Exclusivo: diretor da 99 diz que menos de 3% dos motoristas sofreram restrições: “São responsáveis por mais de 20% dos cancelamentos de corridas”

Diretor da 99 explica: “Quando aplicamos as restrições, motoristas com taxa de cancelamento aceitável têm maior ocupação e recebem mais corridas."

Homem jovem de cabelo curto, usando terno azul-marinho e camisa social branca, sorrindo em um ambiente externo com árvores e um prédio ao fundo.
Foto: Igor Soares para 55content

Nos últimos dias, motoristas da 99 relataram surpresas com suspensões aplicadas pela plataforma, levantando dúvidas sobre a transparência do processo. 

Para esclarecer a situação, conversamos com Igor Soares, diretor de operações da 99, que explicou as diferenças entre bloqueios e restrições, os critérios usados na aplicação dessas medidas e como a empresa tem trabalhado para manter o equilíbrio entre a segurança dos passageiros e a justiça com os motoristas. 

Nesta entrevista, Igor detalha o funcionamento do sistema, os prazos de notificação e as oportunidades de defesa disponíveis para os condutores.

Na última semana vimos que muitos motoristas enfrentaram uma suspensão e alegaram que foram pegos de surpresa. Gostaria de entender melhor como isso aconteceu. Houve algum aviso prévio? Como essa decisão de aplicar a restrição foi tomada?

Igor:  Primeiro, obrigado pela entrevista e pela pergunta. Vou tentar te dar um pouco do histórico e, se faltar alguma informação, fique à vontade para me interromper.

Primeiramente, você já definiu bem, mas é importante reforçar uma diferença que costuma gerar confusão: a distinção entre restrições e bloqueios.

Os bloqueios geralmente são aplicados em casos de segurança ou fraude. Quando isso acontece, o motorista não pode mais usar a plataforma, mas ainda tem acesso a um portal onde pode recorrer da decisão, apresentando evidências contrárias.

Por outro lado, as restrições são suspensões temporárias, aplicadas em casos de mau uso da plataforma. Isso acontece porque, apesar de existirem vários comportamentos permitidos, o uso excessivo de certas práticas pode prejudicar o ecossistema como um todo.

Por exemplo, o motorista pode aceitar ou recusar uma corrida quando ela aparece. A 99 sempre foi transparente, fornecendo todas as informações necessárias sobre a corrida, justamente para ajudar o motorista a tomar uma decisão consciente.

Depois que o motorista aceita uma corrida, entendemos que ele assumiu um compromisso com o passageiro. Esse compromisso só pode ser cancelado em situações realmente extraordinárias, como questões de segurança. No entanto, muitos cancelamentos acabam acontecendo por desatenção ao aceitar a corrida ou por arrependimento depois de ter assumido o compromisso.

Por isso, controlamos o excesso de cancelamentos.

Essa restrição é uma novidade recente?

Igor: Na verdade, não. A Juliana [assessora de imprensa da 99] já deve até estar cansada de me ouvir falar sobre isso (risos). Já discutimos muito esse assunto, fizemos vários testes e experimentos em diversas cidades. Nacionalmente, o sistema está em funcionamento desde setembro.

Como funciona essa restrição, exatamente?

Igor: No último dia de cada mês, o sistema calcula a nota de completude, ou seja, a taxa de finalização (TF). Isso corresponde ao número de corridas aceitas que realmente foram concluídas. Corridas não aceitas não entram nessa conta.

O motorista pode cancelar até 3 em cada 10 corridas aceitas. Analisando os dados, percebemos que a maioria dos cancelamentos por motivos legítimos — como segurança — permanece constante e, geralmente, abaixo dos 30%. Portanto, essa margem já contempla esses casos ordinários.

E como funciona o processo de notificação? O motorista é avisado quando está perto de atingir o limite?

Igor: Sim. No último dia do mês, fechamos a taxa de finalização. Se o motorista ficou abaixo de 70%, enviamos uma notificação por diversos canais, avisando que ele precisa melhorar sua taxa.

Além disso, o motorista tem metade do mês seguinte para se recuperar e ajustar sua TF. A restrição não é aplicada de imediato — ele ainda tem duas semanas para reverter a situação.

Então, se ele trabalha de janeiro a fevereiro, vocês avaliam o desempenho de janeiro e avisam em fevereiro?

Igor: Exatamente. Usando seu exemplo: no último dia de janeiro, caso a taxa de finalização esteja abaixo de 70%, notificamos o motorista. Ele então tem até metade de fevereiro para melhorar essa taxa.

Se ele não conseguir, aplicamos a restrição no meio de fevereiro, com base nos dados de janeiro. A regra é progressiva: na primeira vez, a suspensão dura 5 dias; se o problema persistir no mês seguinte, aumenta para 10 dias; e, no terceiro mês consecutivo, vai para 15 dias. Depois, o ciclo reinicia.

Mesmo após a restrição, o motorista pode retornar à plataforma e melhorar sua taxa. Ele ainda terá o restante do mês e mais 15 dias do mês seguinte para se recuperar.

Durante as corridas, o motorista recebe algum aviso quando está perto de atingir o limite de cancelamentos?

Igor: Sim. Quando o motorista está prestes a cancelar uma corrida e sua taxa já está, por exemplo, em 69%, ele recebe uma notificação perguntando: “Tem certeza de que quer cancelar? Sua TF já está abaixo do limite.”

Se for necessário cancelar, ele pode compensar concluindo outras corridas, pois o cálculo é feito com base na média do mês, o que torna a métrica mais estável.

Como essa métrica se compara à de outras plataformas?

Igor: A concorrência costuma usar métricas baseadas em um número muito pequeno de corridas, o que gera grande variação nos resultados. No nosso caso, como analisamos o mês inteiro, o comportamento é mais consistente.

Além disso, apenas menos de 3% dos motoristas são afetados por essas restrições mensalmente, mas esses motoristas são responsáveis por mais de 20% dos cancelamentos da plataforma. Ou seja, são casos de motoristas que cancelam muito mais do que realizam corridas.

Entendi. Isso pode gerar medo em motoristas que não receberam a notificação?

Igor: Pode ser que sim, especialmente entre aqueles que não receberam as notificações — o que, na verdade, significa que estão indo bem. O ponto principal é deixar claro que essa medida atinge uma minoria extrema, que faz mau uso excessivo do cancelamento.

Muitos motoristas com quem conversei disseram que cancelam as corridas, certo? Mas eles alegam que o tempo que o aplicativo da 99 oferece para visualizar as informações da corrida é muito curto. Gostaria de saber qual é, em média, o tempo que o motorista tem para ver o local onde o passageiro está e o destino da corrida.

Igor: São 15 segundos. A gente testa bastante isso. Realizamos testes diretamente nas ruas e também em laboratório, usando equipamentos que monitoram onde o olhar do motorista está focado no aplicativo. E, segundo nossas análises, o tempo oferecido é suficiente.

No passado, o que acontecia com frequência era o seguinte: para não perder a oportunidade da corrida e ter tempo de analisar os detalhes, muitos motoristas aceitavam rapidamente e depois cancelavam. Em alguns casos, o passageiro via no aplicativo que o motorista estava parado, o que gerava desconfiança e levava o próprio passageiro a cancelar a corrida, pensando: “O motorista não está vindo na minha direção, então vou cancelar.”

Isso acabava gerando uma série de problemas. Percebemos que, quando há um número excessivo de cancelamentos, isso tira oportunidades de outros motoristas.

Nos períodos em que aplicamos restrições, observamos nos dados que os motoristas que permanecem ativos na plataforma e mantêm uma taxa de cancelamento aceitável acabam com uma taxa de ocupação mais alta. Ou seja, eles recebem mais corridas, justamente por estarem em conformidade com a política da plataforma.

Isso gera uma melhoria para os motoristas que sabem usar a estratégia de aceitação e cancelamento corretamente. Afinal, essa estratégia é totalmente aberta: os motoristas têm a liberdade de aceitar ou não as corridas.

No fim das contas, o mecanismo acaba focando apenas em casos extremos, e a grande maioria dos motoristas não sofre nenhum impacto.

Você teria algum número de quantos motoristas sofreram essa restrição?

Igor: Eu não posso divulgar o número absoluto por questões competitivas. Se eu fornecesse esse dado, a concorrência poderia fazer alguns cálculos e descobrir informações internas.

O que posso dizer é que cerca de 3% da base de motoristas são afetados. Apesar de ser uma base considerável, esse percentual é realmente pequeno.

Acho que é importante reforçar a diferença entre bloqueio e restrição. Sobre os bloqueios, existe uma segunda chance para motoristas bloqueados? A 99 realiza algum tipo de verificação nesses casos?

Igor: Sim, realizamos um processo de apelação para a maioria dos casos de bloqueio. Existem diferentes tipos de bloqueios e, na maioria das situações, o motorista pode recorrer.

No entanto, em casos mais graves — como denúncias de assédio sexual ou outras situações com evidências muito claras —, o retorno à plataforma não é permitido. Para os demais casos, existe o Portal de Apelação, onde o motorista pode apresentar evidências de que não cometeu nenhuma infração.

Às vezes, pode ocorrer um engano, como o sistema identificar uma tentativa de conexão com outro celular como fraude. Nesses casos, o motorista pode apresentar sua defesa e o caso será reavaliado.

Em situações menos graves, permitimos que o motorista assine um termo circunstanciado, comprometendo-se a não repetir o comportamento. Após isso, ele pode voltar a usar a plataforma — e esse compromisso tem validade jurídica.

Caso o motorista reincida após essa segunda chance, o bloqueio se torna definitivo, e ele não poderá mais retornar à plataforma. Mas, felizmente, esses casos são exceções e geralmente envolvem fraudes ou comportamentos que representam riscos graves de segurança.

Sobre esses casos que você falou, sobre suspeita de fraude, como, por exemplo, o motorista ter conectado sem querer no celular de alguém, é feito algum tipo de bloqueio preventivo?

Igor: Olha, para fraude, depende. Em geral, fraude é um bloqueio definitivo, mas com possibilidade de apelação.

Temos algumas situações específicas que exigem uma investigação. Quando não temos todas as informações e o caso possui um potencial danoso alto, realizamos um bloqueio temporário para investigar. Esse bloqueio fica ativo até confirmarmos se a responsabilidade foi do motorista, do passageiro ou de quem foi denunciado.

Assim que finalizamos a investigação e, se não houver indícios suficientes, o bloqueio é retirado. Esse é o único momento em que um bloqueio temporário pode ser aplicado — durante o processo de investigação.

Além disso, realizamos uma investigação interna, mas também acessamos dados de investigações policiais quando necessário. É um processo robusto, que já utilizamos há muitos anos.

Entendi. E no caso de motoristas que alegam terem sido bloqueados após discussões com passageiros? Como funciona a verificação desses casos? Existe uma espécie de auditoria para confirmar os dados?

Igor: Sim, temos diferentes situações. Algumas delas são bem recorrentes.

Sendo muito sincero, quando recebemos reclamações do tipo “briguei com um passageiro e fui bloqueado”, geralmente, ao analisarmos o histórico, percebemos que o motorista teve problemas semelhantes com vários passageiros. Ou seja, a decisão de bloqueio acontece quando identificamos um comportamento consistente de conflitos recorrentes.

Com uma única reclamação, não realizamos bloqueio. Trabalhamos com um sistema de regras cumulativas, a menos que existam provas contundentes. Por exemplo, se o passageiro tiver um vídeo comprovando uma má conduta do motorista, o bloqueio pode ser imediato.

Agora, se não há evidências claras de nenhum dos lados, trabalhamos com o princípio da presunção de inocência e não aplicamos o bloqueio. Entretanto, se as denúncias se tornarem frequentes, atuamos preventivamente para garantir a segurança da plataforma.

E de quanto em quanto tempo um motorista pode recorrer de um bloqueio? Quanto tempo leva, em média, para a 99 realizar essa verificação dos fatos?

Igor: Sinceramente, não tenho um número exato de cabeça, pois há uma variabilidade relativamente alta.

Existem casos simples, que conseguimos resolver rapidamente, usando dados de GPS, por exemplo — monitoramos todas as corridas. Também temos situações em que o motorista grava o áudio da corrida e nos envia, o que ajuda a acelerar a investigação.

Em outras situações, o processo pode levar alguns dias, principalmente se for necessário acessar um boletim de ocorrência ou verificar se há um inquérito policial em andamento.

Portanto, não dá para determinar um prazo exato — como dois ou três dias, por exemplo.

O que posso garantir é que temos uma equipe grande e muito bem treinada, especializada em segurança, separada da equipe responsável pela experiência do usuário. Essa equipe realiza acolhimento, investigações e segue os padrões globais de segurança, com um SLA (acordo de nível de serviço) bastante eficiente. Nossas investigações costumam ser rápidas.

Igor, acho que era isso. Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Igor: Acho que, para finalizar, é importante fazer um resumo, já que falamos de muita coisa.

Esse processo começou no ano passado e foi amplamente comunicado. A própria Ju, que é responsável pelo relacionamento com vários canais de motoristas, intermediou muitas conversas, inclusive comigo, diretamente com os motoristas.

Explicamos o processo, ouvimos os motoristas, entendemos os motivos por trás dos cancelamentos e tivemos muito cuidado ao desenvolver essa estratégia, para que não fosse injusta.

Hoje, quando olhamos os números, vemos que tudo faz muito sentido. Conseguimos reduzir drasticamente a quantidade de cancelamentos por parte dos motoristas e, ao mesmo tempo, aumentamos a ocupação dos motoristas que estão realmente comprometidos com as corridas que aceitam.

No final das contas, o sistema beneficia tanto o passageiro quanto o motorista, além de melhorar a eficiência geral do ecossistema.

Gostaria de reforçar que não foi uma decisão arbitrária. Passamos praticamente o ano inteiro fazendo testes, entrevistas e indo a campo, colocando-nos no lugar dos motoristas — até dirigimos como motoristas parceiros para testar a experiência.

Hoje, podemos dizer que a maioria dos motoristas se comporta muito bem. Felizmente, os casos de bloqueio e restrição atingem apenas uma minoria, e a grande maioria não enfrenta nenhum problema.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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