistema apontou para uma mais à frente. Quando eu estava passando pelo Pão de Açúcar da Abolição, ele pediu para voltar porque era ali que ele queria descer.

Ou seja, o erro foi dele ou do aplicativo, que redirecionou de forma errada. Mas quem foi avaliado negativamente fui eu. Ele encerrou a corrida e marcou como “embarque inadequado”. Isso prejudica nossa nota, que é algo que levamos muito a sério.

Eu, por exemplo, só avalio passageiro com cinco estrelas. Nunca dei menos que isso. A maioria dos motoristas também é assim. Minha nota hoje é 4,97, e mesmo assim eu me preocupo. Já liguei para o suporte da Uber quando percebo que a nota caiu sem justificativa.

Felizmente, a maioria dos passageiros que atendo são pessoas gentis. Eu gosto de conversar, dou atenção, e isso ajuda muito. Mas situações como essa, em que a falha não é nossa, e ainda assim somos penalizados, são frustrantes.

Claro, é muito válido esse ponto. Você quer acrescentar mais alguma coisa?

Evando: Sim, tem outra questão que eu acho muito polêmica. O meu carro é um Voyage Comfort, e ele roda na categoria Comfort. O problema é o seguinte: quando o calor está muito intenso, tenho que desativar o X e rodar só no Comfort, porque ninguém aguenta o calor sem ar-condicionado.

E a questão é que ninguém também quer rodar no X com o ar ligado, em plena dinâmica ou trânsito pesado, recebendo corridas a R$1,00 por km. Isso não compensa.

Acredito que os aplicativos deveriam ser mais sensíveis a isso. Ouvi falar que no Rio de Janeiro, por exemplo, a Uber está testando adicionar um valor extra para compensar o uso do ar-condicionado em dias de calor intenso. Isso é ótimo, mesmo que ainda não esteja disponível para todos.

O que falta nos apps é transparência. Se é obrigatório usar o ar-condicionado, como dizem as prefeituras e os próprios apps, então eles precisam nos dar suporte financeiro para isso.

Uma sugestão: se o passageiro pede um Comfort, ele deveria ter a opção de selecionar “temperatura fria” na hora da solicitação. Com isso, o motorista já saberia que o ar-condicionado será exigido e pode avaliar se compensa aceitar aquela corrida.

E essa opção deveria existir também no X. Afinal, ar-condicionado não é luxo, é necessidade. E se o uso é obrigatório, então deve haver compensação justa. A transparência nesse ponto seria um grande avanço para todos.

Tem corrida que parece simples, mas o passageiro muda o endereço, estica o trajeto, exige ar-condicionado… e no fim, gastamos mais do que ganhamos.

Por isso, defendo que os apps permitam ao passageiro selecionar a necessidade de temperatura fria. Assim, quando a corrida tocar para o motorista, ele saberá de antemão e poderá decidir se vale a pena.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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