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Uber vai sair do Brasil?: “Na pior crise econômica da história, empresa prosperou aqui”

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Reportagem
Apuração aprofundada sobre um tema específico, com múltiplas fontes e contextualização completa.
Imagem dividida em duas partes. À esquerda, a bandeira do Brasil com as cores verde, amarelo, azul e branco, com o lema "Ordem e Progresso" no centro. À direita, a mão de uma pessoa segurando um smartphone que exibe a tela de inicialização do aplicativo Uber, com o logotipo da empresa em destaque.
Foto: Reprodução/ Captura de tela

Não, não há nenhum indício de que a Uber vai sair do Brasil. Apesar dos boatos gerados por debates sobre regulamentação, a informação é negada pela própria empresa, que afirma que o Brasil é seu segundo maior mercado no mundo.

Com todos os boatos de saída da Uber do Brasil após o início da regulamentação dos motoristas de aplicativo, surgem hipóteses de qual será o futuro da mobilidade urbana no país.

Sendo assim, a empresa, que já deixou outros territórios pelo mundo, é citada novamente, após o Projeto de Lei 12/2024.

Insegurança jurídica, impostos, regulamentações e impasses podem ser motivo do aplicativo deixar a sua operação no Brasil?

Para isso, buscamos especialistas no assunto para debater e imaginar possíveis cenários. 

Não tem Uber?

A Uber atua em mais de 10 mil cidades em todo o mundo, estando presente em mais de 70 países. Mesmo com uma operação global, há territórios em que a empresa nem sempre é bem vinda. Na Itália, por exemplo, o serviço foi bloqueado de fazer propaganda.

Na Dinamarca, em 2017, a Uber tinha 2 mil motoristas. No entanto, em março daquele ano, uma nova lei de táxis foi implementada, obrigando os carros ligados à plataforma a utilizarem um taxímetro e sensores de ocupação, o que fez com que o aplicativo deixasse o país.

De maneira similar, na Hungria, uma decisão comparável foi adotada em 2016. Na época, os taxistas protestaram contra a empresa, acusando-a de burlar as regras definidas pelo governo. Após a pressão, o governo húngaro aprovou o bloqueio do app.

Devido a dívidas de milhões de dólares em multas governamentais, os serviços da Uber também foram suspensos em Taiwan. A empresa firmou um acordo para utilizar sua marca em locadoras de veículos, mas o serviço permanece limitado.

Fatores legais e regulamentação

Rafael Duarte é advogado do direito trabalhista, e explica que na maioria das vezes, o que estimula a saída de uma companhia do país é a insegurança jurídica, quando não conseguem suportar padrões mantidos anteriormente. “Se o Brasil criar regulamentações ou aprovar leis que onerem a plataforma, a tendência é que a empresa faça um balanço e avalie se é ainda viável economicamente operar no país”.

Sobre a regulamentação, o advogado desenvolve que se for aceita: “Será catastrófica”, na qual o motorista passará a ter jornada limitada a 12hs de trabalho, recolhimento obrigatório de  INSS, dentre outros: “A decisão da Uber de eventualmente deixar o país não teria nenhuma correlação com esta regulamentação proposta pelo atual governo”.

Quais são os direitos dos motoristas de aplicativos caso a Uber decida sair do Brasil? 

“Quando se fala em direitos dos motoristas é bom deixar claro que a justiça do trabalho ainda não é uníssona quanto a existência de vínculo de emprego. Por certo, é que o STF já resolveu entre si que entre motorista e Uber não há vínculo de emprego. Por isso, tem sido comum o STF cassar eventuais vínculos de empregos reconhecidos na seara trabalhista”.

Rafael ainda conta que o que existe é um contrato de parceria, de natureza civil comercial. E que em contratos desta natureza normalmente consta uma cláusula de aviso-prévio em que a parte que deseja romper o contrato deve denunciar com antecedência mínima de 30 dias, sob pena de indenizar o outro contratante. 

“Logo, se a Uber sair do Brasil essa decisão será comunicada ao motorista parceiro. Destaco que falo em linhas gerais, pois para uma análise mais específica seria necessário que eu avaliasse as cláusulas do contrato”.

Ainda nesse sentido, questionamos quais caminhos jurídicos os motoristas cadastrados na plataforma poderiam tomar. O advogado trabalhista explica que juridicamente não há nada que impeça uma empresa de encerrar as suas operações no país. 

Mas pondera que é necessário investigar se no contrato entre a Uber e o motorista parceiro existe estipulada alguma cláusula indenizatória prevendo que caso a empresa decida se retirar do Brasil o motorista teria direito de ser indenizado.  

“Não vislumbro, juridicamente, uma possibilidade do motorista pleitear na justiça  “lucros cessantes” ou “perdas e danos”, uma vez que são parceiros porquanto perdurar a relação. A empresa, por sua vez, não reclama na Justiça quando o  parceiro decide deixar de lhe prestar serviços”, completa Duarte.

No âmbito de quais implicações legais a saída da Uber teria para a concorrência no mercado de transporte brasileiro, ele finaliza explicando que teríamos: “Desemprego, queda de arrecadação de impostos e o monopólio novamente dos táxis, o que gera uma piora na qualidade de serviços prestados e alta da tarifação do transporte”.

Mercado consolidado: setor da mobilidade urbana

Diego Benegas analisa o setor de mobilidade urbana e desenvolveu uma tese de mestrado sobre a precarização do trabalho de motoristas e entregadores por plataformas. Pensando nisso, o especialista considera que os boatos sobre a saída da Uber do Brasil surgem periodicamente, e muitas vezes alimentados por mudanças nas políticas da empresa, desafios regulatórios, ou notícias econômicas. 

“As especulações sobre a saída da Uber do Brasil, ao meu ver, não procedem, pois o mercado brasileiro é altamente lucrativo para a Uber e a empresa frequentemente ajusta suas estratégias de negócios”.

Ele conta que a Uber tem um histórico de ajustar suas operações com base em condições de mercado e regulamentações: “A imprensa e as redes sociais têm o poder de amplificar rumores e especulações, o que ao meu ver não reflete a realidade dos planos da empresa”.

Benegas cita o caso conhecido como o da Dinamarca, e completa: “Outras plataformas de transporte, como 99 e empresas locais de transporte por aplicativo, podem aproveitar a saída da Uber para expandir suas operações e ganhar uma maior fatia de mercado. O natural seria que a saída da Uber levaria motoristas a buscar oportunidades e a grande beneficiada seria a 99. O mercado de transporte por plataforma é consolidado”.

Mercado financeiro

Diante de tantas hipóteses analisadas, surge o questionamento em relação ao mercado financeiro e seus desdobramentos diante dos boatos da saída da Uber do território brasileiro. Para isso, Renan Pieri, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), conversou com o 55content e desenvolveu teorias.

A instabilidade econômica do Brasil pode influenciar a saída da Uber? 

“Acho difícil, o Brasil tem problemas estruturais, principalmente com relação ao déficit fiscal. Por conta do déficit fiscal, há uma necessidade de aumentar impostos, cortar gastos públicos, mas tem uma agenda de aumento de impostos. E essa dificuldade de fazer essa reforma fiscal tem levado a uma oscilação do dólar e a empresa é americana, sendo impactada por essas oscilações”.

Ele adiciona que, sim, isso é algo negativo para a empresa. Mas não acredita que a economia brasileira esteja tão instável a ponto de expulsar a empresa: “Pelo contrário. Quando a Uber entrou no Brasil, a economia brasileira era muito mais instável, e estava na sua pior crise econômica da história, 2015-2016, e a empresa prosperou aqui”.

Renan adiciona que a curto prazo a saída da Uber pode dificultar o cenário de transporte por aplicativo no Brasil: “Ainda que seja um meio de locomoção elitizado”. E mesmo assim, o economista não acredita no fim dessa operação: “Me parece bastante improvável que a Uber saia do Brasil, dada a forte adesão do mercado brasileiro aos serviços da empresa e a relevância econômica do país para o negócio da Uber”.

Novas opções

Caroline Lima é estudante de medicina, e conta que a saída do aplicativo não afetaria a sua rotina diária: “Uso o aplicativo da Uber somente quando saio para festas ou eventos. Usaria outros meios de locomoção, como transporte público, táxi ou ia dirigindo dependendo do lugar. A 99 poderia ser a nova Uber”.

A estudante acredita que a saída da Uber do Brasil afetaria o transporte de muitas pessoas que utilizam a plataforma diariamente: “Mas acredito que não vai acontecer, pelo menos não tão cedo”.

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