Wilson Tkatch, brasileiro entregador na Flórida, compartilha sua experiência de trabalho.
Recentemente, a equipe da 55 Content entrevistou Wilson Tkatch, um brasileiro que trabalha como entregador nos Estados Unidos. Em 2021, o paranaense de 41 anos se mudou com a esposa e as filhas para Orlando, após a aprovação da esposa em um PhD. Buscando sustentar sua família, Wilson optou pelo trabalho de entregas.
Ele encontrou no trabalho com entregas a flexibilidade necessária para equilibrar as responsabilidades familiares com a necessidade de sustento. Wilson descreve uma rotina de trabalho intensa, atuando de 12 a 14 horas por dia, e diz que muitas vezes precisa complementar sua renda.
Há quanto tempo você mora nos EUA e por que escolheu o país/cidade? Como foi o processo de decisão de sair do Brasil?
Eu moro em Orlando, na Flórida, desde julho de 2021, com minha esposa e duas filhas. A gente decidiu vir para cá porque a minha esposa foi aprovada para um PHD na UCF, que é a University Central Florida. A gente viu como uma ótima oportunidade, tanto para ela quanto para mim e para as meninas, para a gente aprender o inglês, conhecer uma nova cultura, descobrir um pouco mais sobre os Estados Unidos, e a gente acabou tomando essa decisão de mudar para cá. Nós tínhamos carreiras bem consolidadas no Brasil, morávamos em Curitiba, no Paraná. A rotina estava funcionando bem, tínhamos bons empregos, bons salários, mas a gente viu que precisava de novos desafios pessoais e profissionais. E foi por isso que a gente optou em vir para cá. Ela veio para um PHD de quatro anos. Esse PHD é aqui na Flórida, no Rosen College, que é um campus da UCF. E também foi uma decisão bem complicada de se tomar, de sair do Brasil, ainda mais que nós tínhamos uma condição muito boa. Mas a gente refletiu bastante, viu que seria uma ótima oportunidade para todos nós. E acabamos tomando essa decisão de vir para cá.
Assim que a gente resolveu vir para cá, a gente entendeu que seria importante mostrar para outras pessoas também um pouco da nossa trajetória, como seria essa mudança. E por causa disso a gente resolveu criar um canal no YouTube e um perfil no Instagram, ambos chamados Passagem para 4. Lá a gente conta a nossa rotina, nossas dificuldades, os nossos perrengues, as coisas que dão certo, as coisas que não dão. A gente tenta encurtar um pouco o caminho para outras pessoas que querem fazer uma trajetória parecida com a nossa.
O que o levou a escolher o trabalho com entregas? Quando você começou?
Chegando aqui nos Estados Unidos, nós viemos com o visto J, que é um visto de pesquisador, então a minha esposa é o J1 e eu sou o J2. Esse visto especificamente possibilita ao J2 trabalhar legalmente aqui nos Estados Unidos. A gente optou por esse visto, porque me possibilita ter os documentos necessários para trabalhar. E assim que a gente chegou aqui nos Estados Unidos, foi uma correria danada para matricular criança em escola, conseguir todos os documentos, e aqui você tem que ter toda a documentação necessária para poder trabalhar com delivery ou qualquer outro tipo de aplicativo, ou num restaurante, numa empresa… E são alguns documentos que a gente precisa correr atrás.
O primeiro deles é o Social Security Number, que é como se fosse o CPF aí do Brasil. Esse documento é o seu registro geral, digamos assim. Ele te possibilita se inscrever nas coisas e o governo ter uma rastreabilidade de quem é você, o que você está fazendo, o quanto você gerou de renda, o quanto você vai ter que pagar de imposto. Então, na hora em que você vai fazer o cadastro aqui em qualquer aplicativo, uma das primeiras informações que são solicitadas é justamente o número do Social Security Number. Junto com o Social Security Number, você precisa tirar uma Work Permit, que é uma permissão de trabalho. É como se fosse a nossa carteira de trabalho aí do Brasil. Esses dois documentos te possibilitam fazer o registro e trabalhar em aplicativos ou qualquer outra particularidade. Nos aplicativos, especificamente, eles não pedem para você colocar o teu Work Permit, mas o teu Social Security Number, através do número de registro, ele vai te falar que você tem uma permissão para trabalhar.
Quando nós chegamos, eu fiz a minha aplicação para esses documentos. Você vem com o seu visto J, mas chegando aqui você ainda precisa providenciar essas documentações para você poder trabalhar. Então, assim que eu cheguei, já comecei a olhar, ver quais eram as obrigatoriedades, o que eu precisava mandar, como funcionava. Mandei, não demorou muito tempo, eu fui aprovado. Na verdade, minha documentação foi aprovada em um mês. Em um mês eu recebi o meu Social Security e o meu Work Permit. Foi muito rápido. Com isso, nesse meio tempo, eu fui conversando com algumas pessoas aqui que elas foram falar, por que você não começa a trabalhar com o aplicativo? Porque o aplicativo te dá uma flexibilidade, você tem a particularidade de buscar as crianças na escola, porque os horários aqui são bem diferentes do Brasil, então as crianças entram na escola aqui às 8h30 da manhã e saem às 15h da tarde. Então, bem no meio da tarde, um trabalho fixo te prenderia, você teria dificuldade para sair no meio da tarde para ir buscar seus filhos na escola. E se você colocar seus filhos em uma atividade pós escola, isso acaba tendo um custo bem acentuado. Então, a gente resolveu que eu teria um pouco mais de flexibilidade e também buscaria uma qualidade de vida melhor que com as minhas filhas, porque no Brasil eu trabalhava muito, viajava muito, então não tinha muito tempo para ficar com elas.
Essa flexibilidade, essa proximidade do delivery que me levou a tomar essa decisão de fazer a inscrição nos aplicativos.
Como foi o processo para começar a trabalhar com entregas no país em que você está? (Inscrição nos apps, por exemplo)
O cadastramento nos aplicativos é bem simples, você precisa colocar o número do seu Social Security, o seu endereço, precisa cadastrar os dados do carro que você vai utilizar para fazer delivery, colocar o seu seguro… Aqui é obrigatório você ter um seguro para o seu carro, sem ele você não consegue terminar o seu cadastro no aplicativo. E a Registration, que é o documento do veículo.
É bem simples, é só preencher o formulário; o que muitas vezes pode acontecer é que demora um certo tempo para ser aprovado. Como eu fiz esse processo lá em 2021, naquela época eu fui aprovado rápido, até posso considerar que foi rápido a minha aprovação, hoje em dia, conversando aqui com outras pessoas, eu tenho visto que isso tem demorado um pouco mais. No meu processo, quando eu fiz o cadastramento, eu fiz em três plataformas iniciais, que é o Uber Eats, que saiu muito rapidamente, saiu em questão de dias, o DoorDash, que é um outro aplicativo muito utilizado aqui nos Estados Unidos para delivery, e no Grubhub. No DoorDash levou um pouco mais de tempo, demorou um pouco mais para ser aprovado, e no Grubhub levou bem mais tempo, levou aí uns 7, 8 meses para ser aprovado.
Quando os documentos saíram eu já iniciei o trabalho. Já comecei a trabalhar, aprender como funcionava. Quando a gente chegou a gente comprou um carro bem grande, então era um carro que consumia bastante, mas era o único veículo que a gente tinha e eu fazia delivery com esse carro, que era uma minivan. Não é o carro mais indicado para fazer delivery, mas é o que tinha naquele momento.
Existem desafios específicos no seu trabalho de entregas que são únicos por estar em um país estrangeiro?
Eu acho que tem sim alguns desafios. O primeiro deles é entender um pouco a cultura, que é diferente da nossa. Como funcionam as entregas aqui. Então, por exemplo, você chega num restaurante para pegar um delivery, você tem alguns restaurantes que deixam os pedidos de delivery numa prateleira. Qualquer um pode chegar, pegar, você não precisa apresentar documento, você não precisa ir no balcão, você não precisa assinar nada. É só entrar aí na prateleira onde estão as entregas, pegar, sair, você não precisa justificar nada para ninguém. Isso é bem interessante.
Levou um pouco de desafio para entender os aplicativos. Alguns aplicativos aqui você já tem a possibilidade de colocar eles em português, o que facilita bastante para o pessoal, mas eu acabo usando em inglês justamente para poder treinar a língua. A língua é um outro desafio. No começo você vai se bater bastante a respeito disso, até entender um pouco essa linguagem do delivery. Não precisa ser um expert em inglês para poder fazer entregas, mas você tem que conhecer algumas coisas e com o tempo você vai aprendendo isso. E eu acho que esses são os principais desafios. A dinâmica do trânsito aqui é um pouco diferente também. As sinalizações são diferentes das do Brasil. A questão da abordagem policial aqui também é diferente. Foram esses os desafios que eu enfrentei no começo.
Como seria um dia típico de trabalho com entregas para você?
O dia típico de trabalho aqui no delivery é um trabalho que geralmente você leva de 12 a 14 horas por dia trabalhando. E é um trabalho que você precisa trabalhar com vários aplicativos ao mesmo tempo, porque se você depender de um único aplicativo, realmente você fica bem limitado. O delivery aqui nos Estados Unidos mudou bastante desde a época que eu cheguei até agora, possivelmente em função do momento econômico que os Estados Unidos vem vivendo. O número de pedidos diminuiu bastante, as pessoas estão mais econômicas, não estão pedindo tanto. A gente repara bastante isso. Muitos novos motoristas trabalhando, então menos volume de pedidos para cada um.
O dia de trabalho leva de 12 a 14 horas. De segunda a segunda, todos os dias da semana. Começando cedo, às 7 da manhã, e parando lá por volta das 9 horas da noite, 9 e meia da noite, 10, dependendo do movimento.
Você acha que o trabalho com entregas compensa financeiramente?
Dá para pagar as contas. Não sobra dinheiro, mas você empata, digamos assim, às vezes tem meses que você fatura melhor, final de ano, geralmente outubro, novembro e dezembro são bons meses, apesar de que o último ano não foi tão bom assim, o começo do ano é muito ruim. Janeiro, fevereiro e março é muito fraco de movimento de delivery, o que dificulta bastante.
Então é isso, paga as contas, mas não sobra muito dinheiro, pelo menos aqui em Orlando, na Flórida. A gente sabe de lugares aqui nos Estados Unidos em que o delivery funciona melhor, como a região lá da Califórnia, mas aqui em Orlando realmente é algo que tem caído muito. Os valores tem caído muito, pouca corrida, muito motorista… Os resultados acabam ficando bem prejudicados. Por isso que você tem que trabalhar com vários aplicativos e muitas horas do dia, para conseguir fazer um valor mínimo necessário para conseguir pagar as contas.
Tanto que, além de trabalhar com entregas, eu abri uma pequena agência de viagens chamada TK Concierge para complementar a renda, porque só com delivery realmente fica bem difícil.