Dionez Coelho, motorista de aplicativo no Rio de Janeiro, compartilha sua trajetória desde a transição do mercado digital para as ruas em 2023, destacando sua disciplina financeira, resiliência e estratégia para alcançar uma meta diária de R$ 500. Com foco em seletividade nas corridas e controle rigoroso dos gastos, Dionez mostra como é possível faturar até R$ 10 mil mensais, mesmo diante de desafios como altas taxas, insegurança e a defasagem nas tarifas. Além das corridas por aplicativo, ele expandiu sua renda com corridas particulares e publicidade, impulsionado após um episódio marcante envolvendo um acidente com o ator da Globo. Com lições práticas, Dionez reforça que, apesar das dificuldades, ainda vale a pena ser motorista — desde que com planejamento, estudo e muita persistência.
Há quanto tempo você é motorista de aplicativo e o que te levou a começar nessa atividade?
Dionez: Comecei a trabalhar como motorista de aplicativo em maio de 2023. Então, estou indo para dois anos de profissão. Antes, eu atuava na área digital, mas as coisas não estavam fluindo bem. Decidi, junto com minha esposa, financiar um carro — achamos mais vantajoso do que alugar, já que, no final, o carro seria nosso. Assim, migrei para o trabalho como motorista de aplicativo.
Como é sua rotina como motorista? De que horas a que horas você trabalha? Você segue alguma meta?
Dionez: Trabalho cinco dias na semana e procuro folgar dois dias, dependendo dos compromissos. Tenho uma meta diária: enquanto não bato essa meta, não volto para casa. Trabalho com resiliência e foco, mesmo nos dias difíceis.
A carga horária varia entre 8, 10 ou até 12 horas por dia, dependendo da demanda. Em geral, começo entre 15h e 16h e vou até bater a meta. Se ainda estiver bem disposto, estico um pouco mais.
Qual é a sua meta diária de faturamento?
Dionez: Minha meta diária é R$ 500. A gente até brinca: “Enquanto não faz a quina, não volta para casa”. Claro que há dias difíceis em que não conseguimos bater a meta — acontece. Mas, de modo geral, trabalho focado nesse objetivo.
Os melhores dias para trabalhar aqui no Rio de Janeiro são de quinta-feira a domingo. Segunda-feira também costuma ser boa pela manhã, mas meu melhor desempenho é de tarde para a noite.
Você é seletivo nas corridas que aceita?
Dionez: Sim, sou muito seletivo. Não tem como aceitar todas as corridas hoje em dia, especialmente com as tarifas tão defasadas da Uber. Aqui no Rio de Janeiro, se você ficar preocupado com taxa de cancelamento para tentar subir de nível (Platina, Diamante), esquece — é inviável.
Recebo propostas absurdas: às vezes, são 7 a 10 minutos para buscar, 20 minutos de corrida, e o valor final é R$ 22 ou R$ 25. Não compensa.
Eu foco na relação valor da corrida vs. tempo de viagem, não tanto no quilômetro rodado. A corrida tem que valer bem mais que o tempo que vou gastar, incluindo deslocamento para buscar e levar o passageiro.
Você sabe quanto a Uber desconta das suas corridas?
Dionez: É quase uma sociedade. Em uma corrida de R$ 40, por exemplo, eles ficam com R$ 20 ou até mais. Acho um absurdo, porque somos nós que colocamos o carro, o combustível, o tempo e ainda nos expomos.
Acredito que deveria haver algum movimento para melhorar esses repasses, pois essa é uma reclamação geral entre os motoristas.
Com essa meta de R$ 500 por dia, qual é o seu faturamento mensal?
Dionez: Trabalhando dessa forma, o objetivo seria chegar a uns R$ 10.000 por mês.
Mas é importante ser realista: nem todos os dias conseguimos bater a meta. Tem dias ruins, que não rendem, e temos que aceitar, voltar para casa e tentar no dia seguinte. Não é todo dia que se alcança o objetivo.
Qual o melhor e o pior tipo de corrida para você: curtas ou longas?
Dionez: Trabalho nas categorias Comfort e Black. Quando surgem boas oportunidades de corridas longas pagando bem, eu aceito. Não tenho problema em fazer tirões.
Porém, durante o horário de dinâmica, prefiro focar nas corridas curtas para aproveitar melhor o multiplicador da tarifa. Também prefiro as curtas em horários de trânsito pesado, para não ficar preso nos engarrafamentos.
Para ter bom desempenho, é fundamental trabalhar com estratégia: posicionamento, análise de valor da corrida, previsão de trânsito e escolha da região.
Quanto você gasta de combustível por dia?
Dionez: Meu carro é um Nissan Kicks, e eu optei por não instalar GNV. Prefiro rodar apenas na gasolina, principalmente porque já vi alguns amigos tendo problemas com GNV, apesar de outros não terem.
O gasto diário varia: em dias normais, gasto cerca de R$ 100; nos finais de semana, quando estico mais para fazer a “quina”, gasto entre R$ 100 e R$ 150.
Por isso, ser seletivo nas corridas é essencial. Não dá para rodar sem critério, senão o lucro desaparece. Tem muita corrida com valor muito baixo — às vezes R$ 6,99 — o que é inviável. A corrida mínima deveria ser de pelo menos R$ 10.
Você sente que os ganhos mudaram desde que começou?
Dionez: Sim. A Uber oscila bastante no valor das corridas: às vezes mantém o valor, outras vezes diminui. Enquanto isso, os custos para nós só aumentaram: combustível, manutenção, tudo. Mas o valor repassado para o motorista não acompanha essa alta.
Além disso, a segurança piorou. Hoje, temos que fazer reconhecimento facial para iniciar o app, mas o passageiro não precisa — o que eu acho que deveria mudar. Se o passageiro também precisasse registrar o rosto, daria muito mais segurança para nós, motoristas.
Quantos por cento do seu faturamento vira lucro real?
Dionez: Com a meta de R$ 500 por dia, gasto entre R$ 100 e R$ 150 com combustível. Isso deixa um lucro líquido entre R$ 300 e R$ 350 por dia.
Para manter a saúde financeira, é essencial fazer uma gestão rigorosa do dinheiro: separar uma parte para manutenção, depreciação do carro e emergências. Quem não organiza suas finanças acaba sempre endividado e sem reservas.
Qual a maior dificuldade para o motorista de aplicativo hoje?
Dionez: As maiores dificuldades são:
- Altas taxas cobradas pelas plataformas;
- Falta de segurança;
- Dinâmicas falsas (falsos aumentos de tarifa).
Hoje, considero indispensável ter uma câmera veicular. Se não for possível comprar uma, pelo menos usar o celular com aplicativos de gravação como o Stop Clube. Isso protege o motorista de acusações injustas — especialmente em casos de denúncias de assédio, que, infelizmente, podem ocorrer.
Na Uber, se o passageiro reclama, a palavra dele vale mais do que a nossa. Por isso, a gravação é fundamental para nossa defesa.
Ainda vale a pena ser motorista de aplicativo em 2025? Que dicas você daria para quem está começando?
Dionez: Sim, ainda vale a pena. Mas não é fácil. Exige resiliência, foco e disciplina financeira.
Minha dica para quem está começando é:
- Busque informação: assista vídeos no YouTube, aprenda com quem já tem experiência.
- Adapte o que aprende à sua realidade: cada cidade, bairro e horário tem uma dinâmica diferente.
- Planeje seus deslocamentos: não adianta ir para áreas erradas em horários sem demanda.
- Faça gestão financeira: controle cada real que entra e sai para construir reserva para manutenção e emergências.
Foi assim que eu comecei: pesquisando, aprendendo e ajustando tudo conforme minha realidade no Rio de Janeiro — e isso fez toda a diferença.
Quantos quilômetros você roda por dia?
Dionez: Rodo entre 280 a 300 km por dia para conseguir bater a meta de R$ 500. Às vezes, rodo um pouco mais, se a demanda estiver boa e valer a pena.
Você roda em quais categorias?
Dionez: Atualmente rodo nas categorias Comfort e Black com meu Nissan Kicks. Antes, trabalhava no X e Comfort.
Em 2023, tive um acidente aqui no Rio de Janeiro envolvendo o ator Kayky Brito, o que acabou danificando meu carro. Foi uma fase difícil, mas, graças a Deus, superei. Com a comoção nacional que houve, muitas pessoas me ajudaram, e consegui trocar de carro, migrando de vez para o Comfort e Black.
Desde então, além das corridas nos aplicativos, também faço corridas particulares e alguns trabalhos de publicidade no Instagram, que cresceu após o episódio. Foi uma situação difícil, mas que acabou trazendo novos caminhos.
Atualmente você trabalha com quais aplicativos?
Dionez: Hoje rodo exclusivamente pela Uber. Antes, eu trabalhava também com a 99 e a inDrive.
Após o acidente, fui bloqueado temporariamente pelas duas plataformas. A Uber me desbloqueou em dois dias, após a apuração dos fatos. Já a 99 me bloqueou injustamente por quase 10 dias, mesmo não sendo corrida deles — só me desbloquearam depois de pressão nas redes sociais e contato de políticos.
Desde então, decidi não rodar mais pela 99. Também não me adaptei à InDrive, que considero menos segura.
Além das corridas de aplicativo, faço corridas particulares, principalmente para turistas que me conhecem pelo Instagram. Isso tem complementado bem minha renda.
Essas corridas particulares representam uma parte importante da sua renda?
Dionez: Sim, representam bastante. Por isso, hoje nem sempre preciso trabalhar cinco dias por semana — às vezes trabalho menos, graças aos particulares.
Ainda sinto certo trauma ao dirigir, por causa do acidente, mas sigo lutando. Quando passo por calçadas ou locais movimentados, bate um receio, mas com fé em Deus estou superando isso.
Gostaria de acrescentar algo mais?
Dionez: Gostaria de reforçar que as condições para motoristas precisam melhorar. As taxas que a Uber repassa hoje são insustentáveis. A corrida mínima deveria ser de pelo menos R$ 10, e a segurança também precisa ser reforçada — inclusive com medidas como reconhecimento facial para passageiros.
Hoje somos obrigados a ser muito seletivos nas corridas para não pagar para trabalhar. Somos nós que arcamos com todos os custos: carro, manutenção, combustível. As plataformas precisam pensar em soluções mais justas.
Você teria algum conselho para quem está começando no aplicativo?
Dionez: Sim. Para quem quer começar, aqui vão algumas dicas:
- Desative o pagamento em dinheiro no começo, trabalhando apenas com cartão para pegar passageiros mais confiáveis.
- Comece rodando em regiões que você conhece, para evitar se expor a riscos desnecessários.
- Estude o mercado: veja vídeos no YouTube de motoristas experientes e adapte as dicas para sua realidade.
- Teste antes de investir: alugue um carro por uma semana antes de comprar, para ver se você realmente gosta do trabalho.
- Tenha gestão financeira: controle seus ganhos e gastos para evitar endividamento e garantir reserva para emergências.
Com disciplina, planejamento e inteligência, é possível sim ter bons resultados trabalhando como motorista de aplicativo.