Com mais de 36 mil corridas pela Uber e jornadas que já chegaram até 24 horas, Marcos Fernando é um veterano dos aplicativos. Hoje, trabalha de forma mais equilibrada, mas não economiza nas críticas: fala abertamente sobre as taxas da Uber, a ilusão de ganhos fáceis vendida nas redes sociais e o risco constante de bloqueio, mesmo com bom histórico e avaliação quase perfeita. Rodando majoritariamente nas quebradas do ABC Paulista — áreas que muitos evitam por medo — ele revela que é justamente nesses locais, considerados perigosos, que consegue bater sua meta diária de R$ 400. Sua trajetória é marcada por conquistas, como a casa própria e o carro quitado, mas também por alertas: “O app não é mais para ser profissão. É complemento de renda — ou cilada.”
Marcos, minha primeira pergunta: há quanto tempo você é motorista de aplicativo? O que te levou a começar nessa atividade? E como surgiu a ideia de produzir conteúdo para as redes sociais sobre a profissão?
Marcos:Tenho 7 anos de aplicativo. Tenho cerca de 37.000 corridas pela Uber e, na 99, umas 12.000 a 13.000, porque rodo menos por lá.
Esse número alto de corridas veio especialmente porque, durante 4 desses 7 anos, eu fazia turnos de até 24 horas. Era uma época em que valia muito a pena, pois dava uma boa grana.
Entrei nesse ramo depois de ser desligado da empresa onde trabalhei por 6 anos. Foi um acordo, na verdade — mudaram meu horário e eu não estava satisfeito. Peguei um dinheiro, financiei meu primeiro carro, um Logan, em 48 vezes, bem na época em que a Uber tinha acabado de chegar no Brasil. Era um momento ótimo: dava muito dinheiro.
Trabalhei tanto que consegui pagar o carro em um ano. Também quitei minha casa há cerca de 3 anos, tudo com o dinheiro do app. Apesar das críticas que faço ao momento atual do aplicativo, sou grato por tudo o que conquistei com ele.
Quanto às redes sociais, na época só existiam pouquíssimos canais de YouTube voltados para motoristas. O primeiro que comecei a assistir foi o do Thomas — não sei se você conhece. Hoje ele fala sobre bolsa de valores, mas foi o pioneiro. Também havia o mestre e o bruxão. Foi vendo esses conteúdos que decidi começar a gravar meus dias aqui no ABC Paulista, onde praticamente só eu fazia isso na época.
Gravo em Santo André, São Bernardo e São Caetano. Comecei mostrando minha rotina, com vídeos e lives às quintas e sábados. O retorno veio muito mais rápido do que eu esperava. Fiquei 2, 3 anos produzindo conteúdo sem monetizar, inspirado pelo Thomas, e continuei firme. Estou até hoje.
E como é sua rotina atualmente? Você ainda faz aquelas longas jornadas de antes? Folga algum dia?
Marcos: Hoje tirei bastante o pé. Não aconselho ninguém a fazer o que eu fiz lá atrás. Naquela época, tínhamos multiplicador, promoções de 50 corridas por R$ 300… valia muito a pena.
Paguei meu carro com parcelas de R$ 1.100 ou R$ 1.200, e consegui quitar em um ano porque fazia jornadas insanas. Saía às 5h da manhã de um dia e voltava às 6h da manhã do dia seguinte. Dormia 3 ou 4 horas e empurrava mais 24 horas pela frente. Fiz isso por uns 3, 4 anos — era cansativo, mas me rendia R$ 1.500 a R$ 2.000 no fim de semana.
Hoje, trabalho das 4h da manhã até as 3h da tarde, mais ou menos.
E pode falar de valores? Quanto você costuma fazer por dia?
Marcos: Claro! Hoje, consigo fazer uma média diária entre R$ 350 e R$ 400. Minha meta é sempre bater os R$ 400. Sei que, num grupo de 100 motoristas, 80% não alcançam isso. E vou te explicar por quê.
Rodo no ABC, mas evito certas regiões: não trabalho em Diadema nem em Mauá. Diadema é perigoso e faz perder tempo. Mauá também tem muita ladeira e é arriscado. São Caetano, apesar de ser uma cidade de alto padrão, tem corridas muito curtas — 10, 12 reais —, então não compensa.
Fico mais concentrado em São Bernardo. Um amigo meu, que toma café comigo todo dia, sempre fala: “Se eu não te conhecesse, não acreditaria que você faz esse valor só rodando aqui.” E eu consigo porque rodo nas quebradas, nas periferias.
Você trabalha bastante em áreas consideradas de risco, certo? Por quê?
Marcos: Sim, se você olhar meus vídeos no canal, vai ver que é só quebrada. Rodar nesses lugares é o que dá mais rentabilidade hoje em dia. Como não temos mais dinâmica nem multiplicador, e os valores caíram muito, é nas quebradas que o pessoal chama mais. É onde aparecem as corridas longas e com valor melhor.
Moro em Santo André, mas todos os dias às 4h da manhã já estou saindo com corridas de R$ 30 a R$ 40, geralmente indo para Volksvagen, Mercedes ou Scania. Por exemplo, hoje peguei uma de R$ 40 para a Scania.
Depois, fico rodando em bairros como Telma, Laura, Químicos, Orquídea, Las Palmas, Ferrazópolis, São Pedro, Montanhão, Seleta, Silvina, São José, Sítio dos Vianas — todos periféricos, muitos considerados perigosos. Mas é onde consigo ganhar melhor.
A grande maioria aqui está sofrendo. Muita gente não está conseguindo fazer nem R$ 250 por dia. A situação está complicada.
E sobre quilometragem e consumo? Muitos motoristas reclamam disso — rodam muito e ganham pouco. Como você lida com isso?
Marcos: Vamos lá. Eu saio com o carro zerado e rodo, em média, de 170 a 180 km por dia. Isso porque fico restrito a São Bernardo, que tem a Rodovia Anchieta facilitando os deslocamentos.
Dou um exemplo: se estou na Marechal e toca uma corrida para o bairro Orquídeas (bem próximo de Diadema), dali já saio para Santo Amaro ou Interlagos, quebrando para a Zona Sul de SP. A corrida para Orquídeas, por exemplo, me rende R$ 40 a R$ 50. Em Santo André, não consigo esse valor com uma única corrida, porque é cidade pequena.
Até 9h30 da manhã, tento fazer R$ 250 — foco total. Na maioria dos dias, consigo. Depois, até umas 14h, tento fechar entre R$ 100 e R$ 150, totalizando entre R$ 350 e R$ 400 com 180 km rodados.
Agora, se chega meio-dia e estou só com R$ 150 e já rodei 100 km, paro. Porque, se continuar, vou fazer no máximo mais R$ 100, fechando em R$ 250. Mas terei que gastar R$ 100 de combustível. Ou seja, vou embora com R$ 150 líquidos.
O problema é que muitos motoristas se iludem com o bruto. Batem no peito e falam: “Fiz R$ 300!” Mas, quando você pergunta como esses R$ 300 estão diluídos, eles não sabem responder.
Marcos, você comentou sobre consumo e economia. Pode explicar melhor como é isso na sua rotina?
Marcos: Claro! Meu carro é um Etios 1.5, super econômico. Eu costumo abastecer R$ 70 por dia. Com esse valor, consigo rodar cerca de 250 km — raramente passo disso. O Etios Sedan é um dos mais econômicos, junto com o Up, Kwid e Mobi.
Geralmente, faço de R$ 350 por dia abastecendo entre R$ 50 e R$ 70. Rodo em torno de 170 a 180 km — é muito raro bater 200 km.
E qual é seu itinerário de trabalho? Que dias e horários você trabalha?
Marcos: Rodo de segunda a sexta, das 4h da manhã até umas 14h ou 15h. No sábado, trabalho das 4h até a 13h. Domingo e feriado eu não trabalho mais. Mas não julgo quem trabalha — é que, graças ao que conquistei lá atrás, hoje posso me dar ao luxo de não sair. Não pago aluguel, não pago o carro — e tudo isso foi graças ao aplicativo, então tenho que reconhecer isso.
Você roda no X ou Comfort?
Marcos: Hoje só no X. Eu rodava no Comfort, mas a Uber tirou essa opção aqui na região neste ano. Só tem o X. E está bem difícil fazer corrida por lá. Antes, mesmo só rodando no ABC, eu fazia de R$ 500 a R$ 600 por dia. Hoje, minha média caiu para entre R$ 350 e R$ 400. Eu e o Uber do Portuga — não sei se conhece ele — sempre trocamos ideias, e buscamos bater R$ 400 até 14h ou 15h. Mas está cada vez mais difícil.
Então sua média de faturamento é de R$ 300 a R$ 400 por dia? E isso dá quanto no fim do mês, mais ou menos?
Marcos: Isso mesmo. Em média, faço R$ 1.500 por semana, o que dá cerca de R$ 6.000 por mês brutos. Descontando o combustível, que dá em torno de R$ 420 por semana (uns R$ 1.600 por mês), sobra por volta de R$ 4.000 líquidos.
Para mim está bom, pois não tenho despesas com aluguel ou financiamento. Mas para quem precisa pagar carro e moradia, esse valor é pouco. Por isso, sempre incentivo que o app seja usado como complemento de renda, não como renda principal.
Você acha que vale mais a pena ter um emprego fixo e usar o app só para reforço?
Marcos: Sim. Eu sempre falo isso: às vezes a pessoa faz R$ 5.000, mas paga R$ 1.300 de financiamento, tem aluguel, combustível, manutenção, troca de óleo, até o cafezinho do farol… Quando soma tudo, vê que ficou no zero a zero. Não teve prejuízo, mas também não ganhou nada.
É melhor ter um trabalho fixo e usar o app para fazer umas duas horinhas por dia. Muita gente do meu grupo faz isso. Conheço uma moça, a Márcia, que faz R$ 250 por dia assim — 1h30 de manhã, 1h30 à noite. São R$ 1.000 a R$ 1.500 por semana, somados ao salário CLT, o que dá para viver com mais segurança.
Você é um motorista seletivo? Aceita apenas corridas com determinado valor por quilômetro?
Marcos: Com certeza. Sempre comento isso nos vídeos. Por exemplo: uma corrida de 20 minutos tem que me pagar, no mínimo, R$ 15. Se for uma corrida de 15 minutos e 8 a 10 km, mesmo que não bata os R$ 2/km, ainda compensa pelo tempo.
Eu trabalho mais com a métrica do tempo, por causa da localização — estou perto da Rodovia Anchieta. Uma corrida de 15 minutos precisa render R$ 20. Se for abaixo de R$ 1,80/km, já começo a recusar. Corridas abaixo de R$ 10, eu não aceito de jeito nenhum.
Você sabe qual é a taxa que a Uber te cobra? Recebe os resumos semanais/mensais?
Marcos: Sim, recebo os resumos. A Uber informa que a taxa fica entre 15% e 20%, mas isso não bate com a realidade. Tem corrida em que a taxa vai de 30% a 60%.
Semana passada, postei no canal um caso em que o motorista recebeu R$ 72 de uma corrida e a Uber ficou com mais de R$ 77 — foi praticamente meio a meio. Ele pediu reembolso e a Uber não pagou.
O meu resumo semanal, por exemplo, apontou 29% de taxa. Mas, na prática, é mais que isso. A Uber joga os valores para baixo. Eles maquiam até o valor das promoções — pegam uma corrida de R$ 15, retiram R$ 5 e embutem no turbo, fingindo que estão pagando a mais. Mas não estão.
E qual é o tipo de corrida que você mais gosta de fazer? E qual você evita a todo custo?
Marcos: Gosto das corridas mais longas, especialmente as que me colocam na Anchieta. Moro no Curuçá, em Santo André, então pegar uma corrida para São Bernardo ou para a represa, que paga R$ 30 ou R$ 40, é ótimo. Nessas áreas mais distantes, poucos motoristas aceitam, porque são consideradas de risco — e é aí que tiro vantagem. Como pouca gente aceita, eu vou, e consigo manter minha média.
Agora, corridas que eu não aceito de jeito nenhum: corrida de mercado e corrida no Bag. Mercado eu não pego mesmo. E o Bag, hoje em dia, está pagando muito pouco, já que a Uber praticamente jogou todo mundo nele. Então, não compensa.
E em relação a corridas, tem algum tipo que você evita completamente? Seja por bairro ou perfil do passageiro?
Marcos: Sim, com certeza. Não sei se você vai divulgar isso, mas tenho alguns critérios pessoais que sigo. Tem perfis de pessoas que, só de bater o olho, eu já sei que não vou pegar. É uma questão de segurança. E também tem alguns bairros que eu evito.
Por exemplo, não pego travestis no meu carro. Só entraram uma vez e não entraram mais — nesse único episódio, mexeram no meu lanche, nas minhas moedas e incomodaram pessoas na rua. Desde então, decidi que não atendo mais esse perfil.
Também costumo alertar motoristas novos: evitem corridas partindo de locais muito isolados. Vamos usar o bairro do Alvarenga como exemplo — um lugar perigoso, com muito mato. Se uma corrida toca de lá com um cadeirante, por exemplo, muitos dizem que aceitariam. Mas como esse cadeirante chegou lá? Alguém o levou. A chance de ser uma emboscada é grande.
O mesmo vale para uma mulher grávida nesse local. Qual mulher, em sã consciência, pediria um carro no meio do mato, sozinha? A gente tem que se perguntar essas coisas. Já houve caso de passageira grávida que atraiu o motorista para uma emboscada. Ele foi torturado por quatro homens.
Então, evito vários perfis, mas isso é algo que se aprende com o tempo, com experiência e malícia. Só de olhar, já sei quando não é seguro. E tem bairros aqui no ABC que evito à noite: São Pedro, Ferrazópolis, Silvina, Sítio dos Vianas, Orquídeas, Areão (perto do Riacho Grande). De dia, eu até entro, mas à noite não.
Quando você começou, trabalhar pela Uber era mais rentável. Você lembra quanto faturava antes em comparação com hoje?
Marcos: Sim, naquela época eu fazia fácil R$ 1.500 a R$ 2.000 em um único sábado — trabalhando 24 horas, claro. Por semana, dava entre R$ 6.000 e R$ 7.000, às vezes até mais. Tenho prints disso, posso te enviar depois pelo WhatsApp.
Hoje caiu muito. Um mês excelente, chorando, dá para fazer R$ 2.000. Mas só trabalho no X e em uma única região, o que limita bastante.
Você acha que hoje há uma distorção na forma como se comunica a realidade dos motoristas nas redes sociais?
Marcos: Totalmente. Eu vejo muitas matérias e vídeos mostrando motoristas dizendo que fazem R$ 30.000, R$ 100.000… Eu não desacredito 100%, mas são valores muito fora da realidade da maioria.
Hoje em dia, quem quer fazer sucesso na internet no meio dos aplicativos precisa ostentar. Foi o que o Thomas fez lá no começo — ele era único, soberano, mostrava ganhos altos e, na época, isso impressionava. Hoje, muitos influenciadores seguem essa mesma fórmula: mostrar ganhos, ganhos, ganhos. E aí crescem rápido.
Mas eu e o Alex, por exemplo, somos do outro lado. A gente bate nos aplicativos. Nosso crescimento foi mais lento, mas quem nos acompanha é porque acredita no que a gente fala.
A gente fala de bloqueios, exclusões, taxas… É o outro lado da moeda. Tem vídeo meu que viralizou recentemente sobre um motorista do Ceará que perdeu tudo: a empresa, o carro, entrou em depressão, tentou tirar a própria vida. Ele acreditou nas promessas de ganhos que viu na internet. Pegou carro financiado, alugou outro, pegou dinheiro com agiota… e quebrou.
Fiz uma vaquinha no canal para ajudá-lo. Isso mostra como muitos estão vendendo uma ilusão. Como alguém vai comprar um carro de R$ 150.000 para rodar com corrida de R$ 5? É insustentável.
Você usa outras plataformas além da Uber, como a 99 ou inDrive?
Marcos: Hoje só rodo pela Uber. A inDrive eu nem tenho instalada — não passa segurança nenhuma, ainda mais nas regiões onde moro, que são cheias de quebradas. A 99 também não uso com frequência. Tenho umas 13.000 corridas por lá, contra 36.000 na Uber. Rodo praticamente só na Uber.
E para você, qual é hoje a maior dificuldade do motorista de aplicativo?
Marcos: A pior dificuldade hoje é lidar com a ilusão. Muitos entram achando que vão ganhar bem — porque é isso que veem por aí. Inclusive, muitos motoristas mentem para os passageiros. Quando perguntam quanto ganham, jogam lá no alto. Isso cria uma falsa expectativa e atrai mais gente para a profissão sem preparo.
Fora isso, tem a insegurança, a baixa remuneração e as taxas abusivas. Tudo isso somado torna o trabalho muito mais difícil do que parece.
Você comentou que hoje muitos motoristas entram achando que um celular e um carro resolvem a vida. Pode falar mais sobre isso?
Marcos: Isso é o que eu sempre digo: hoje muita gente entra achando que um celular e um carro resolvem tudo. Lá atrás, sim, era assim. Um celular e um carro já eram suficientes para você ganhar dinheiro. Mas hoje não é mais.
A primeira grande dificuldade é manter um valor diário estável. Vamos chutar baixo: R$ 300 por dia. Já é difícil manter isso todos os dias. O motorista larga o emprego, entra no aplicativo com coragem e esperança, mas logo enfrenta os problemas.
Tem passageiro mal-educado, risco de exclusão a qualquer momento. Por isso, sempre recomendo que ninguém financie ou troque de carro. A Ana Paula, por exemplo, saiu do X, foi para o Black, e uma semana depois foi excluída porque a passageira não foi com a cara dela.
Hoje, a segurança é a maior dificuldade. Muita gente não conhece os bairros onde vai trabalhar. O motorista precisa ter disciplina: sair no mesmo horário todos os dias, conhecer bem sua área, saber os horários de dinâmica, tudo isso. Sem contar as taxas, que variam de 30% a 60%.
E muitos são assaltados porque abaixam a guarda. Crescem o olho na corrida e esquecem do básico: segurança e filtro. Não é preconceito — é sobrevivência.
Minha nota é 4.99. Nunca fiquei abaixo de 4.97. Mas sei que a maior dificuldade mesmo é manter o valor diário e lidar com pessoas. E lembrar: você pode ser bloqueado a qualquer momento, principalmente se não tiver câmera no carro.
Você recomendaria a profissão de motorista para alguém que precisa ganhar dinheiro? Ou só como complemento de renda?
Marcos: Não recomendo de forma alguma como profissão principal. Sei que isso gera polêmica. Sempre que alguém fala em grupo que não recomenda o aplicativo, a resposta é: “Então por que você faz?”
Mas minha realidade é diferente. Eu não pago aluguel, não tenho filho pequeno, não pago carro. E sim, tenho uma renda com o canal. Então, posso continuar, mas para a maioria das pessoas isso não funciona.
Hoje você entra com coragem, financia ou aluga um carro e, no dia seguinte, pode ser bloqueado. Tem risco de acidente, de ficar sem carro e nem seguro muitos têm. Um colega do grupo, por exemplo, perdeu o carro quando uma árvore caiu sobre ele no aeroporto de Congonhas — e não tinha seguro.
Aconselho a usar o app como complemento. Tenha um emprego fixo, mesmo ganhando R$ 1.500. Use duas horas para ir ao trabalho e duas para voltar, e tente fazer R$ 200 por dia. Isso dá R$ 1.000 por semana, R$ 4.000 por mês. Aí sim, vale a pena.
Você gostaria de acrescentar alguma coisa? Sentiu falta de algo na nossa conversa?
Marcos: Gostaria sim. Acho que, para melhorar a situação, algo que sei que dificilmente acontecerá, a corrida mínima deveria ser de pelo menos R$ 10. Isso é o básico.
Um ônibus aqui custa quase R$ 7. De Santo André para São Paulo, um ônibus custa R$ 12. O quilômetro do táxi está R$ 6,80. O nosso mal chega a R$ 2.
Além disso, deveriam dar voz aos motoristas em caso de bloqueio. É muita injustiça: basta o passageiro não gostar de você e te acusa de racismo, assédio, homofobia, o que for — e pronto, você é excluído. Sem defesa.
Eles fazem isso porque há muita rotatividade. Você sai, três entram. Mas isso vai acabar. Daqui a uns três anos, essa rotatividade cai. Porque todo mundo já entrou e saiu. E as experiências vão se espalhar — uma pessoa que já fez Uber vai alertar a próxima.
Sobre valores, não acredito que vá melhorar. Quando a Uber chegou, pagava bem para ganhar terreno. Hoje, já está consolidada. Não tem concorrência real, então os valores só caem.
Você sente que mesmo com bom histórico, ainda há risco de exclusão?
Marcos Fernando: Com certeza. Tenho 36.000 corridas, nota 4.99, quatro câmeras no carro, recebo elogios como “viagem de respeito” — aquele selo que a Uber envia após pesquisa com passageiras. Mas sei que, se quiserem, eles me colocam na rua.
É frustrante. Porque, mesmo com todo cuidado, não há garantias. E o pior: essa rotatividade alimenta esse sistema injusto.