Carina Trindade, presidente do Simtrapli RS, afirma que prefeituras criam regulamentações inconstitucionais sem consultar os motoristas de app.
A popularização dos aplicativos de transporte, como Uber, 99 e inDrive, em cidades em todo o Brasil têm enfrentado o desafio de criar regulamentações que garantam a segurança, a legalidade e o funcionamento eficaz desses serviços.
As normas podem variar amplamente de uma cidade para outra, refletindo as necessidades e preocupações locais. Sabemos que a PLP 12/2024 discutida esse ano é em âmbito nacional, mas quais medidas cada município têm tomado sobre suas próprias regulamentações?
Casos de estudo
Eduardo Lima de Souza, o Duda, presidente da Associação de Motoristas de Aplicativo do Estado de São Paulo (AMASP), conversou com o 55Content, e contou que os motoristas não se sentem seguros: “As regulamentações não garantem segurança para o motorista. Em São José dos Campos, há uma lei que obriga as empresas a utilizarem a selfie do passageiro no momento da solicitação do veículo. Essa selfie é a única ferramenta plausível para garantir a segurança do motorista, pois confirma a identidade do passageiro e previne que criminosos usem contas de terceiros. No entanto, as empresas não respeitam essa lei, o que compromete a segurança dos motoristas”.
Sobre a questão de regulamentação municipal, Duda exemplifica: “Em Bragança Paulista, por exemplo, o prefeito ameaçou apreender veículos porque, apesar de os motoristas estarem cadastrados corretamente, as empresas não estavam regularizadas no município. Isso deixa os motoristas em uma situação de ilegalidade. A punição dos motoristas por erros das empresas não faz sentido, e é responsabilidade da prefeitura tomar medidas legais contra as empresas, como processos ou audiências públicas”.
Carina Trindade, representante do Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros do Rio Grande do Sul (Simtrapli RS), conta seu relato diante das regulamentações: “Infelizmente as prefeituras de um modo geral criam regulamentações sem convocar a categoria, sem chamar as entidades representativas e acaba que as regulamentações são na maioria das vezes inconstitucionais. Hoje estamos atentos a todos municípios para que se houver debate do tema, nós do sindicato estaremos lá, para chamar os trabalhadores para a discussão”.
Paulo Xavier, presidente da Frente de Apoio Nacional ao Motorista Autônomo, em MG, e presidente da Federação dos motoristas por aplicativos do Brasil, explica os desafios da regulamentação: “ A principal dificuldade é quando a prefeitura insiste em criar leis de forma a proibir ou limitar a nossa atividade”. Paulo conta que algumas prefeituras criam taxas até mesmo de cadastro e vistoria com intuito arrecadatório: “As prefeituras não podem proibir o funcionamento da operação e transporte por aplicativos”.
Para Leandro Cruz, do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte Terrestre de SP, os principais desafios enfrentados pelos motoristas em relação às orientações municipais incluem a falta de consulta aos representantes da categoria durante a criação das regulamentações. “Muitas vezes a regulamentação é feita com os parlamentares, sem ouvir os trabalhadores”.
Municípios brasileiros
A Prefeitura de Guarulhos, município paulista, esclareceu em nota que está trabalhando para regulamentar o serviço de transporte por aplicativo no município.
Desde 3 de julho de 2019, em São João da Boa Vista (SP), a Lei Municipal nº 4.508 estabelece diretrizes para a operação desse serviço: “ Para os motoristas, é essencial possuir CNH definitiva na categoria B ou superior, com autorização para atividade remunerada, certidão negativa de antecedentes criminais, foto recente, comprovante de domicílio na cidade, Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV). Além de diversos certificados de capacitação e seguros obrigatórios. Já as empresas devem estar legalmente constituídas, ter inscrição regular no CNPJ, comprovar regularidade fiscal, garantir a contratação apenas de motoristas autorizados pela prefeitura, entre outros requisitos”, declara o município em seu site.
Já no Poder Legislativo de Marechal Cândido Rondon, Paraná, há uma proposta de regulamentação do uso de identificação dos carros que fazem transporte remunerado de passageiros mediante chamada por aplicativos. Segundo o portal da própria prefeitura, o Projeto de Lei 2/2024, inclui no texto que: “Os motoristas da categoria ficam autorizados a prestar o serviço no município, podendo optar ou não pela instalação de identificação nos seus carros como “motorista de aplicativo”, ou personalizada conforme a plataforma de atuação. Esta identificação poderá ser removível ou não, a critério do motorista”.
Para a regulamentação municipal de São Paulo, a Uber alerta para os documentos necessários para ingressar na plataforma: “Para realizar viagens dentro do município de São Paulo, os motoristas parceiros precisarão obter: Cadastro Municipal de Condutores (CONDUAPP) e Certificado de Segurança dos Veículos de Aplicativo (CSVAPP).
A empresa ainda lembra que o motorista parceiro poderá dirigir nos demais municípios da região metropolitana de São Paulo normalmente.
Desafios para os Motoristas:
Marcelo Martins, de Belo Horizonte, é motorista de aplicativo há 8 anos na cidade e lamenta a situação de trabalho em sua região: “Aqui em BH não tem nenhuma regulamentação, estão aguardando a do Governo Federal. As condições de trabalho estão precárias, porque a inDrive, a 99 e a Uber, sem regulamentar, já estão aplicando as novas tarifas nas corridas”.
Volney Maciel, trabalha desde 2019 como motorista, com mais de 13 mil corridas na Uber, e explica que não há regulamentação em Curitiba, mas há um excesso de multas para os motoristas. “Há muitos radares na cidade, exageradamente, com velocidades urbanas que variam entre 40 e 70 km/h. Também, há excesso de fiscalização/multas, por exemplo, na rodoferroviária, que tem um movimento intenso, mas sem local específico para motoristas de aplicativos embarcarem/desembarcarem passageiros, sendo essa facilidade reservada apenas para os taxistas. E dá-lhe multas”, lamenta Volney.
Desafios jurídicos
Segundo a advogada, Sol Correa, os municípios regulamentam as características dos veículos, porque isso envolve questões regionais. “Só que muitos municípios, quando receberam a informação de que iriam regulamentar, resolveram regulamentar coisas que não diziam só respeito ao veículo. Os municípios extrapolaram as suas competências”.
“Os municípios podem regulamentar, isso está previsto em lei, mas há limites para essa regulamentação. Toda vez que excedem o limite, cabe sim a discussão judicial e geralmente, em 90% dos casos, esses artigos absurdos das leis caem e o normativo continua sem aqueles artigos”, alerta a advogada.
Respostas dos Aplicativos
Buscamos os aplicativos de transporte para entender quais medidas estão sendo tomadas junto com os municípios brasileiros.
A inDrive afirma que opera em conformidade com as leis locais e incentiva os motoristas a seguir o mesmo caminho, através do compartilhamento de informações sobre regulamentações. “A empresa tem um departamento específico de Relações Governamentais, que mantém um contato próximo com os municípios para promover um ecossistema cada vez mais seguro e saudável para motoristas, empresas de transporte por app e a comunidade em si”.
Sérgio Brito é gestor do aplicativo Te Levo, que opera no interior de Minas Gerais, e conta que a regulamentação não está agradando os apps locais. “Não está sendo bom, porque a prefeitura está pegando muito no pé dos aplicativos locais. Mas eles não conseguem notificar e fiscalizar as multinacionais, tipo Uber, inDrive e 99. Então acaba os apps locais são fiscalizados, mas ao mesmo tempo tem os nossos concorrentes, as grande companhias, que não estão sendo regularizados da mesma forma. Aqui são dois pesos e duas medidas. Cobram imposto de uns e não cobram de outros. Então, a gente não está gostando, pelo fato de eles não estarem fiscalizando as multinacionais”.