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Uber do Japa: o gestor de RH que virou influenciador e ensina motoristas a cuidarem do dinheiro

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Motorista
Uber do Japa o gestor de RH que virou influenciador e ensina motoristas a cuidarem do dinheiro
Uber do Japa o gestor de RH que virou influenciador e ensina motoristas a cuidarem do dinheiro

Luis Hatada trabalhava no RH de uma empresa quando descobriu seu talento e gosto pela comunicação e decidiu se tornar motorista de aplicativo e, posteriormente, influenciador da categoria, conhecido como “Uber do Japa”. 

Sua paixão por números e finanças o levou a adotar uma abordagem diferente em seu canal no YouTube. Os vídeos do motorista misturam dicas práticas de como ser um motorista mais eficiente com conselhos sobre como gerir melhor o dinheiro ganho nas corridas.

Seu diferencial está em não apenas mostrar o caminho para ganhar mais, mas em como economizar, investir e planejar financeiramente a longo prazo.

Recentemente, Luis recebeu um convite da Sebrae para palestrar e produzir conteúdos sobre empreendedorismo, o que mostra que seu canal é um recurso valioso para aqueles que não desejam apenas melhorar como motoristas mas também como gestores de suas próprias vidas e finanças. 

Qual é a sua história, Luis?

Bom, eu tenho formação tanto em finanças quanto em gestão de pessoas. Sempre fui atraído por números e gestão, o que me levou a estudar finanças. Após concluir esse curso, trabalhei em Recursos Humanos (RH) em uma empresa. Durante esse período, percebi minha habilidade e interesse em comunicação, embora minha formação original fosse em finanças. No RH, lidava principalmente com questões financeiras, como departamento pessoal. Antes de me tornar influenciador ou motorista de aplicativo, meu objetivo era construir uma carreira em RH.

Enfrentei desafios típicos de RH, como descontentamento de funcionários e confusão sobre pagamentos. Eu era responsável por facilitar a comunicação entre a empresa e os funcionários. Embora houvesse promessas de um futuro em RH focado em treinamento, a crise econômica e cortes orçamentários afetaram essa possibilidade. Trabalhava em uma empresa de varejo com várias lojas, cada uma sob diferentes convenções sindicais, o que complicava as coisas.

Eventualmente, decidi deixar a empresa. Na época, tinha férias acumuladas que a empresa não poderia pagar de uma vez. Então, comecei a trabalhar como motorista de aplicativo durante minhas férias. Para isso, tive que comprar um carro que atendesse aos requisitos da Uber.

Eu tinha combinado com minha esposa de não gastar essa rescisão, tratando-a como uma reserva de emergência. Como já acompanhava vários canais de Uber no YouTube e ajudava conhecidos com dicas, senti que tinha facilidade nessa área. Após participar de um grande evento para motoristas em São Paulo, onde conheci vários YouTubers, comecei a cogitar criar meu canal.

Para entender melhor sobre o trabalho de motorista, busquei informações no YouTube. Na época, havia poucos vídeos sobre ganhos dos motoristas, diferente de hoje, onde os ganhos são abertamente postados. Inspirado, decidi que iria criar meu próprio canal para compartilhar experiências e ganhar dinheiro, sem precisar usar a rescisão que recebi da empresa anterior.

Qual foi o seu grande ponto de virada para se tornar o “Uber do Japa”? 

Um dia, enquanto trabalhava como motorista, peguei um passageiro no shopping de Mogi. Na época, eu ainda não atuava em São Paulo. Entre os passageiros estava um garoto de cerca de sete ou oito anos, acompanhado de sua mãe. Sentados atrás, o menino comentou com a mãe que minha voz parecia de um YouTuber. A mãe então me perguntou se eu fazia vídeos para o YouTube. Respondi que não, mas mencionei que tinha um projeto em mente para ajudar motoristas. Contei a eles sobre minha ideia.

O garoto insistiu, dizendo que eu parecia um YouTuber. Aquilo me fez pensar se eu realmente tinha aptidão para isso. Já tinha um projeto em mente, mas só comecei a levá-lo a sério alguns meses depois, quando reencontrei essa mãe. Ela se lembrou de mim e perguntou sobre o canal no YouTube que eu havia mencionado. Embora não tivesse começado ainda, ela me encorajou, dizendo que eu falava bem e deveria seguir em frente com a ideia.

Esse encontro foi um ponto de virada. Percebi que nunca estaríamos totalmente preparados para novos desafios; é preciso apenas começar. Assim, iniciei meu canal no YouTube. 

Comecei o canal em 4 de junho de 2019, com um vídeo sobre se vale a pena trabalhar na Uber, baseado em minha experiência de um ano e meio como motorista. Sem cursos de vídeo ou edição, aprendi tudo pesquisando no YouTube. 

O começo foi devagar, e então veio a pandemia, o que me forçou a ficar em casa sem poder trabalhar como motorista. Foi então que decidi focar em conteúdo relacionado a finanças e economia, temas relevantes durante a crise.

O que diferencia seu canal dos outros canais dos influenciadores?

Minha estratégia incluiu estudar sobre comunicação e YouTube. Sempre quis oferecer consultoria financeira, percebendo que muitos brasileiros, incluindo motoristas, têm dificuldades com economia e planejamento financeiro. Porém, como não tinha clientes, escritório, nem recursos financeiros, vi no YouTube e na pandemia uma oportunidade para alcançar um público, melhorar minha oratória e compartilhar conhecimentos. Hoje trago conhecimentos completos e auto-desenvolvimento para meu público.

Meu canal cresceu gradualmente. Não houve um aumento repentino de popularidade, mas o crescimento foi constante.Cada passageiro me trazia novas experiências, e eu aprendi a lidar com diferentes situações. Gravar minhas experiências e compartilhá-las se tornou uma forma de me conectar com outros motoristas, mostrando que eu compreendia suas dificuldades, como a necessidade de encontrar um banheiro ou o desejo de trabalhar mais apesar do cansaço físico.

Quais são os desafios de criar conteúdo para motoristas de aplicativo em um mercado saturado?

Sou um influenciador e motorista de aplicativo que passa muito tempo na rua, mais do que a maioria. Moro longe e começo meu dia cedo, como hoje, quando comecei às 4 da manhã e fiquei até 10:30 sem conseguir corridas para São Paulo. Mesmo assim, tentei aproveitar o tempo fazendo outras atividades. Depois de uma hora vazia, cheguei em São Paulo e fiz três boas corridas antes de parar para esta conversa.

Passo tanto tempo na rua que entendo as dificuldades dos motoristas. Mas eu uso justamente isso para criar conteúdo variado e informativo para meu canal no YouTube, onde abordo temas como economia e o impacto das condições nacionais no nosso trabalho. Tenho várias ideias, mas às vezes me sinto limitado, pois preciso equilibrar a criação de conteúdo com as metas diárias do aplicativo e as contas a pagar.

Mas o YouTube é um projeto paralelo para mim. Não conto com a renda dele para despesas regulares; é mais uma renda extra que uso para investir no futuro. Acredito que é importante não depender apenas do INSS ou do governo na velhice. No canal, mostro como aplico e invisto meu dinheiro, e como o estudo e trabalho duro resultam em sucesso. Isso, espero, gera engajamento e ajuda a construir uma estratégia eficaz para entregar conteúdo valioso.

Como você adaptou seu conteúdo no YouTube para engajar seu público-alvo?

Criei um canal no YouTube para compartilhar meu conhecimento e atrair público. Porém, percebi que conteúdos muito formais e técnicos, especialmente sobre finanças, não geram grande engajamento entre os motoristas de aplicativo, que são meu público-alvo. Entendi que precisava equilibrar os temas, mesclando assuntos do dia a dia, notícias impactantes e até fofocas, para criar conexão e manter o interesse deles.

No início dos meus vídeos, sempre me apresento e falo sobre meu foco em desenvolvimento pessoal e financeiro. Isso serve como um gatilho para quando eu produzir conteúdos específicos nessa área, ajudando os espectadores a se identificarem com o tema desde o início.

Meu objetivo não é apenas gerar engajamento, mas também apresentar quem eu sou e o que sei. Ao falar sobre experiências comuns a eles, posso criar uma identificação que os incentive a me ouvir e assimilar o conhecimento que ofereço. Este foi o pensamento que me levou a adaptar e continuar adaptando minha estratégia no YouTube.

Como tem sido a sua experiência com o aumento do reconhecimento profissional? Você já recebeu algum convite para criar conteúdos?

Recentemente, fui contatado por empresas, como o Sebrae, para palestras e criação de conteúdo educativo. Gravei três vídeos sobre empreendedorismo para motoristas de aplicativo, parte de um projeto do Sebrae para incentivar microempreendedores. Estes vídeos ainda não foram divulgados, mas são um exemplo do tipo de impacto e alcance que estou começando a ter.

Recebo também propostas de outras empresas para fazer publicidade, mas preciso ser cauteloso. Aceitar dinheiro pode gerar suspeitas sobre as minhas intenções. Não quero promover empresas que oferecem produtos ou serviços de baixa qualidade. Por isso, sou seletivo com essas ofertas. Quero crescer profissionalmente, mas sem pressa. Crescimento rápido e desorganizado pode ser difícil de gerenciar e levar a erros. Preciso ser cuidadoso.

Mas infelizmente, no contexto dos cursos online, as pessoas frequentemente acreditam que outros apenas buscam lucrar às suas custas. Esta mentalidade é comum entre motoristas e influenciadores digitais. No YouTube, por exemplo, existem vários tipos de criadores de conteúdo: aqueles que se dedicam a notícias, outros que criticam colegas para ganhar engajamento através de fofocas e críticas.

Como você enxerga esses cursos? Pensa em fazer algum para a sua marca “Uber do Japa”?

Estou ciente das particularidades do nicho dos motoristas de aplicativo. Sei que cursos direcionados a eles podem enfrentar resistência e críticas. Por isso, no meu caso, penso abordagens diferentes, como cursos de finanças pessoais e autodesenvolvimento, talvez em parceria com profissionais de psicologia e finanças. Acredito que, dessa forma, posso contribuir positivamente para esse público, ao mesmo tempo em que exploro outras possibilidades para o crescimento do meu canal.

O objetivo, no meu caso, é incentivar as pessoas a verem oportunidades nas dificuldades, pois o empreendedorismo se trata de encontrar soluções para os problemas. No entanto, é preciso ter cuidado ao criar um curso, pois não quero ser visto como se estivesse apenas buscando lucrar em cima dos motoristas. Acredito que para se aprofundar em um assunto, muitas vezes é necessário investir em um bom curso, pois a informação já vem organizada e confiável, ao contrário das incertezas que encontramos na internet. Por isso, considero que cursos pagos valem a pena, embora pessoalmente ainda tenho essas preocupações com a percepção na internet.

Como você encara essa competitividade dos influenciadores da categoria?

A competitividade nem sempre é saudável. Alguns criam narrativas negativas, como ligar longas horas de trabalho a acidentes, para prejudicar outros. Eu percebo o impacto disso nas métricas de crescimento de canais como o YouTube e o Instagram. Isso cria uma divisão prejudicial ao crescimento coletivo.

Pessoalmente, eu me recuso a adotar essa abordagem. Falar mal dos outros não está alinhado com meus valores, e acredito que isso não é o caminho certo. Embora possa atrair inscritos e visualizações, penso que prejudica os outros e acaba nos prejudicando também.

Na internet, muitos se sentem mais ousados para criticar, protegidos pelo anonimato das telas. No entanto, na vida real, a interação é diferente. As pessoas que nos apoiam nos abordam positivamente, enquanto críticos tendem a evitar o confronto direto.

Finalmente, acho que esses críticos online são, em sua maioria, infelizes e não contribuem positivamente. Eles muitas vezes carecem de argumentos sólidos e conhecimento real sobre o que criticam. Eu prefiro focar no engajamento positivo com meus seguidores, ao invés de responder a críticas vazias.

Há quem diga que a Uber não aumenta as tarifas porque mostramos lucro, mas isso é apenas uma narrativa entre muitas outras usadas para prejudicar não só a mim, mas também outros youtubers, impedindo nosso crescimento. A internet deveria ser um lugar de união, mas infelizmente existe essa divisão.

Você gostaria de acrescentar alguma coisa?

Gostaria de acrescentar que a internet oferece muitas oportunidades, não apenas para ser um YouTuber, mas para criar novas possibilidades. Por exemplo, se você é motorista e é bom nisso, por que não compartilhar seu conhecimento online? Você pode vender produtos no seu carro ou até oferecer mentorias. Muitos motoristas novatos não sabem nada sobre aplicativos de transporte, e você poderia ajudá-los.

A comunicação é essencial, pois, ao dirigir, você encontra pessoas diferentes, cada uma com suas próprias necessidades e problemas. Essas interações revelam oportunidades que muitas vezes não percebemos porque estamos acostumados com a rotina. A chave é enxergar além do trabalho habitual e reconhecer que cada pessoa que entra no seu carro pode trazer novas possibilidades.

Para concluir, quero destacar que as pessoas são a fonte de todas as oportunidades. Mesmo que algumas delas tragam problemas, é exatamente nesses desafios que as oportunidades surgem. É importante focar na união, não na divisão.Nunca estaremos completamente preparados, mas é crucial estar aberto e observar as possibilidades que surgem.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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